CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, novembro 05, 2017

DAVID RANCIARO (1956-2017)

David Ranciaro
Deveria postar sobre a poesia de jornais, todavia a saída de cena do poeta David Ranciaro me leva a trocar a tabela. Faleceu dia 3 este paranaense, nascido em Cornélio Procópio, que se enturmou em Manaus e soube promover a Cultura. Tanto assim que, durante o velório e no sepultamento, foram respeitáveis as demonstrações de reconhecimento pelo seu trabalho.

Desfrutei muito pouco da amizade do Ranciaro, essa afeto aconteceu apenas quando ele se achegou ao Chá do Armando. Nas sextas em que ali nos assentávamos, pude dialogar e entender sua movimentação. Antes, quem me falou sobre ele foi o falecido poeta Sergio Pereira, amigos de variados ambientes.

Até então eu pensei que se tratava de um cantor popular, de tantos que floreiam a noite e os recantos da cidade. Todavia, não era nada disso. Ranciaro deixou-me a impressão do paladino que luta e luta por mais livros em mãos de jovens, daí seu esforço em dotar escolas públicas com mais bibliotecas. Foram vários empreendimentos bem sucedidos. Lamento não ter colaborado e contribuído, bem que fui convidado. Perdão, Ranciaro, a próxima biblioteca deverá ter seu nome.

O amigo de longa data, Zemaria Pinto fez este registro em seu blog Palavra do fingidor:  

A leitura de Plantador de flores me fez viajar em minha própria história, pelos recitais da Caravana Literária, grupo de poetas e músicos que andava pelas escolas semeando poesia, há 10 anos, quando tudo começou. David Ranciaro, além de ser uma espécie de empresário do grupo, contatando as secretarias e as escolas, era o poeta que se comunicava com mais facilidade com a massa de alunos, apesar de sua notória timidez: seus poemas, lidos com falsa displicência, não pediam, para serem compreendidos, análises complexas: os alunos ouviam, riam e aplaudiam, entusiasmados, pois a conclusão era sempre inusitada e engraçada, como em “Cabocliana n° 1”, “Só quero um beijo”, “Tardinha” e a clássica “Fila para entrar na fila” – todos presentes neste volume: florilégio.  (...)

E o poeta e contista João Pinto concebeu o texto abaixo ao se despedir de Ranciaro, ao meu lado, na noite do velório.

ESCUTE O AMIGO DAVID

Há uma coisa diferente quando um defunto, num caixão exposto aos vivos, numa sala, se apresenta.
É que seu silêncio é tão danado que nos dói. E o silêncio não está somente em sua voz, está no rosto impecável, nas mãos cruzadas e em tudo que lhe diz estranho.
David Ranciaro estava com tal aflição e não sabia o que dizer no último instante. Com tantas silhuetas ao seu lado.
Seu barco de madeira parecia que o sufocava de tão apressado.
Eu acho que o amigo do Chá me pedia algo além das minhas forças, que eu lhe passasse uma garrafa, um pedaço de pão de queijo, e que o Aguinaldo fechasse a matraca para ele declamar uma lavra sua. 
David Ranciaro
Pois logo hoje, David, não me faça chorar. Sei que houve uma metamorfose em seu dileto cavalo que subia um batente e abria a porta do Ideal [Clube] para sentar perto da gente. 
Sei que seus cabelos brancos nunca mais branquejarão. É que sob um monte de barro ali fica nossa roupa velha, que nunca se quer jogar fora.

E agora, José? Você não foi a Minas.
À última hora, sem aviso prévio, você jogou seu celular num muro e espatifou por completo. Foi assim, meu amigo, o teu gesto de pedir férias definitivas. Agora você vibra em outra. Sem essa de dor no peito. Sem essa de carteira vazia.
É assim que a gente sente a brisa, que um dia foi cálida, que nos oxigenou e não enche mais nossos pulmões.

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