CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, dezembro 31, 2020

ANO NOVO


Ao rever os escritos de L. Ruas, o saudoso padre-poeta, que também pode ser intitulado de cronista e professor, filósofo e boêmio, deparei-me com a crônica FIM DE ANO aqui compartilhada. Afinal, trata-se de data excepcional.
Encontrei-a na coluna Ronda dos Fatos, produzida por L. Ruas em A Crítica, e circulada na edição de 31 de dezembro de 1957, portanto, há sessenta e três anos.

FELIZ ANO DE 2021!

Detalhe: o texto foi retirado do jornal, arquivado sob condições precárias, daí algumas falhas no texto, que foram indicadas entre parênteses com “ilegível” ou (...). Espero que o leitor possa suprir esses detalhes.

Ruas, em comemoração na
Rádio Rio Mar


FIM DE ANO

Obrigatoriamente todos temos que falar do fim do ano que está acontecendo hoje. Falar, misturando alívio, saudade e esperança. Pois estes são, na verdade, os sentimentos mais comuns que nutrimos para com os anos que se extinguem.

Os cronistas sociais, políticos, econômicos já começaram a fazer o balanço do ano que está findando juntamente com os literatos e os comerciantes. Os padres vão dizer para os seus fiéis que é necessário fazer um exame de consciência o que não deixa de ser também um balanço espiritual. E é preciso mesmo. É preciso que todos façamos um exame retrospectivo de nossas atividades. Se o destino do homem é melhorar sempre é preciso que façamos uma pesagem objetiva e sincera dos nossos recuos e dos nossos avanços. Para enfrentarmos o ano que se aproxima.

E por que iríamos nós fugir ao espírito comum? Vamos também falar como todos dos fatos principais do ano. E de início eu diria logo que este foi o ano da beleza. Beleza sim. Teresinha Morango em Long Beach deslumbrou o mundo com sua simplicidade e com seu encanto. Encanto e simplicidade que perduram tendo sabido a menina de Canavial se conservarem imune dos grandes perigos morais que assediam as multifárias misses que pululam ultimamente em todos os quadrantes do universo o que, antes de ser uma doença, em si mesmo, é ao contrário, um sintoma: o fracasso do mundo racionalista e cientificista, masculino, portanto, procura uma solução no feminino. Mas isto já é outra história. Foi sob o signo da beleza de Teresinha que este ano caminhou. E eu diria mesmo muito mais de sua beleza moral do que de sua beleza física. É certo que a Teresinha andou me entristecendo um pouco quando li uma entrevista por ela concedida a uma revista na qual se declarava, depois de poucos meses de “principado”, partidária do divórcio. É o seu tributo, Teresinha?

Internacionalmente foi o ano do Sputnik. Consequentemente diríamos que foi o ano da técnica. O lançamento do satélite artificial pelos russos causou um verdadeiro abalo no Ocidente. Os russófilos se empertigaram todos. Levantaram a voz. Falaram com autoridade. Dava até mesmo a impressão de que já havia (. . .) o mundo. (. . .) Vanguard aumentou ainda mais a euforia dos nostálgicos e potenciais cidadãos da URSS.

No âmbito nacional foi o ano de Brasília. Esta fabulosa Capital que está sendo construída por uma fabulosa Novacap e por um não menos fabuloso aerodinâmico Presidente. Brasília é sem dúvida um dos maiores pecados que o Brasil está cometendo.  Antes mesmo de ser um pecado econômico é um pecado social. É uma afronta imoral que o Governo está fazendo a um povo faminto e ignorante. Pode parecer seja lá o que for. É impossível justificar Brasília. Sou nortista. Orgulho-me disso. Amo este Amazonas mais do que ninguém. Não troco esta terra por outra qualquer do globo terrestre. Meu maior desejo é que o Amazonas chegue, quanto antes, a realizar o seu papel dentro da União. Papel que até agora não conseguiu porque só tem vivido de verdadeiros “contos de vigários” que os Governos nos têm passado desde o famigerado discurso do Rio Amazonas. Mas nem isso nem a história, a lenda do Norte se beneficiar com a construção de Brasília, me convence de que é justo o que se está fazendo. O Brasil pagará por este pecado de orgulho e de ostentação besta. Tola ostentação muito semelhante à dessas mocinhas ignorantes que ganham mil cruzeiros por mês e compram, a prestação, vestidos e joias que vão a dois ou três mil cruzeiros. As consequências deste esbanjamento breve sentiremos e sofreremos. Basta ver o nosso déficit.

Cá entre nós, 1957 foi o ano editorial. Sergio Cardoso, à frente, conseguiu bater o recorde. Embora saibamos que não está tudo feito não deixamos de sentir uma alegria muito profunda e muito sincera ao vermos empilhados em nossas livrarias os volumes de nossos poetas, cronistas, ensaístas, pensadores. A poesia dominou. Houve uma bela porfia lírica. Qual o melhor? Isso não interessa por enquanto. O que interessa é que houve trabalho e isso é o que nos estava faltando. Vou falar de novo em Sergio Cardoso. Insuspeitamente vou lhe fazer um elogio pois não tenho livro algum a ser editado nem pretendo fazê-lo. Sergio, você progrediu a olhos vistos. O Argila de Benjamin Sanches é realmente um livro bem impresso.

Religiosamente foi ano de despedidas este 1957. D. Alberto Ramos transferido para Belém do Pará e nós até agora sem arcebispo. Nem mesmo nomeação houve.

Como está vendo leitor, não há mais motivos para perder (ilegível). Este mundo (ilegível) boa por aí. O negócio é a gente olhar também para as coisas boas. E para você, leitor, deixo aqui os meus mais sinceros votos de um ano novo muitíssimo feliz. 

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