CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, outubro 18, 2017

CHÁ DO ARMANDO


Chá na sede do Sebão: Sérgio, Almir, Armando e Zemaria, a
partir da esquerda
Na sexta-feira passada 13, a Academia Amazonense de Letras promoveu um Sarau para recordar o acadêmico Armando Andrade de Menezes, falecido em junho passado.



João Pinto, um assíduo frequentador do Chá do Armando, quase sempre conduzindo sua garrafa de polifenol, com razão estranhou o ritual acadêmico. Com esse espírito, produziu a crônica que segue.

UMA CRÔNICA DO CHÁ DO ARMANDO


João Pinto e o caderno de poemas
Não sei nem por onde começar esta crônica sobre o Chá. Mas como sempre, com uma mochila surrada, e meu livro encadernado de poemas com o qual sempre lia lá no Ideal, desci do ônibus e chego à Academia Amazonense de Letras.

Subi as escadas e sentei ao lado de alguns confrades do Chá. Era um Sarau da casa em um salão vasto, com um mobiliário antigo e aquelas portas imensas, talvez pescadas de troncos de árvores centenárias da Amazônia.

Mas havia certas formalidades que não contava à minha índole de andarilho. O salão não estava tomado completamente. E esperei o Zé[maria] abrir o último encontro do Chá. Mas quem deveria presidir com uma campa era o historiador para pedir silêncio.

E eu falei último encontro? Sim, escrevi, seu tonto. Dei uma escapadinha do salão. Entrei em outra ala da casa onde havia um coquetel, chique e com iguaria da região. Oh, tomara que ninguém me expulse daqui, pensei. Eu preciso ver essa riqueza entre pessoas finórias...

Que diferença do outro Chá, onde uma mesa composta de tira-gosto, cerveja e uísque e tira-gosto. Mas tudo simples. Tão legal que eu jogava meu vinho seco e um copinho de pinga sobre ela. E puxava uma cadeira e ali à mesa já encontrava alguns confrades. E já começava a degustar da mesa.

O coquetel nesta casa, mais rico que o nosso fraco manjar. Ah, como tive vontade de tocar e roubar um docinho. Tomar um suco de goiaba arrumados numa mesa. Espiei, espiei, cortei o desejo, depois voltei ao salão para assistir às apresentações.

Alguém passou a declamar ou cantar. Era um ritual tudo programado. Eu gostaria de coisa mais aberta ou de improviso. Havia aplausos sim. Havia muita sentimentalidade ao seu Armando Meneses, sim. Mas queria o outro Chá, com o meu polifenol.

E por que eu estava tão inquieto, jururu mesmo, dentro de uma Academia onde o riso ninguém se atrevia e os gestos profanos uma indecência? Ali o meu cavalo não tinha capim para comer. Égua, eu sofro dessas disenterias em ambientes com selos já marcados.

Ah, eu já te forneci a resposta, meu mano. O Chá sobreviveu mais de uma década porque seu espírito era de anarquista. Não tinha o corante de seres tidos como imortais. Eu sempre desconfiei dessa presunção de vestir um roupão até o gogó e fazer manchete desse lado que deixou a novidade para trás.

Aquilo na Academia não era nosso reunião às sextas. Podia ser uma homenagem justa ao morto. E sua família ali reunida.
Seu Armando certamente criou o Chá para não ter peias na língua e viver dentro de uma seara lírica. E assim nos legou essa conduta, livre e sem frescura.
Oh, eu não estava bem ali, confesso. Queria declamar algum poema meu e sacolejar meus braços finos no ar. Queria ver o Aguinaldo mais anarquista e centralizador. Queria o nosso garçom do Ideal abrir a tampa do meu vinho. Queria ver o Zé[maria] falar alto cheio de polifenol. Queria todos reunidos. Só não queria o decreto do enterro do Chá.

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