Itamarati – Carauari (1ª Parte)
Hiram Reis e Silva (*)
Chegamos à Carauari, às 14h do dia
03, depois de seis dias de exaustiva navegação nos mais de 500 km que separam
as duas cidades. Tão logo cheguei ao hotel retirei o celular da sacola de
viagem para tentar contatar meu grande amigo Comandante Pastl e saber notícias
de seus filhos, vítimas do descaso e da omissão das autoridades e da ganância
de empresários da Boate Kiss, em Santa Maria (RS). Equipamentos utilizados no reconhecimento do rio Juruá |
Tão logo liguei o aparelho entrou
uma mensagem do Coronel Pastl, enviada às 14h14 de 03.02., informando, naquele
justo momento, que os rapazes estavam melhorando e haviam inclusive jantado. Mais
tarde, às 16h14, relatou que os mesmos tinham tomado banho de chuveiro, que os
ferimentos estavam cicatrizando e que o aparelho respiratório apresentava
melhoras significativas.
Eu tinha passado seis dias sem poder
ter notícias de meus queridos ex-alunos e recebi emocionado a notícia, Deus
seja louvado! Estava digitando estas linhas, na tarde do dia 04.02, e nova
mensagem avisava que os meninos deveriam ir para o quarto na terça-feira
(05.02).
Itamarati
- Comunidade São Braz (29.01)
Infelizmente não tivemos a
oportunidade de conhecer o prefeito da pequena, exótica e muito bem cuidada
Itamarati ou mesmo algum de seus secretários. Partimos antes do alvorecer,
tinha feito uma proposta aos meus parceiros, navegar sete dias e pernoitar em
Carauari três dias ou navegar seis dias e ficar na cidade quatro dias.
Logicamente a segunda opção ganhou.
Eu sabia que isto demandaria um
esforço muito maior e um desgaste físico considerável, pois deveríamos, mesmo
contando com a passagem pelos “furos” navegar uma média superior aos 90
quilômetros diários obrigando-nos a permanecer numa posição incomoda por
aproximadamente 9 horas diárias.
O dia ensolarado minava nossas
forças que ganhavam novo alento apenas quando avistávamos os botos bailarinos,
as garças surfistas, as escandalosas araras, os enormes troncos que mais
pareciam aríetes impulsionados pela torrente do rio Juruá ou ainda os raros
sítios de terra firme que contrastavam com a várzea infinda. Num destes belos
locais, o da Comunidade de Santo Antônio, o Mário foi brindado com uma preciosa
e cobiçada garrafa pet de dois litros de água gelada.
Pela fotografia aérea suspeitei da
existência de um furo num estreito localizado logo depois da Comunidade de
Santo Antônio. Perguntei a um ribeirinho da região sobre a existência do mesmo
que nos informou mal humorado que não se tratava mais de um furo, mas de um arrombado. Navegamos pelo meio do rio já
que para se chegar até o dito “arrombado” bastaria ser levado pela
correnteza. Ledo engano, quando alcançamos, mais abaixo, a Comunidade de Vista
Alegre fomos avisados que o pequeno furo ficara para trás. Enganchamos na
lancha e voltamos mais de três quilômetros até chegar ao almejado furo Samaúma.
Tão logo avistamos o furo avistamos
um nativo da etnia Deni que desaconselhou a passagem da lancha tendo em vista
as enormes toras que bloqueavam parcialmente a entrada do mesmo. Enquanto o
Mário fazia a volta de 15 quilômetros eu e o Marçal nos lançamos no furo. As
manobras radicais foram necessárias apenas na entrada, o furo estava sendo
trabalhado pelas comunidades para se tornar um arrombado, encurtando em 15 quilômetros a distância que os separava
de Itamarati.
Depois de o ultrapassarmos ficamos
um bom tempo de bubuia aguardando o Mário, que contornava a enorme volta, até
que resolvi aproveitar o tempo e mapear a Comunidade Conceição do Raimundo. Lá
confirmei a localização de São Tomé para onde nos dirigimos já que eu previra
realizar ali nosso primeiro estacionamento. Como o local não era apropriado
para um acantonamento, nos deslocamos até a Comunidade de São Braz.
As terras do antigo Seringal ou
Colocação Nazaré do Bóia foi dividida pelos proprietários que venderam uma
parte ao Sr. Pedro Rodrigues de Oliveira, ex-seringueiro do Nazaré. Após a
morte do Sr. Pedro, a propriedade passou para sua esposa Sra. Celeste Taveira
da Silva, mãe do atual líder comunitário Antônio Raimundo Taveira de Oliveira.
Cuidadoso, este nos interrogou a respeito de nosso trabalho e só sossegou
depois que lhe mostramos a carteira de identidade do Ministério da Defesa.
A escolinha em que ficamos alojados
era tão simples como as demais, mas se destacava pelo capricho e a decoração
das salas de aula. O Marçal preparou nosso “almojanta” na residência do
Antônio Raimundo. Conquistamos, no Braz, um amigo sincero, um irrequieto guri
chamado Estevão que acompanhou meus lançamentos na caderneta de campo e acordou
cedo para de nós se despedir.
