CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

domingo, março 02, 2025

POESIA NO DOMINGO

 O poema de hoje pertence ao paraense de Abaetetuba, João de Jesus Paes Loureiro (1939-), que o publicou em Epístolas e Baladas (Belém: Grafisa, 1968).
João J. Paes Loureiro

 


 

CHICO,

escrevo esta carta,

neste Natal,

depois que a Banda passou.

Depois que a Banda passou

e com o ela passar,

passou tudo o que em mim,

é desejo de fuga,

acalanto de sono,

tentativa de adeus.

Escrevo

depois que a Banda passou

e, assim, com ela,

passou tudo o que em mim

é cidade interior

em cuja praça

– onde a infância ainda é uma verdade –

passa a banda atual de nosso outrora.

Chico,

todas as coisas passam

como a Banda

e como a Banda,

todas as coisas ficam.

Passam e ficam as coisas

de amor e desamor,

de dar e receber,

de ódio e medo,

que a vida é alguma coisa

que gasta e se acumula,

nos espinhos do onde,

na esquina dos porquês...

Mas há coisas que devem só passar:

o amor que oprime e não liberta

– embora com o oprimir

ainda seja amor –

o pandulho do orgulho,

o chaveiro do cárcere,

as glórias inglórias,

a bota na garganta,

o imposto silêncio ao justo

– o qual se silencia, não é justo –

o que é fome na infância.

(E há especialmente uma,

Chico,

uma infância com fome,

a que não viu a Banda e o Natal passarem...

E, no entanto, a Banda passou

como há de o Natal passar.

O homem sério que contava dinheiro,

voltou a contar juros e alugueis.

A namorada, que contava as estrelas,

voltou a contar o salário do mês.

A nossa gente sofrida

reencontrou-se com a dor.

A rosa triste que abriu,

despetalou.

E a grande angustia ordenou sua batuta

e a Banda foi baixando, baixando de som...

 

Há de haver um Natal

e a Banda passará

puxando nossa alegria.

 

Há de haver um Natal

e a Banda passará

deixando o que em nós sorria.

 

Há de haver um Natal

e a Banda passará

levando nossa agonia.

 

Há de haver um Natal

E a Banda passará

trazendo amor cada dia.

 

Há de haver um Natal

e a Banda passará

cantando de amor, tão bela,

que a moça triste

que é a nossa esperança hoje,

há de sorrir em todas as janelas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário