CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sexta-feira, fevereiro 19, 2021

RELEMBRANDO A INFÂNCIA

 A crônica abaixo pertence ao Renato (meu irmão), que me enviou antes de minha viagem, viagem que saiu de controle devido a Covid-19. Agora, de regresso, tentando retomar as postagens deste Blog, vou reproduzir o trabalho dele, que nos remete (a mim e ele) ao bairro de Educandos, ao cine Vitória, ao beco São José e ao assovio do seu Manuel (pai da dupla), com o qual nos lembrava o retorno à casa. E aí de quem não atendesse ao “convite” do velho...

As fotos mostram a situação atual do beco, com asfalto sobre o chão de terra que conhecemos, propiciava o jogo de bola, de pião e de bolinha etc.

Este prédio encontra-se no cruzamento do
beco São José com a rua Inacio Guimarães


Cine Vitória, após encerramento de sua atibidades
 

INFÂNCIA COLORIDA

Renato Mendonça

Sou do tempo dos filmes em preto e branco. Os coloridos apareceram depois, na década de 1960. Se bem que, hoje em dia, por opção da indústria cinematográfica, ou particularmente do diretor, ainda se vê filme contemporâneo preto e branco. Porém, minha infância foi pintada em cores. Cores vivas. Fortes, resistentes, como aquelas que não descolorem nem sofrem com a ação da intempérie. Não desbotam.

Resgato com saudades, lembranças do Cine Vitória e do beco São José. As brincadeiras de criança influenciadas pelos filmes de bangue-bangue. Os heróis hollywoodianos inspiravam nosso comportamento, apesar dos poucos que podíamos vê-los em cena, cerceados pela censura etária ou pela falta de grana mesmo. No entanto, eles estavam nos pôsteres à porta do cinema. Pomposos, com roupa estilosa, bem ajustada ao corpo, lenço no pescoço e chapéu, empunhando o revólver, montado  em um cavalo branco ou num alazão reluzente, compondo um figurino exuberante. O cavalo era como uma extensão do herói, e nos causava também admiração e apreço.

Inspirado nessas lendas vivas, fabricávamos nossos revólveres de brinquedo, toscos, para brincar de “camone”. E qual a razão da origem desse nome? Era o resultado do que entendíamos do áudio dos filmes americanos, ouvido do lado de fora do muro, quando o mocinho interpelava o vilão: “come on, boy”. Para simular um cavalo, qualquer cabo de vassoura ou uma vara lisa e reta servia. Não haviam regras definidas para jogar esse jogo lúdico. Cada um se escondia, e o primeiro que avistasse o outro, anunciava: camone! Quanta inocência nas nossas brincadeiras!

Hoje, os tempos são outros, as crianças não mais se interessaram para brincar assim. Os brinquedos eletrônicos, os vídeos games, os entretenimentos preguiçosos, trouxeram as crianças para dentro de casa, aprisionando-as em quartos cada vez mais apertados. As crianças, muito precocemente, deixam de ser crianças. Encolheram em suas criatividades, e as deixaram sem histórias para contar.

Nas grandes cidades, não há mais espaço para quintais. Terrenos baldios, que serviam como cenário, estão de desaparecendo para atender a demanda demográfica. A população dispõe de cada vez menos espaço físico. Hoje essas cenas ficam apenas na memória dos antigos, dos antigos sem Alzheimer, e talvez nunca se repitam mais.

Fecho os olhos e volto a ver: Camone! Camone aí! Eu vi primeiro! Mãos ao alto!

Naquele tempo, os meninos daquele pedaço de chão  tentaram inventar um neologismo, mas não vingou. Mas, ficou caubói, uma forma aportuguesada de “cowboy" (vaqueiro, em inglês).  

Os heróis modernos são super-humanos, robotizados, não passam sufoco iguais aos mocinho de antigamente, não correm perigo, e a vida deles nunca fica por um fio; tem superpoderes, não habilidades. São cada vez menos humanos e longe de serem imitados.

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