Comunidade
São Braz – Chibao Grande (30.01)
Partimos, novamente enfrentando um
dia quente, pensando em parar na Comunidade de São Romão. Ao ultrapassar o rio
Xeruã, adentramos no município de Carauari. Preocupados com a carência de comunidades
procuramos confirmar em cada ponto a localização e características da próxima
para podermos acantonar com mais conforto e segurança. Na proximidade de nosso
destino avistamos um enorme morro que emoldurava uma majestosa sumaumeira
decorada com uma grande quantidade de ninhos de japiins.
Nosso anfitrião em Chibao Grande,
nossa segunda parada neste trajeto, foi o Sr. Raimundo Rodrigues de Souza, um
manauara, que se encontrava na comunidade para consertar a cerca da residência
da sua irmã, Sra. Maria Matilde Rodrigues de Souza, proprietária da casa onde
nos alojamos. Por uma destas amazônicas coincidências, ele nos informou que a
madeira seria fornecida pelo Sr. Antônio Raimundo da comunidade de São Braz.
A confortável casa, além de uma cozinha
completa, que facilitou o trabalho de nosso cozinheiro Marçal, tinha um
banheiro com chuveiro de águas cristalinas, um caso raro nessas paragens.
Aproveitei o conhecimento do caseiro
Sr. José Adilson Rodrigues da Silva para confirmar alguns detalhes do próximo
lance, conseguindo dicas preciosas de Furos e Comunidades. O Sr. José preparou
uma pirara que havia pescado e nos convidou a degustá-la. Fugindo ao nosso
costume de fazer apenas uma refeição durante o dia aceitamos o convite.
Nosso anfitrião estava tomando banho
quando surgiu enorme cobra papa-pintos, a cobra estava de barriga cheia
possivelmente de pererecas que pululavam na umidade do recinto. Depois de
fotografar e filmarmos o réptil o soltamos no campo.
Comunidade
Chibao Grande – Morada Nova (31.01)
O furo do Itanga já foi parcialmente
arrombado e conecta-se com um sacado
que permite a navegação de grandes embarcações no seu braço ocidental e das
menores também no oriental. Atualmente as balsas que sobem o Juruá fazem uso do
braço ocidental. Embora encurte o caminho em aproximadamente dez quilômetros,
este braço possui correnteza muito fraca o que no nosso caso pouca diferença
representou no final. Foi, no entanto, um itinerário importante para se puder
verificar como se processa a navegação nestas paragens.
Cinco quilômetros depois do Itanga
deparei-me com uma inesperada bifurcação. Fiquei momentaneamente desorientado
até que ao olhar com maior atenção para a fotografia aérea do Google Earth, de
31.12.1969, entendi o que se passara nestas últimas décadas. O igarapé Marari
que na década de sessenta (1960-1967) tangenciava a margem direita do rio Juruá
foi desgastando o barranco esquerdo que o separava do rio, enquanto este fazia
o mesmo pelo lado direito até que surgiu a segunda boca, no final da década
(1968-1969).
A energia das águas do rio Juruá foi,
então, progressivamente, principalmente no período das alagações, ampliando o
pequeno canal que se abrira com o rompimento da segunda Boca do Mirari criando
a ilha do Marari. Mais um belo exemplo da inconstância tumultuária do mais
sinuoso dos Rios. Embora os arrombados
ou mesmo os furos formem, ainda que momentaneamente, diversas ilhas ao longo do
curso do rio Juruá, considero que se deva considerar como ilhas apenas as mais
perenes. Consideramos, portanto, a ilha do Marari, como a primeira desde que
partimos da foz do Breu.
O Sr. José Adilson, em Chibao
Grande, tinha-nos dado uma descrição pormenorizada da localização e das
condições do furo Morro Alto. Segundo ele, existia uma casinha com cobertura de
palha, logo depois da Comunidade Morro Alto e o furo ficava ao lado da mesma. A
amplitude do canal permitiu que o Mário entrasse com a lancha de apoio e
fizesse algumas tomadas com a câmera.
Chegamos à Morada Nova, nosso
destino final, por volta das 15h onde fomos muito bem recebidos e alojados na
casa de reuniões da comunidade. Encontramos o Sr. Percivaldo, mencionado pelo sargento
Barbosa em Itamarati, um artista da construção náutica. Na frente de sua casa
está estacionado um belo iate de madeira de linhas arrojadas construído pelo
conhecido artesão.
Investimento em soberania
Mais uma vez apelamos aos nossos
investidores para que continuem colaborando, cada um dentro de suas posses,
para que possamos cumprir a meta de chegar a Manaus. Àqueles que ainda não
conhecem nosso projeto, peço que visitem o Blog
(*) Itamarati, Amazonas, 6 de
fevereiro de 2013, via internet
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