Sempre há surpresa, como aconteceu hoje com a comemoração do Dia da Independência. Este ano, sem desfile militar, fomos obrigados a assistir a uma fúnebre e enganosa reunião de encamisados de verde-amarelos.
Para amenizar o disparate, vou postar um poema escrito pelo saudoso jornalista Ramayana de Chevalier. E foi de raridade sua incursão nesta arte. Poema encontrado na revista A Selva, circulada em Manaus.
Vi milhões de coqueiros!
Cocares verdes de tuxauas
ou sivahs de braços vegetais!
Vi rasgões de estradas brancas ou lágrimas deslizantes
de rios colossais
que vieram do olhar enoitecido da Terra!...
Ouvi gritos de gaivotas!
Vi sombras ao crepúsculo, de lavradores de bronze,
no socalco das serras!
Vi gigantes de pedra que representavam na quietude granítica
a indolência da gente!
Vi dez corpos,
cem corpos
dez milhões de corpos
morenos como coivaras,
loiros como trechos de sol na vidraça dos rasga-céus,
alvos como retratos de luar
na esclerótica cochilante dos brejos do sertão!
Volúveis na cor
como o pensamento nacional!...
Vi vazios de tabuleiros, milionários de sol, a olharem o azul
[sem nuvens
as gargantas com febre!...
Vi o olhar longínquo dos zebus
espreitando da alma a tragédia da seca.
Vi o proletário que cospe todo o dia o amargor desiludido da vida.
Vi o burguês que fuma charutos enormes
e humilha os humildes para não parecer escravo dos "yankees".
Vi o caboclo que sonha
O malandro que samba
O negro que soluça no ritmo monotônico de atabaques sem som
que adormecem
de tedio...
Vi o sangue fervendo, e ancas batendo, e seios de chumbo. Mulher brasileira
Tisnada de luz, vestida de cor,
Jaboticaba, sumo verde, meu amor,
que envenena e delicia...
Vi a saudade com sono espiando o crepúsculo...
Vi o orador que nasce em esquina e não sabe o que diz.
Vi o poeta, olhos que escondem mil anos de sentimentalismo, escorado à porta de um restaurante chinês
assoviando a revérie dc Schumann...
Vi um grande, um imenso rosto pálido
de maceração endêmica
trechos verdes de sangue mau
trechos rubros de sangue bom
sorrindo nos olhos tristes
chorando na boca exangue
que chupa cana, come pé de moleque, ginga o corpo no [samba
faz versos, faz versos, faz versos,
com uma vontade doida de ser feliz
e faz o sinal da cruz
para ir de noite ao candomblé.
Vi o Brasil!
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