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quarta-feira, abril 06, 2022

SOBRE FESTA NA ACADEMIA DE LETRAS

Acerca da festa promovida pelo Silogeu Amazonense para recepcionar ao acadêmico Ramayana de Chevalier, em 23 de abril de 1960, o deputado estadual Homero de Miranda Leão, jubilado cultor da poesia, publicou o artigo que aqui vai postado. 

Recorte de O Jornal, 26 abril 1960

A posse de Ramayana de Chevalier na Academia Amazonense de Letras, que tem a presidi-la esse admirável Salignac Souza, é, a qualquer exame, motivo de contagiante alegria e justificado orgulho, para todos nós. Vimo-lo, sobranceiro, assomar à tribuna do Silogeu, sentimo-lo, na intensidade emocional com que ele, a princípio, se dirigiu aos presentes, destacadamente ao nosso eminente governador Gilberto Mestrinho a quem "devia a graça" de estar ali, tomando assento na Cadeira outrora 5 ocupada pelo grande Adriano Jorge e que tem como patrono a figura ímpar das letras nacionais, que é Euclides da Cunha.

Era Ramayana que iria com as suas excepcionais qualidades de tribuno, escritor, poeta e pensador, encher de claridades aquele ambiente austero; era o homem de ciência, "possuidor de uma cultura humanística realmente invejável", conforme se expressou a seu respeito o saudoso mestre Péricles Moraes, em página lapidar, constante de um dos seus livros, que iríamos ouvir, naquela grande noite fulgurante.

E assim foi. Assim aconteceu. De Adriano Jorge e Euclides da Cunha, em sínteses prodigiosas e arrebatadoras, ocupou-se Ramayana de maneira exata e profunda, salientando-lhes o papel preponderante que representaram no cenário altíssimo das letras, demarcando épocas, na perpetuação do pensamento, e dentro das fronteiras próprias, que lhes destinaram as vocações. Euclides da Cunha exsurgindo, por inteiro, no estudo e na análise produzidos pelo novo imortal, que lhe apreciou as insuperáveis qualidades de sociólogo, escritor, antropologista, pioneiro de uma era nova, vexilário das angústias que sacudiam e ainda sacodem o nosso bravo habitante interiorano.

Com efeito, deram-nos "Os Sertões" a imagem dolorosa e injustiçada do homem das estepes nordestinas, dando-nos, por igual, a imagem do "martírio secular da terra". Para Euclides “o sertanejo é, antes de tudo um forte". Mas Ramayana assentou, qual um imenso foco de luz, -- e como se houve admiravelmente bem no apreciar esse aspecto do homem que "escrevia com cipó", -- a figura do autor glorioso de À Margem da História, vendo-o como o grande repórter, como aquele que, sob essa moldura luminosa e heroica nos transmitiu todas as mensagens da alma, do sofrimento e das esperanças coletivas. Sim, Euclides foi o imenso repórter, que daria ao seu século a obra que faria a glória de toda uma Pátria e de toda uma raça.

Quanto a Adriano Jorge, vimo-lo apreciado, a traços seguros, como o médico sábio, o homem de letras, o tribuno, o esteta, enfim; mas também como se aquele que, a um tempo, conseguiu ser grande e ser bom. A simples evocação da figura legendária do autor de Oração à luz fez-nos como que sentir a sua presença miraculosa, ali no templo das letras, arrebatando-nos com sua palavra escachoante, misto de luz e de prece; sol que doirava esta terra, e que possuía por igual a força dominadora de um evangelho.

Consolou-nos, portanto, vê-lo substituído por outro extraordinário talento, o qual, por certo, continuará a espargir as belezas e as cintilações, que constituíram dotes excelsos de seu antecessor. Está, portanto, de parabéns a Casa de Péricles Moraes, onde fulgem tantas inteligências e tantas cerebrações. Mas, não posso ao menos nesta oportunidade, de ensartar a estas despretensiosas linhas, as minhas sinceras congratulações a Gilberto Mestrinho, culto e dinâmico Governador, pois foi ele quem proporcionou a volta de Ramayana à nossa terra, numa a atitude reivindicatória, ao escritor, que durante tantos anos esteve à margem de cargos de relevo em nosso Estado.

E Ramayana ocupa, hoje, um dos setores de destaque na pública administração trabalhista. Diríamos, então, nesta hora, parodiando o grande e saudoso Leopoldo Peres, em se referindo a um pensador e polígrafo paulista, face ao poder de catalização de um estadista brasileiro, que não conseguiu o festejado autor de No Circo Sem Teto da Amazônia, esquivar-se ao faro psicológico, à imantação desse garimpeiro audaz, que é o senhor Gilberto Mestrinho, hábil no batear as gemas auríferas do talento, no joeirar o valor e captá-lo, onde quer que se ele encontre para obra coletiva do Amazonas.

Concluindo, presto igualmente a minha homenagem a Djalma Batista, à sua cultura poliédrica, ao seu espírito solar, sem esquecer a primorosa e invejável formação moral, que lhe serve de escudo. O seu discurso de recepção a Ramayana foi uma peça profunda, séria, estruturada naquela linguagem castiça, peculiar ao autor de Letras da Amazônia. Parabéns, Academia!


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