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domingo, fevereiro 21, 2021

FORTE DE SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA

O Forte de São Gabriel da Cachoeira foi construído em 1763, e sua descrição na obra inédita Os Fortes da Amazônia, do falecido coronel EB Lauro Pastor, “permite uma orientação histórica de como se desenvolveu o processo de ocupação portuguesa na região.”

Neste trabalho, Pastor relacionou 11 fortificações construídas no Amazonas, e com mais este compartilhamento prossegue minha homenagem ao saudoso pesquisador. 

Planta original do Forte, certamente pertecente ao acervo
do Arquivo Central do Exército

Forte de São Gabriel da Cachoeira - 1763 

Construção: D. José I de Portugal (1763)

Este Forte localizava-se no morro da Fortaleza, à margem esquerda do alto rio Negro, afluente da margem esquerda do rio Amazonas, na então capitania de São José do Rio Negro, província do Grão-Pará; atual município de São Gabriel da Cachoeira.

Antecedentes

As primeiras descrições da região do Alto Rio Negro e seus recursos remontam à passagem da expedição de Pedro Teixeira em 1639, elaboradas pelo seu cronista, padre jesuíta espanhol Cristóbal de Acuña. Ao final desse século, em 1695, missionários carmelitas venciam as corredeiras para catequizar os indígenas do rio Uaupés, do rio Tiquié e do rio Içana, alargando os domínios da Coroa Portuguesa até às fronteiras com as atuais repúblicas da Colômbia e Venezuela.

Em consequência do Tratado de Madrid (1750), e do estabelecimento da Capitania de São José do Rio Negro (1755), com a finalidade de controlar os descimentos indígenas e de delimitar os domínios de Portugal na região, foram organizadas diversas expedições para patrulhar e fortificar o Alto Rio Negro. O governador da capitania, tenente-coronel Gabriel de Souza Filgueiras (1760-61), conforme deliberação de 23 de maio de 1761, enviou para a área o capitão José da Silva Delgado à frente de um pequeno destacamento, com a missão de fortificá-la.

Ao final desse mesmo ano, o destacamento instalou-se na aldeia de Curucui, erguendo (ou reerguendo) um fortim em uma das ilhas existentes (ilha Adana?), a partir do qual prosseguiu subindo o curso do rio e tomando posse das aldeias de São José, São Pedro, Santa Maria e Santa Bárbara, e fundando outras, como as de São José Batista, na foz do rio Xié, Santa Isabel, na foz do rio Uaupés (Cuiarí), Senhor da Pedra, na cachoeira Caioba, Nossa Senhora de Nazaré, na ilha de São Gabriel, São Sebastião e São Francisco, na cachoeira do Vento e Santo Antônio, no rio Mariuá. A povoação, que remontava a 1759, viria a ser elevada a vila em 1833 com o nome de São Gabriel, em homenagem aquele governador.

Há referência que Delgado construiu uma casa-forte na ilha de São Gabriel, e fundou em terra firme a povoação de Nossa Senhora de Nazaré da Curiana. Filipe Sturm chamou a essa casa-forte "Presídio da ilha de S. Gabriel". Terá sido transformado mais tarde em uma vigia (ou "guarita"), com dois pavimentos, pelo capitão Simão Coelho Peixoto. Esta, por sua vez, foi destruída por um incêndio (26|09|1762), deixando a guarnição desabrigada.

O Forte

Com o falecimento do governador Souza Filgueiras (07|09|1761), assumiu interinamente o governo da capitania o coronel Nuno da Cunha Ataíde Varona, que transmitiu o poder ao coronel Valério Correia Botelho de Andrade (24|12|1761). Este oficial compreendeu que o fortim erguido pelo capitão José da Silva Delgado não atendia às necessidades de defesa e, expondo a situação ao governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Manuel Bernardo de Melo e Castro (1759-1763), solicitou a construção de um reduto mais sólido, capaz de impor a soberania Portuguesa face às investidas espanholas na região.

Desse modo, em 1762 partiu de Belém do Pará o capitão Phillip Sturm, engenheiro militar alemão a serviço de Portugal, com instruções para atender às solicitações de Botelho de Andrade. No local, Sturm recomendou a mudança do local do forte para posição dominante em terra firme, salientando as melhores condições para a construção e a maior facilidade para a sua defesa, tanto a montante quanto a jusante do rio. A construção iniciou-se em janeiro de 1763.

Devido ao material empregado, o forte encontrava-se deteriorado já em 1770, ano em que o governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Fernão da Costa de Ataíde Teive Sousa Coutinho (1763-72), determinou reconstruí-lo em pedra, abundante na região, atendendo aos relatórios do capitão Sturm sobre o estado da fortificação. Os trabalhos de reconstrução iniciaram-se em 1775, sendo a nova estrutura posteriormente ilustrada e descrita por Alexandre Rodrigues Ferreira: "O que é ela verdadeiramente é um reduto, construído de pedra e barro, com dois meio baluartes na frente, e nas cortinas que o fecham pelos lados e pela retaguarda, guarnece-o exteriormente um tal ou qual fosso que o não circunvala, mas cinge o lado da frente para o rio, e o da povoação. A parede da porta é a cortina da frente. Contei 10 peças de ferro montadas nas suas carretas, a saber: 6 de calibre 4 e 4 de calibre de meio. Há dentro dele um quartel para a guarnição, um parque d'armas e mais apetrechos de guerra. Uma pequena casa de pólvora, um calabouço etc. E todas estas casas, excetuando-se a da pólvora, são cobertas de palha."

No mesmo período, o governador da Capitania do Rio Negro, coronel Manuel da Gama Lobo de Almada, criticou a guarnição dos dois fortes do rio Negro: "As suas guarnições [são] fracas em dois sentidos, porque são diminutas e compostas pela maior parte de muito maus soldados do país, uns que são puramente índios, outros extração ou mistura deles, gente naturalmente fugitiva e indolente, [com] falta de honra, de experiência, de capacidade necessária para uma defesa gloriosa." (Observação própria: Escrita em nossos dias, produziria um ruido de enorme tamanho, acusada de discriminação contra os indígenas) 

A informação mais completa sobre a estrutura, no segundo quartel do século XIX, é de Antonio Baena (1839): "É de figura pentagonal irregular, cujo maior lado, que defronta com o rio, é uma cortina, que prende dois meio-baluartes; no meio está a porta, que simultaneamente serve ao forte e ao quartel, o qual com o calabouço, corpo da guarda e armaria abraça toda a cortina. Os lados menores não têm flanqueamento, e são uma singela parede de pedra e argila, que é o material de toda a fortificação. Falta-lhe o fosso, esplanada e obras exteriores; tem 16 canhoneiras para calibre inferior ao mediano e, portanto, incapazes de contrabater. O estado das peças, das carretas e de tudo que são anexas ao forte, como o quartel, armazéns e ribeira, é lastimoso. (...)."

Posteriormente, em 1854, o major Hilário Maximiano Antunes Gurjão voltou a criticar a escolha do local do forte, dominado pela colina pelo lado de terra, relatando que ele se encontrava artilhado com cinco peças de 6 e três de calibre 4, em bom estado. O Relatório do Presidente da Província, de 1877, acusa-lhe o abandono e o desarmamento.

À época (1958), a localidade se denominava Uaupés. Na realidade designou-se dessa forma entre 1943 e 1952. Arthur Reis informa que as pedras remanescentes das muralhas foram reaproveitadas para a construção da igreja, do hospital e da escola da Missão dos Salesianos, em São Gabriel, na década de 1930.

Atualmente o forte encontra-se desaparecido, tendo subsistido vestígios de seus alicerces em forma de ferradura. O local encontra-se ocupado pela Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama). Da primitiva artilharia do forte, restam quatro peças em frente ao edifício do Fórum do município e uma quinta ornamenta a entrada do Comando de Fronteira do Rio Negro/5º Batalhão de Infantaria de Selva (CFRN/5º BIS), que ostenta a denominação histórica de "Batalhão Forte São Gabriel".


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