Acerca da festa promovida pelo Silogeu Amazonense para recepcionar ao acadêmico Ramayana de Chevalier, em 23 de abril de 1960, o deputado estadual Homero de Miranda Leão, jubilado cultor da poesia, publicou o artigo que aqui vai postado.
Recorte de O Jornal, 26 abril 1960 |
A posse de Ramayana de Chevalier na Academia Amazonense de
Letras, que tem a presidi-la esse admirável Salignac Souza, é, a qualquer
exame, motivo de contagiante alegria e justificado orgulho, para todos nós.
Vimo-lo, sobranceiro, assomar à tribuna do Silogeu, sentimo-lo, na intensidade
emocional com que ele, a princípio, se dirigiu aos presentes, destacadamente ao
nosso eminente governador Gilberto Mestrinho a quem "devia a graça"
de estar ali, tomando assento na Cadeira outrora 5 ocupada pelo grande Adriano
Jorge e que tem como patrono a figura ímpar das letras nacionais, que é
Euclides da Cunha.
Era Ramayana que iria com as suas excepcionais qualidades de tribuno, escritor, poeta e pensador, encher de claridades aquele ambiente austero; era o homem de ciência, "possuidor de uma cultura humanística realmente invejável", conforme se expressou a seu respeito o saudoso mestre Péricles Moraes, em página lapidar, constante de um dos seus livros, que iríamos ouvir, naquela grande noite fulgurante.
E assim foi. Assim aconteceu. De Adriano Jorge e Euclides da
Cunha, em sínteses prodigiosas e arrebatadoras, ocupou-se Ramayana de maneira exata
e profunda, salientando-lhes o papel preponderante que representaram no cenário
altíssimo das letras, demarcando épocas, na perpetuação do pensamento, e dentro
das fronteiras próprias, que lhes destinaram as vocações. Euclides da Cunha
exsurgindo, por inteiro, no estudo e na análise produzidos pelo novo imortal,
que lhe apreciou as insuperáveis qualidades de sociólogo, escritor,
antropologista, pioneiro de uma era nova, vexilário das angústias que sacudiam
e ainda sacodem o nosso bravo habitante interiorano.
Com efeito, deram-nos "Os Sertões" a imagem dolorosa
e injustiçada do homem das estepes nordestinas, dando-nos, por igual, a imagem
do "martírio secular da terra". Para Euclides “o sertanejo é, antes
de tudo um forte". Mas Ramayana assentou, qual um imenso foco de luz, -- e
como se houve admiravelmente bem no apreciar esse aspecto do homem que
"escrevia com cipó", -- a figura do autor glorioso de À Margem da
História, vendo-o como o grande repórter, como aquele que, sob essa moldura
luminosa e heroica nos transmitiu todas as mensagens da alma, do sofrimento e
das esperanças coletivas. Sim, Euclides foi o imenso repórter, que daria ao seu
século a obra que faria a glória de toda uma Pátria e de toda uma raça.
Quanto a Adriano Jorge, vimo-lo
apreciado, a traços seguros, como o médico sábio, o homem de letras, o tribuno,
o esteta, enfim; mas também como se aquele que, a um tempo, conseguiu ser
grande e ser bom. A simples evocação da figura legendária do autor de Oração
à luz fez-nos como que sentir a sua presença miraculosa, ali no templo das
letras, arrebatando-nos com sua palavra escachoante, misto de luz e de prece;
sol que doirava esta terra, e que possuía por igual a força dominadora de um
evangelho.
Consolou-nos, portanto, vê-lo substituído
por outro extraordinário talento, o qual, por certo, continuará a espargir as
belezas e as cintilações, que constituíram dotes excelsos de seu antecessor. Está,
portanto, de parabéns a Casa de Péricles Moraes, onde fulgem tantas
inteligências e tantas cerebrações. Mas, não posso ao menos nesta oportunidade,
de ensartar a estas despretensiosas linhas, as minhas sinceras congratulações a
Gilberto Mestrinho, culto e dinâmico Governador, pois foi ele quem proporcionou
a volta de Ramayana à nossa terra, numa a atitude reivindicatória, ao escritor,
que durante tantos anos esteve à margem de cargos de relevo em nosso Estado.
E Ramayana ocupa, hoje, um dos setores
de destaque na pública administração trabalhista. Diríamos, então, nesta hora,
parodiando o grande e saudoso Leopoldo Peres, em se referindo a um pensador e
polígrafo paulista, face ao poder de catalização de um estadista brasileiro,
que não conseguiu o festejado autor de No Circo Sem Teto da Amazônia, esquivar-se
ao faro psicológico, à imantação desse garimpeiro audaz, que é o senhor Gilberto
Mestrinho, hábil no batear as gemas auríferas do talento, no joeirar o valor e captá-lo, onde quer que se ele encontre para obra coletiva do
Amazonas.
Concluindo, presto igualmente a minha
homenagem a Djalma Batista, à
sua cultura poliédrica,
ao seu espírito solar, sem esquecer a primorosa e invejável formação moral, que
lhe serve de escudo. O seu discurso de recepção a Ramayana foi uma peça
profunda, séria, estruturada naquela linguagem castiça, peculiar ao autor de Letras
da Amazônia. Parabéns, Academia!
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