Nesta crônica, Ramayana de Chevalier registra mais um tópico sobre o extinto clube Acapulco, espaço que por décadas iluminou as noites manauaras e foi fartamente desfrutado pelo autor. Publicada no Jornal do Commercio (11 setembro 1958).
Recorte do mencionado jornal |
Manaus é um rasgão teimoso no ventre
da Amazônia. Criamo-nos, assistindo aos mais vibrantes fenômenos sociais do
Brasil. Crescemos, e, aos nossos ouvidos, crepitavam as rolhas da viúva
bendita, a Clicquot autêntica, numa saraivada europeia. Disse-me um dia o meu
compadre P. T. Barba [dentista peruano radicado em Manaus], que como os
bons parelheiros morrerá na pista, que, da esquina do atual Bar Americano, até
a outra, onde borborinhava o Leão de Ouro, todas as noites havia um tiroteio de
rolhas espoucadas, com o derrame desse leite do Olimpo, cujos efeitos levam o homem
ao convívio dos anjos ou da polícia.
Manaus era coração elástico da
selva. Crescemos ouvindo Lulu d'Alexandrowka (sic),
o maestro Franco, escutando histórias de Sarah Bernhardt e Eurico Caruso, no
Teatro Amazonas. O Lanfranc, o Ambrose, o Hilary [navios
da Boothe Line] nos traziam a melhor refrigeração de Londres, e levavam de volta,
aquela loirinha que era considerada por eles a melhor cerveja d0 mundo, a XPTO
do tempo do Antonino Miranda Corrêa, cevada e lúpulo da Eslováquia tranquila.
Mulheres? Oh! que mulheres!
Vinhos? Reno, falai, Itália, murmurai de amor! Música? Que professores! Que artistas!
Depois, a pobreza nos constrangeu. Não vivemos
de saudades. Mas não temos nada que aprender com ninguém. Basta lembrar-nos. Hoje, nossas mulheres
são elegantes de nascença, sabem pisar, sabem falar, sabem amar. Nossos rapazes
joviais e corretos, leais e amigos. Basta lembrar. Essa a grande fortuna do Amazonas.
Infeliz daquele que veio da sombra do vazio.
Mas, o motivo especial desta crônica
é abraçar ao Mário de Oliveira. O Acapulco é uma bênção na delícia
úmida da noite baré. Elegantíssimo, suave, seleto. Corre ao lado das grandes boates
do país. Mário de Oliveira forma ombro a ombro com Carlos Machado e Zilco Ribeiro.
É um dueño de la noche. A noite de Dalvinha de Oliveira foi excelente. Passou
a tempestade que impuseram a ela, nas intrigas cariocas. Inveja. De sua voz, de
sua bondade, do que ela já viu pelo mundo. Dalva é um padrão de glória da
música popular. Ela e a Sapoti, hoje madame. Linda noite.
Mas as anedotas do Abelardinho
Matos estiveram em sessão espírita. Incorporaram no homem, depois de um século n0 astral. Já caducou no Lidador, na velha Bhrama,
que hoje espera o seu arranha-céu. E sujas. Convenhamos, não é para uma boate exclusivamente
familiar, onde se reúne a fina flor da nossa gente. Não há preconceitos em
Manaus. Nós tesouramos uns aos
outros com rara habilidade e constantemente. Dá uma bruta saudade quando estamos fora, não sentir
as formigas nos tosando a pele. É gostoso... Até envaidece!
Mas, daí a ouvir anedotas velhas,
arcaicas, reumáticas, e, além disso, indelicadamente obscenas, vai uma enorme
diferença. Essas anedotas são ótimas numa noite no Teatro República, em terça-feira
de carnaval, ou no bar do Belmiro, ali na República
Livre do Posto 6, pertinho da TV Rio. Só dá malandro,
resto de gente, a safra das profundas noites cariocas. Para o Acapulco, é pago,
a coisa é diversa. Quem não tem nada o que fazer em Manaus, toma um avião direto para o Rio. Antigamente, ia-se a Paris
e a Londres, para desfastio. Hoje, vive-se na Atlântica, como se fosse ali, na
BR17...
(*) Informando que o texto original sofreu a necessária correção ortográfica.
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