Julgo que o
termo ainda não está corretamente dicionarizado, pois o Dicionário Aulete registra arigô
-- s.
m. (Bras., Centro) || pacóvio, simplório; pessoa rústica.
João
Leda (*)
Manifestou a
sua folha, edição de ontem, domingo, o desejo de ouvir-me a respeito da
etimologia e do sentido real da palavra “arigó”, que, presentemente, anda muito
na moda, no curioso noticiário policial das gazetas. Não desejando ser arguido
de descortês, remetendo-me ao silêncio diante do seu apelo, aqui vai exposta,
resumidamente, a minha maneira de ver no caso:
Os mais
conceituados léxicos da nossa língua não têm noticia do vocábulo “arigó” e,
semelhantemente, o ignoram os ilustres vocabularistas, que, em nossos dias, se
devotaram à paciente coleta de regionalismos linguísticos, em várias e vastas
zonas do nosso país. (...) abrangendo todos a imensa área que, partindo de São
Paulo, alcança o extremo-norte, nenhum assinalou “arigó” nas suas pesquisas,
onde os brasileirismos, reais ou supostos, ocupam lugar considerável.
Reproduzido de O Jornal, 21 setembro 1943
Parece certo
que o nome não provém em linha reta do português. Terá sido transplantado do
crioulismo americano, compreendida essa expressão como o conjunto de alguns
falares do continente, dos mais estudados e esquadrinhados pelos especialistas?
Falece-me
elementos para uma afirmativa peremptória. Tudo quanto posso referir nesse
particular é que, numa interessante relação de termos de origem mexicana e
peruana, seguido de um resumo do vocabulário aruaco-castelhano, de muitas vozes
indígenas do Orinoco e rio Negro, de numerosas dicções do goagiro-castelhano e
abundantes termos tamanacas – tudo eruditamente enfeixado num valioso opúsculo
do professor Jacques Raimundo – não se rasteia o enigmático “arigó” objeto da
solicitação linguística de O Jornal.
O perlustrar,
embora de fugida, todos esses idiomas americanos mais ou menos exóticos, em
cata da possibilidade de um encontro com o escapadiço “arigó”, sem a grata
surpresa de o topar escondido em algum verbete, não significa entretanto que
ele seja estranho à ambiência continental, uma vez que não procede de genuína
fonte portuguesa, como parece.
De feito e,
sobretudo, no que concerne à gíria da malandragem profissional, nossa vizinha
Argentina tem opulentado sobremodo o vocabulário brasileiro. (...) “O calão do
malandro carioca, ou fluminense, perfilhou numerosos termos da jerga do delinquente argentino, na
tendência imperiosa de universalizar a triste linguagem do criminoso”. (...)
Nada, porém,
de “arigó”, e a este substantivo que filtra velhacaria e agilidade de unhas,
consoante a literatura da reportagem dos jornais, é que se cinge o apelo de O Jornal.
Se eu não
respeitasse a linguagem do meu país, considerando-a o mais robusto elo que
aperta os sentimentos de fraternidade e de solidariedade da raça, não devendo,
portanto, ser apoucada com fantasias gramaticais absurdas e delirantes,
aproveitaria o ensejo que agora se me oferece para inventar uma etimologia
mirabolante de “arigó” e inseri-lo no catálogo de muitos desvarios que por ai
correm, subscritos até por eminentes autoridades.
Inventaria,
por exemplo, o étimo iorubano agó,
significativo de haveres e riquezas, e, ajoujando-o a um prefixo imaginário de
qualquer dos idiomas negroides que subsidiaram o nosso, forçaria “árigo” a
traduzir o espoliador ou surripiador de bens alheios, assanhando destarte, com
a minha criação estapafúrdia, os venerandos próceres da gramática e da
filologia.
Mas, nestas
matérias, a honestidade da consciência está acima das toleimas vaidosas. E a verdade,
na questão proposta, está, a meu ver, no seguinte: se o nome não se origina no
idioma que os portugueses nos herdaram, nem é possível filiá-lo a nenhum dos
outros que cooperaram e ainda cooperam em nossa linguagem, será forçoso
ensartar “arigó” no infinito acervo das palavras, das expressões ocasionais,
“das criações populares abruptas, espontâneas, nascidas das necessidades do
momento, para reforçar uma ideia, colorir uma imagem ou exaltar uma impressão”,
na frase viril e exata de Mariassy, arguto observador desse fenômeno
linguístico no alemão e no inglês.
E assim
sendo, o “arigó”, sem raiz conhecida e certificada, consequentemente sem um
sentido próprio e fundamental, pode adotá-lo com a maior elasticidade,
fazendo-o compreender todas as formas imagináveis da sutil atuação dos
malandrins, notadamente aqueles que o grande padre Antônio Vieira enumerou, na
conjugação dum expressivo verbo latino.
A latitude
do significado atribuído a “arigó” é a mesma de todas as palavras que, isentas
de limitação sinonímica por não se lhes poder fixar a etimologia, comportam
enorme extensão de sentido: “arigó”, ou o malandro adventício que, tirando
todas as vantagens de ser desconhecido no meio em que opera, exercita com mais
segurança e eficiência a arte de despojar o próximo daquilo que possui.
É possível flexionar
no feminino a palavra “arigó”?
Penso que
nesse ponto a questão se resolve por analogia. Se os nossos mais grados
escritores admitem um jaó e uma jaó (ave), um socoró e uma socoró
(árvore), não vejo razão para se retirar do “arigó” a qualidade de epiceno.
Salvo melhor
juízo.
Manaus,
22-9-1943
(*) Joao Leda (1876-1955), filólogo, sério cultivador
da língua portuguesa. Foi funcionário da Assembleia Legislativa e integrou a Academia
Amazonense de Letras.
Excelente resgate! Moro em Volta Redonda, a cidade do açõ, onde "Arigó" tem o mesmo significado de migração, como na Amazônia, mas aqui se associa a um pássaro migratório que nenhum biólogo que conheço já ouviu falar, para designar os trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)! E segue o mistério! Também achei estranhas essas definições de dicionários. Essas, sim, são simplórias, pois ignorar o uso da palavra associado a imigrantes é
ResponderExcluirno mínimo preguiçoso.