Estive pela manhã rememorando os atos religiosos da Semana Santa ao tempo em que frequentei o Seminário São José, na década de 1960.
Na Quinta-feira acontecia a benção dos Santos Óleos, material que escoltava o católico do batismo à sepultura. Na Sexta-feira ocorria a Procissão do Senhor Morto, encerrada na Matriz da cidade, e seguida do velório. A cerimônia da Ressurreição acontecia no Sábado, no final da noite. Isso mesmo, pouco antes da meia-noite os oficiantes e os acólitos circundavam a igreja, que tinha as luzes apagadas para representar as trevas, o sepultamento do Senhor. Diante da porta principal, o bispo, tomando o báculo, batia três vezes na porta. Aberta esta, as luzes eram acesas e a solenidade prosseguia. Aleluia!
O texto reflexionável pertence ao Renato Mendonça, o irmão que comigo frequentou o Seminário. E o quadro da Santa Ceia é obra do artista Jurandir Macedo, oficial reformado do Exército, que fez doação ao quartel do 1º BIS(Amv).
Antes
da sua derradeira Festa da Páscoa, Jesus reuniu seus discípulos para uma
confraternização. Apesar de toda a dificuldade de logística, arranjaram-lhe um
lugar onde pudesse reunir a todos e encaminhar seus extremos ensinamentos neste
dia característico; e foram, talvez, os mais emblemáticos para o futuro de seus
discípulos, transformando-se num paradigma para suas pregações.
A
Santa Ceia e o tríduo pascal nos remetem a profundas meditações e nos convida a
uma autópsia espiritual de nós mesmos, para avaliarmos se todos os símbolos
gerados nestes dias estão arraigados em nossos corações; se suas lições foram
assimiladas.
Jesus
usou coisas básicas da alimentação, o histórico pão que nutre o corpo desde os
primórdios, desde o Antigo Testamento, quando serviu de maná no deserto
e salvou o povo hebreu enquanto se conduzia para a Terra Prometida. Abstraímos
também dessa passagem antiga, a mensagem a um povo que busca salvação. — Isto
é o meu corpo, que será dado em favor de vós; façam isso para celebrar a minha
memória. (Lucas 22:19-20).
O
vinho representa o sangue, e serve para saciar a sede; a sede de justiça, e o
resultado da luta em favor dos mais fracos e oprimidos. Tem sua relação também
com o sacrifício, como era o dos animais citados na Bíblia. Agora, o sacrificado
é o Cordeiro de Deus, o símbolo máximo da resignação — Pai, afasta de mim
esse cálice, mas não seja feita a minha vontade, senão a Vossa. (Mateus
26:39) —, mas também, fé e esperança. — Eu sou o Pão vivo que desceu dos
céus, quem come da minha carne e bebe do meu sangue terá vida eterna. (João
6:51).
Além
desses emblemas latentes, há os gestos divinos de Jesus carregados de amor e
doação total. O Mestre tirou o manto, derramou água numa bacia e cingiu-se com
uma toalha; agacha-se e se curva para lavar os pés dos seus discípulos. Um
gesto que denota ao mesmo tempo nobreza e humildade, aquilo que devemos praticar
no nosso relacionamento humano. Ele quer nos ensinar que, quando for oportuno, precisamos
servir ao próximo, um amor incondicional, independente de reconhecimento ou de
recompensa. — Também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o
exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós”. (João 13: 12-14). É
curioso observamos que Pedro estranhou esse gesto de Jesus: “Senhor, tu vais lavar-me
os pés?” E Cristo, com toda sobriedade e sabedoria, contestou: “Agora não
entendes o que estou fazendo; mais tarde compreenderás”.
A
estranheza do apóstolo era porque fugia aos costumes praticados pelos judeus; era
costume oferecer água para lavar o rosto e pedir para um escravo lavar os pés do
hóspede. Pedro apenas pensou na lógica comum: o menor serve o maior; o servo, o
Mestre. Mas, Jesus justifica a atitude: “Se eu não te lavar, não terás parte
comigo”. Com esse rito do “lava-pés” contemplamos o gesto divino e humano de
Jesus, um gesto carregado de amor em que o evangelista João descreve a mais
rica interpretação teológica.
Outro
princípio divino, humano e fraterno que podemos aprender sublimemente desse
encontro de Jesus com os discípulos é o “repartir o pão”. O gesto carrega em
síntese o que já fora praticado tantas vezes na sua vida eucarística. Como por
exemplo, quando distribuiu pães e peixes a uma multidão faminta que ouvia sua
pregação, também num período que antecedia a Pascoa. (João 6: 1-15). A atitude
simboliza o sentimento de solidariedade, de fraternidade e de igualdade. Quer
nos mostrar que somos iguais aos olhos do Senhor, sem discriminação. Observe
que Jesus, mesmo conhecendo a intenção de Judas Iscariotes, de entregá-lo às
autoridades romanas, não o segregou dos seus discípulos. E ainda proferiu a
célebre lição de vida: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”. E como
Jesus amou!
Na
Santa Ceia, nosso grande Mestre sela uma divina e eterna Aliança, sintetizada
naquela singular celebração, para se perpetuar na História.
E
o pão a ser partido é o Pão da Vida!
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