Ao rever os
escritos de L. Ruas, o saudoso padre-poeta, que também pode ser intitulado de cronista
e professor, filósofo e boêmio, deparei-me com a crônica FIM DE ANO aqui compartilhada. Afinal,
trata-se de data excepcional.Encontrei-a na
coluna Ronda dos Fatos, produzida por L. Ruas em A Crítica, e
circulada na edição de 31 de dezembro de 1957, portanto, há sessenta e três anos.
FELIZ ANO DE 2021!
Detalhe: o texto foi retirado do jornal, arquivado sob condições precárias, daí algumas falhas no texto, que foram indicadas entre parênteses com “ilegível” ou (...). Espero que o leitor possa suprir esses detalhes.
Ruas, em comemoração na Rádio Rio Mar |
FIM DE ANO
Obrigatoriamente
todos temos que falar do fim do ano que está acontecendo hoje. Falar,
misturando alívio, saudade e esperança. Pois estes são, na verdade, os
sentimentos mais comuns que nutrimos para com os anos que se extinguem.
Os
cronistas sociais, políticos, econômicos já começaram a fazer o balanço do ano que
está findando juntamente com os literatos e os comerciantes. Os padres vão
dizer para os seus fiéis que é necessário fazer um exame de consciência o que
não deixa de ser também um balanço espiritual. E é preciso mesmo. É preciso que
todos façamos um exame retrospectivo de nossas atividades. Se o destino do
homem é melhorar sempre é preciso que façamos uma pesagem objetiva e sincera
dos nossos recuos e dos nossos avanços. Para enfrentarmos o ano que se
aproxima.
E
por que iríamos nós fugir ao espírito comum? Vamos também falar como todos dos
fatos principais do ano. E de início eu diria logo que este foi o ano da
beleza. Beleza sim. Teresinha Morango em Long Beach deslumbrou o mundo
com sua simplicidade e com seu encanto. Encanto e simplicidade que perduram
tendo sabido a menina de Canavial se conservarem imune dos grandes perigos
morais que assediam as multifárias misses que pululam ultimamente em todos os
quadrantes do universo o que, antes de ser uma doença, em si mesmo, é ao
contrário, um sintoma: o fracasso do mundo racionalista e cientificista,
masculino, portanto, procura uma solução no feminino. Mas isto já é outra
história. Foi sob o signo da beleza de Teresinha que este ano caminhou. E eu
diria mesmo muito mais de sua beleza moral do que de sua beleza física. É certo
que a Teresinha andou me entristecendo um pouco quando li uma entrevista por
ela concedida a uma revista na qual se declarava, depois de poucos meses de “principado”,
partidária do divórcio. É o seu tributo, Teresinha?
Internacionalmente
foi o ano do Sputnik. Consequentemente diríamos que foi o ano da técnica. O
lançamento do satélite artificial pelos russos causou um verdadeiro abalo no
Ocidente. Os russófilos se empertigaram todos. Levantaram a voz. Falaram com
autoridade. Dava até mesmo a impressão de que já havia (. . .) o mundo. (. . .)
Vanguard aumentou ainda mais a euforia dos nostálgicos e potenciais
cidadãos da URSS.
No
âmbito nacional foi o ano de Brasília. Esta fabulosa Capital que está sendo
construída por uma fabulosa Novacap e por um não menos fabuloso aerodinâmico
Presidente. Brasília é sem dúvida um dos maiores pecados que o Brasil está
cometendo. Antes mesmo de ser um pecado
econômico é um pecado social. É uma afronta imoral que o Governo está fazendo a
um povo faminto e ignorante. Pode parecer seja lá o que for. É impossível
justificar Brasília. Sou nortista. Orgulho-me disso. Amo este Amazonas mais do
que ninguém. Não troco esta terra por outra qualquer do globo terrestre. Meu
maior desejo é que o Amazonas chegue, quanto antes, a realizar o seu papel
dentro da União. Papel que até agora não conseguiu porque só tem vivido de
verdadeiros “contos de vigários” que os Governos nos têm passado desde o
famigerado discurso do Rio Amazonas. Mas nem isso nem a história, a lenda do
Norte se beneficiar com a construção de Brasília, me convence de que é justo o
que se está fazendo. O Brasil pagará por este pecado de orgulho e de ostentação
besta. Tola ostentação muito semelhante à dessas mocinhas ignorantes que ganham
mil cruzeiros por mês e compram, a prestação, vestidos e joias que vão a dois
ou três mil cruzeiros. As consequências deste esbanjamento breve sentiremos e
sofreremos. Basta ver o nosso déficit.
Cá
entre nós, 1957 foi o ano editorial. Sergio Cardoso, à frente, conseguiu bater
o recorde. Embora saibamos que não está tudo feito não deixamos de sentir uma
alegria muito profunda e muito sincera ao vermos empilhados em nossas livrarias
os volumes de nossos poetas, cronistas, ensaístas, pensadores. A poesia
dominou. Houve uma bela porfia lírica. Qual o melhor? Isso não interessa por
enquanto. O que interessa é que houve trabalho e isso é o que nos estava
faltando. Vou falar de novo em Sergio Cardoso. Insuspeitamente vou lhe fazer um
elogio pois não tenho livro algum a ser editado nem pretendo fazê-lo. Sergio,
você progrediu a olhos vistos. O Argila de Benjamin Sanches é realmente
um livro bem impresso.
Religiosamente
foi ano de despedidas este 1957. D. Alberto Ramos transferido para Belém do
Pará e nós até agora sem arcebispo. Nem mesmo nomeação houve.
Como está vendo leitor, não há mais motivos para perder (ilegível). Este mundo (ilegível) boa por aí. O negócio é a gente olhar também para as coisas boas. E para você, leitor, deixo aqui os meus mais sinceros votos de um ano novo muitíssimo feliz.
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