O poema
de hoje pertence ao paraense de Abaetetuba, João de Jesus Paes Loureiro (1939-),
que o publicou em Epístolas e Baladas (Belém: Grafisa, 1968).
João J. Paes Loureiro

CHICO,
escrevo
esta carta,
neste
Natal,
depois
que a Banda passou.
Depois que
a Banda passou
e com o
ela passar,
passou
tudo o que em mim,
é desejo
de fuga,
acalanto
de sono,
tentativa
de adeus.
Escrevo
depois
que a Banda passou
e,
assim, com ela,
passou
tudo o que em mim
é cidade
interior
em cuja
praça
– onde a
infância ainda é uma verdade –
passa a
banda atual de nosso outrora.
Chico,
todas
as coisas passam
como a
Banda
e como
a Banda,
todas
as coisas ficam.
Passam e
ficam as coisas
de amor
e desamor,
de dar
e receber,
de ódio
e medo,
que a
vida é alguma coisa
que
gasta e se acumula,
nos
espinhos do onde,
na
esquina dos porquês...
Mas há coisas
que devem só passar:
o amor
que oprime e não liberta
–
embora com o oprimir
ainda
seja amor –
o pandulho
do orgulho,
o chaveiro
do cárcere,
as glórias
inglórias,
a bota
na garganta,
o imposto
silêncio ao justo
– o qual
se silencia, não é justo –
o que é
fome na infância.
(E há especialmente
uma,
Chico,
uma infância
com fome,
a que
não viu a Banda e o Natal passarem...
E, no
entanto, a Banda passou
como há
de o Natal passar.
O homem
sério que contava dinheiro,
voltou a
contar juros e alugueis.
A namorada,
que contava as estrelas,
voltou
a contar o salário do mês.
A nossa
gente sofrida
reencontrou-se
com a dor.
A rosa triste
que abriu,
despetalou.
E a
grande angustia ordenou sua batuta
e a
Banda foi baixando, baixando de som...
Há de
haver um Natal
e a
Banda passará
puxando
nossa alegria.
Há de
haver um Natal
e a
Banda passará
deixando
o que em nós sorria.
Há de
haver um Natal
e a
Banda passará
levando
nossa agonia.
Há de
haver um Natal
E a Banda
passará
trazendo
amor cada dia.
Há de
haver um Natal
e a
Banda passará
cantando
de amor, tão bela,
que a moça
triste
que é a
nossa esperança hoje,
há de
sorrir em todas as janelas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário