O Forte de São Gabriel da Cachoeira foi construído em 1763, e sua descrição na obra inédita Os Fortes da Amazônia, do falecido coronel EB Lauro Pastor, “permite uma orientação histórica de como se desenvolveu o processo de ocupação portuguesa na região.”
Neste trabalho, Pastor relacionou 11 fortificações construídas no Amazonas, e com mais este compartilhamento prossegue minha homenagem ao saudoso pesquisador.
Planta original do Forte, certamente pertecente ao acervo
do Arquivo Central do Exército
Forte de São Gabriel da Cachoeira - 1763
Construção: D. José I de Portugal (1763)
Este
Forte localizava-se
no morro da Fortaleza, à margem esquerda do alto rio Negro, afluente da margem
esquerda do rio Amazonas, na então capitania de São José do Rio Negro, província
do Grão-Pará; atual município de São Gabriel da Cachoeira.
Antecedentes
As primeiras descrições da região do Alto Rio Negro e seus recursos remontam à passagem da expedição de Pedro Teixeira em 1639, elaboradas pelo seu cronista, padre jesuíta espanhol Cristóbal de Acuña. Ao final desse século, em 1695, missionários carmelitas venciam as corredeiras para catequizar os indígenas do rio Uaupés, do rio Tiquié e do rio Içana, alargando os domínios da Coroa Portuguesa até às fronteiras com as atuais repúblicas da Colômbia e Venezuela.
Em
consequência do Tratado de Madrid (1750), e do estabelecimento da Capitania de
São José do Rio Negro (1755), com a finalidade de controlar os descimentos
indígenas e de delimitar os domínios de Portugal na região, foram organizadas
diversas expedições para patrulhar e fortificar o Alto Rio Negro. O governador da
capitania, tenente-coronel Gabriel de Souza Filgueiras (1760-61), conforme
deliberação de 23 de maio de 1761, enviou para a área o capitão José da Silva
Delgado à frente de um pequeno destacamento, com a missão de fortificá-la.
Ao
final desse mesmo ano, o destacamento instalou-se na aldeia de Curucui,
erguendo (ou reerguendo) um fortim em uma das ilhas existentes (ilha Adana?), a
partir do qual prosseguiu subindo o curso do rio e tomando posse das aldeias de
São José, São Pedro, Santa Maria e Santa Bárbara, e fundando outras, como as de
São José Batista, na foz do rio Xié, Santa Isabel, na foz do rio Uaupés
(Cuiarí), Senhor da Pedra, na cachoeira Caioba, Nossa Senhora de Nazaré, na
ilha de São Gabriel, São Sebastião e São Francisco, na cachoeira do Vento e
Santo Antônio, no rio Mariuá. A povoação, que remontava a 1759, viria a ser
elevada a vila em 1833 com o nome de São Gabriel, em homenagem aquele
governador.
Há
referência que Delgado construiu uma casa-forte na ilha de São Gabriel, e
fundou em terra firme a povoação de Nossa Senhora de Nazaré da Curiana. Filipe
Sturm chamou a essa casa-forte "Presídio da ilha de S. Gabriel". Terá
sido transformado mais tarde em uma vigia (ou "guarita"), com dois
pavimentos, pelo capitão Simão Coelho Peixoto. Esta, por sua vez, foi destruída
por um incêndio (26|09|1762), deixando a guarnição desabrigada.
O Forte
Com
o falecimento do governador Souza Filgueiras (07|09|1761), assumiu
interinamente o governo da capitania o coronel Nuno da Cunha Ataíde Varona, que
transmitiu o poder ao coronel Valério Correia Botelho de Andrade (24|12|1761).
Este oficial compreendeu que o fortim erguido pelo capitão José da Silva
Delgado não atendia às necessidades de defesa e, expondo a situação ao
governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Manuel Bernardo
de Melo e Castro (1759-1763), solicitou a construção de um reduto mais sólido,
capaz de impor a soberania Portuguesa face às investidas espanholas na região.
Desse
modo, em 1762 partiu de Belém do Pará o capitão Phillip Sturm, engenheiro
militar alemão a serviço de Portugal, com instruções para atender às
solicitações de Botelho de Andrade. No local, Sturm recomendou a mudança do
local do forte para posição dominante em terra firme, salientando as melhores
condições para a construção e a maior facilidade para a sua defesa, tanto a
montante quanto a jusante do rio. A construção iniciou-se em janeiro de 1763.
Devido
ao material empregado, o forte encontrava-se deteriorado já em 1770, ano em que
o governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Fernão da
Costa de Ataíde Teive Sousa Coutinho (1763-72), determinou reconstruí-lo em
pedra, abundante na região, atendendo aos relatórios do capitão Sturm sobre o
estado da fortificação. Os trabalhos de reconstrução iniciaram-se em 1775,
sendo a nova estrutura posteriormente ilustrada e descrita por Alexandre
Rodrigues Ferreira: "O que é ela
verdadeiramente é um reduto, construído de pedra e barro, com dois meio
baluartes na frente, e nas cortinas que o fecham pelos lados e pela retaguarda,
guarnece-o exteriormente um tal ou qual fosso que o não circunvala, mas cinge o
lado da frente para o rio, e o da povoação. A parede da porta é a cortina da
frente. Contei 10 peças de ferro montadas nas suas carretas, a saber: 6 de
calibre 4 e 4 de calibre de meio. Há dentro dele um quartel para a guarnição,
um parque d'armas e mais apetrechos de guerra. Uma pequena casa de pólvora, um calabouço
etc. E todas estas casas, excetuando-se a da pólvora, são cobertas de
palha."
No
mesmo período, o governador da Capitania do Rio Negro, coronel Manuel da Gama
Lobo de Almada, criticou a guarnição dos dois fortes do rio Negro: "As suas guarnições [são] fracas em dois sentidos,
porque são diminutas e compostas pela maior parte de muito maus soldados do
país, uns que são puramente índios, outros extração ou mistura deles, gente
naturalmente fugitiva e indolente, [com] falta de honra, de experiência, de
capacidade necessária para uma defesa gloriosa." (Observação própria: Escrita
em nossos dias, produziria um ruido de enorme tamanho, acusada de discriminação
contra os indígenas)
A
informação mais completa sobre a estrutura, no segundo quartel do século XIX, é
de Antonio Baena (1839): "É de figura
pentagonal irregular, cujo maior lado, que defronta com o rio, é uma cortina,
que prende dois meio-baluartes; no meio está a porta, que simultaneamente serve
ao forte e ao quartel, o qual com o calabouço, corpo da guarda e armaria abraça
toda a cortina. Os lados menores não têm flanqueamento, e são uma singela
parede de pedra e argila, que é o material de toda a fortificação. Falta-lhe o
fosso, esplanada e obras exteriores; tem 16 canhoneiras para calibre inferior
ao mediano e, portanto, incapazes de contrabater. O estado das peças, das
carretas e de tudo que são anexas ao forte, como o quartel, armazéns e ribeira,
é lastimoso. (...)."
Posteriormente,
em 1854, o major Hilário Maximiano Antunes Gurjão voltou a criticar a escolha
do local do forte, dominado pela colina pelo lado de terra, relatando que ele
se encontrava artilhado com cinco peças de 6 e três de calibre 4, em bom
estado. O Relatório do Presidente da Província, de 1877, acusa-lhe o abandono e
o desarmamento.
À
época (1958), a localidade se denominava Uaupés. Na realidade designou-se dessa
forma entre 1943 e 1952. Arthur Reis informa que as pedras remanescentes das muralhas
foram reaproveitadas para a construção da igreja, do hospital e da escola da
Missão dos Salesianos, em São Gabriel, na década de 1930.
Atualmente
o forte encontra-se desaparecido, tendo subsistido vestígios de seus alicerces
em forma de ferradura. O local encontra-se ocupado pela Companhia de Saneamento
do Amazonas (Cosama). Da primitiva artilharia do forte, restam quatro peças em frente
ao edifício do Fórum do município e uma quinta ornamenta a entrada do Comando
de Fronteira do Rio Negro/5º Batalhão de Infantaria de Selva (CFRN/5º BIS), que
ostenta a denominação histórica de "Batalhão Forte São Gabriel".
Parabéns pelo artigo!
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