A crônica abaixo pertence ao Renato (meu irmão), que me enviou antes de minha viagem, viagem que saiu de controle devido a Covid-19. Agora, de regresso, tentando retomar as postagens deste Blog, vou reproduzir o trabalho dele, que nos remete (a mim e ele) ao bairro de Educandos, ao cine Vitória, ao beco São José e ao assovio do seu Manuel (pai da dupla), com o qual nos lembrava o retorno à casa. E aí de quem não atendesse ao “convite” do velho...
As fotos mostram a situação atual do beco, com
asfalto sobre o chão de terra que conhecemos, propiciava o jogo de bola, de
pião e de bolinha etc.
Este prédio encontra-se no cruzamento do beco São José com a rua Inacio Guimarães |
Cine Vitória, após encerramento de sua atibidades |
INFÂNCIA COLORIDA
Renato Mendonça
Sou do tempo dos filmes em preto e branco. Os coloridos
apareceram depois, na década de 1960. Se bem que, hoje em dia, por opção da
indústria cinematográfica, ou particularmente do diretor, ainda se vê filme
contemporâneo preto e branco. Porém, minha infância foi pintada em cores. Cores
vivas. Fortes, resistentes, como aquelas que não descolorem nem sofrem com a
ação da intempérie. Não desbotam.
Resgato com saudades, lembranças do Cine Vitória e do
beco São José. As brincadeiras de criança influenciadas pelos filmes de bangue-bangue.
Os heróis hollywoodianos inspiravam nosso comportamento, apesar dos poucos que
podíamos vê-los em cena, cerceados pela censura etária ou pela falta de grana
mesmo. No entanto, eles estavam nos pôsteres à porta do cinema. Pomposos, com
roupa estilosa, bem ajustada ao corpo, lenço no pescoço e chapéu, empunhando o
revólver, montado em um cavalo branco ou
num alazão reluzente, compondo um figurino exuberante. O cavalo era como uma extensão
do herói, e nos causava também admiração e apreço.
Inspirado nessas lendas vivas, fabricávamos nossos revólveres
de brinquedo, toscos, para brincar de “camone”. E qual a razão da origem desse
nome? Era o resultado do que entendíamos do áudio dos filmes americanos, ouvido
do lado de fora do muro, quando o mocinho interpelava o vilão: “come on, boy”.
Para simular um cavalo, qualquer cabo de vassoura ou uma vara lisa e reta
servia. Não haviam regras definidas para jogar esse jogo lúdico. Cada um se
escondia, e o primeiro que avistasse o outro, anunciava: camone! Quanta
inocência nas nossas brincadeiras!
Hoje, os tempos são outros, as crianças não mais se
interessaram para brincar assim. Os brinquedos eletrônicos, os vídeos games, os
entretenimentos preguiçosos, trouxeram as crianças para dentro de casa,
aprisionando-as em quartos cada vez mais apertados. As crianças, muito
precocemente, deixam de ser crianças. Encolheram em suas criatividades, e as deixaram
sem histórias para contar.
Nas grandes cidades, não há mais espaço para quintais. Terrenos
baldios, que serviam como cenário, estão de desaparecendo para atender a
demanda demográfica. A população dispõe de cada vez menos espaço físico. Hoje
essas cenas ficam apenas na memória dos antigos, dos antigos sem Alzheimer, e
talvez nunca se repitam mais.
Fecho os olhos e volto a ver: Camone! Camone aí!
Eu vi primeiro! Mãos ao alto!
Naquele tempo, os meninos daquele pedaço de chão tentaram inventar um neologismo, mas não
vingou. Mas, ficou caubói, uma forma aportuguesada de “cowboy" (vaqueiro,
em inglês).
Os heróis modernos são super-humanos, robotizados, não
passam sufoco iguais aos mocinho de antigamente, não correm perigo, e a vida
deles nunca fica por um fio; tem superpoderes, não habilidades. São cada vez
menos humanos e longe de serem imitados.
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