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sábado, agosto 28, 2021

PEDRO FAVELLA NO RIO URUBU

 A chacina cometida por Pedro Favella no rio Urubu, que dizimou tribos e tribos indígenas, é bastante analisada. Em 1932, o proprietário da revista VICTORIA–REGIA escreveu o artigo que vai compartilhado. Francisco Bemfica (com “eme”), como fez questão de relacionar, apreciou farta bibliografia, incluída a História do Amazonas, de Arthur Reis, editada no ano anterior.

O artigo circulou na Edição Especial nº 4, de março de 1932, cuja capa, desenhada pelo saudoso historiador Mário Ypiranga, trazia a figura de um indígena vitorioso, quebrando as correntes da opressão.

 

Recorte da página elaborada por Bemfica

AS origens do execrável ato de Pedro da Costa Favella nas margens do rio Burururú (este nome foi mudado para o de Urubu pelos portugueses, para melhor acomodá-lo à sua língua; porém Berredo [Bernardo Pereira de Berredo e Castro, ?-1748], em seus “Annaes”, diz que ele originou-se da grande quantidade de urubus existentes nas regiões banhadas por este rio) estão no fracasso das tropas comandadas pelo sargento-mor Antonio Arnau Vilella, após sua chegada a uma das Missões, dirigida por frei Raymundo, religioso mercedário, e o encontro com alguns chefes dos caboquenas.

O encargo de Arnau, como o de outras tropas que então percorriam as regiões amazônicas, era de arranjar escravos para Vaz de Siqueira, governador do Maranhão, que tencionava desse modo poder preencher as faltas produzidas pela epidemia da varíola, nos escravos de seus dirigidos.

A gana de conseguir maior número de cativos ocasionou a confiança de Vilella em mandar “dez soldados, com maior número de índios, dos de melhor nome”, para trazerem com estes alguns de seus escravos, que lhe queriam oferecer para assim demonstrar a sua amizade nascente.

E à noite, distante do resto das forças, numa emboscada quatro soldados foram mortos, e os seis restantes levados para uma das malocas, não se sabendo mais notícias de seus paradeiros.

Detalhe da capa da edição especial

Antonio Arnau, ébrio de futuras glórias, não desconfiou de cousa alguma: “sem mais exame, nem cautela militar’, mostrou-lhes a cerca (caiçara) por detrás da qual havia escondido suas embarcações.

Foi logo cercado, e, em meio aos gritos de guerra dos selvagens, com “repetidos golpes na costa e na cabeça”, trucidado mais o alferes Francisco de Miranda, soldados e alguns índios amigos.

Desta tragédia só escapou frei Raymundo e um soldado, os quais embora feridos foram ter à aldeia de Saracá [atual Silves], onde se achava o alferes João Rodrigues Palheta, nova vítima procurada, e que, graças ao aviso dos dois fugitivos, conseguiu degolar em combate a maioria dos tripulantes das quarenta e cinco canoas inimigas, que lhe viam atacar, lutando bravamente com as quinze embarcações de que dispunha no momento.

* * *

Vaz de Siqueira não se contentou com a desforra de João Rodrigues Palheta. E para tomar uma vingança que lhe satisfizesse os instintos sanguinários, embarcou para Belém do Pará, onde chegou a 7 de setembro de 1663.

Encontrando algumas dificuldades para imediata realização de sua vindita, resolveu regressar a sua residência no Maranhão, em janeiro de 1664, chegando a S. Luiz a 10 do mês seguinte. Em Belém deixara, porém, instruções para uma futura expedição.

E quando lá voltou, no mesmo ano, encontrou-as prontas, como desejava. Organizada a expedição, resolveu tomar a frente dela. Mas alguns embaraços fizeram-no renunciar o comando na pessoa de Pedro da Costa Favella. Este deixou Belém a 6 de setembro do mesmo ano, com uma expedição composta de trinta e quatro canoas conduzindo quatro companhias de Infantaria, comandadas pelos capitães Francisco Paes, João Duarte Franco, Francisco da Fonseca e Gouvêa e Francisco de Valladares Souto Mayor. Desempenhava este último também o encargo de ajudante de tenente-general. Serviam ainda como ajudantes de sargento mor, Manuel Coelho, Antônio Corrêa Lobo, Manuel Coutinho e Antônio Manso. Completava ainda a expedição quinhentos negros. Era este o pessoal que tamanha carnificina iria praticar no rio Urubu.

A 24 de outubro do mesmo ano, acampou na aldeia dos Tapajós, no rio do mesmo nome. Ameaçados por Favella, os indígenas dessa região refugiaram-se para o centro, onde a fúria dos aventureiros não os poderia alcançar.

No dia seguinte, desembarcou Favella no primeiro porto inimigo, que estava abandonado. Cavou trincheiras, deixou alguns soldados na defesa das embarcações, e seguiu com o restante para as aldeias indígenas, onde consumou sua vindita de sangue, que tantas vidas custou as tribos dos caboquenos e burururús.

Quando o reforço mandado por Vaz de Siqueira (que em princípios de novembro embarcara do Pará, chegando até o Xingú, passando pela fortaleza de Gurupá, de onde regressou ao Maranhão, por motivos políticos) chegou, comandado pelo sargento-mor Antonio da Costa, o sanguinário Pedro Favella já alcançava o apogeu de sua vingança e, como bem descreve Berredo, referindo-se ao triunfo da expedição, “reforçado por mais esse socorro, multiplicou tanto os seus estragos, que chorou o último a aleivosia daqueles tapuias no fatal incêndio de 300 aldeias, depois da mortandade de 700 homens dos mais valorosos das suas nações, e o cativeiro de 400, que arrastando cadeias na cidade de Belém do Pará, com aparatos de vitória, fizeram maior celebridade nos interesse dela”.

Impossível maior barbaridade! Estava, portanto, satisfeita a ferocidade de Vaz de Siqueira, que tantos esforços desprendera para a realização de tão grande chacina.

Mas essa carnificina serviu para testificar que, após “as tribos tupinambazes e dos tupinambás, corridos de Pernambuco, e a tribo dos igamanas, que todos habitavam a margem do Amazonas, baterem-se contra as tropas de Bento Maciel, em 1621; e, em 1639, os uraruecocas do Japurá, que se defenderam contra as tropas de Hilário de Souza; e, em 1654, os aruaquises, habitantes dos rios Aneune e Jauaperi, enfrentarem as tropas sob o comando de João Bettencourt Muniz; — em 1664 são os burururús e caboquenas, do rio Urubu, que respondem aos ataques de Pedro Favella”, contribuindo assim, nos encontros que se seguiram até 1789, para a maior gloria das “memoráveis lutas em que se envolveram os nossos maiores, em tempos coloniais, na defesa da integral independência da raça, da ampla liberdade dos homens e da autonomia do Amazonas”.

BIBLIOGRAFIA:

Cidade de Manáos, Bertinho de Miranda; História do Amazonas, Arthur Cesar Ferreira Reis; Annaes Históricos, Bernardo Berredo. Cruz Indígena, Alípio Bandeira; Dicionário topográfico, histórico, descritivo da Comarca do Alto Amazonas, Lourenço da Silva Araújo e Amazonas; Nove de Novembro, Manoel de Miranda Leão, artigo publicado na Revista Amazonense, nº 1, de 09/11/1923.

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