Outra
aventura sobre-humana no Amazonas: construir uma rodovia entre Lábrea e
Humaitá. Ou seja, ligar os rios Purus e Madeira, ligação que segue desafiando.
Tentativas encetadas vão aqui contadas pelo geógrafo Agnello Bittencourt, que as escreveu para o Boletim da Associação
Comercial do Amazonas, edição de fevereiro de 1953.
Devido
ao longo texto, reparti-o para melhor apreciação.
RODOVIA PURUS-MADEIRA
"Manaus, 11. O Governador Álvaro Maia presidiu, na cidade de Humaitá,
o início das obras da estrada que ligará aquela cidade à Lábrea, visando
aproveitamento dos grandes campos existentes entre os dois municípios. As obras
estão a cargo do Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas". (Extraído
do Diário de Notícias, do Rio, de
12.6.52).
VELHAS TENTATIVAS
Vamos tornar realidade um sonho já secular: a
ligação da bacia do alto Madeira à do baixo Purus, para, sobretudo, facilitar o
trânsito comercial, ou seja, o escoamento das riquezas de parte de Mato Grosso,
Guaporé e Bolívia pelo último daqueles rios. Os grandes desníveis do leito do
Madeira, à montante do Santo Antônio, formando alterosas cachoeiras até
Guajará-Mirim, marcam um desafio às penetrações por via fluvial, conquanto para
os verdadeiros bandeirantes não existam empecilhos nem distâncias, quando sabem
que, no seio da muralha verde, se escondem tesouros.
A inteligência e a audácia armaram o brasileiro
para os grandes empreendimentos. Assim, não hesitam enfrentar a natureza
hostil. Que o digam os nordestinos que desbravaram o Acre e outras zonas da
Planície, apenas animados do estoicismo, enfrentando o desconhecido. E varar as
terras, de um rio a outro, para encurtar caminhos, é uma ideia antiga na
Amazônia.
Ao tempo da instalação da Província (1852),
acreditava-se na existência de paranás ou furos entre as águas do Purus e
Madeira. O Madeira era, sem dúvida, depois do Rio Negro, o caudal mais
importante, sob o ponto de vista econômico e financeiro, para a novel Unidade
do Império. Canalizar com facilidade, para Manaus os produtos de toda a bacia
madeirense, equivalia a dar um impulso à prosperidade do Amazonas.
O presidente Tenreiro Aranha (foto), instalando e
assumindo o governo em janeiro daquele ano, logo em maio, designou o
pernambucano Serafim da Silva Salgado para explorar o Purus e verificar o que
havia de verdade na versão propalada de existir uma comunicação natural com o
Rio Madeira, acima de Santo Antônio e, portanto, com ingresso direto à Bolívia
e Mato Grosso.
Salgado partiu a 10 do referido mês, em duas
igarités guarnecidas por doze índios e doze praças armadas, sob a chefia de um
cabo. Penetra o Purus, sobe-lhe as águas até onde pode navegar, regressando a
10 de outubro, tendo chegado a Manaus a 30 de novembro do mesmo ano, sem
encontrar ou ter notícia da suposta comunicação.
O Relatório de Serafim Salgado é uma peça histórica
de grande valor na descrição de um rio que, pela primeira vez, foi sulcado por
um civilizado. Outra expedição exploradora foi enviada em 1861: dela se
incumbiu o prático amazonense Manoel Urbano da Encarnação, que, da foz do Purus
até seu afluente Ituxi, gastou, viajando em duas canoas, 55 dias e mais 100 daí
até próximo a Sarayaco (Bolívia). Haviam-lhe dito que uma corrente d’água
desembocava no [rio] Ituxi, possivelmente uma comunicação vinda do Abunã.
Eis que Manoel Urbano sobe aquele rio, penetra a
suposta comunicação durante alguns dias e vê que se tratava apenas de um
tributário do Ituxi. O expedicionário após nove meses de viagem redonda,
declarou não ter encontrado a propalada comunicação, objeto dessa viagem.
Seu Relatório, não menos interessante que o de Serafim
Salgado, foi redigido, em Manaus, pela engenheiro João Martins da Silva
Coutinho e se acha inserto no livro sobre o município de Lábrea, do coronel Antônio
C. R. Bittencourt (O Município de Lábrea,
1918, p.20).
Ainda uma outra tentativa se realizou a mando do governo
provincial, desta vez pelo Ituxi. Mas, o seu encarregado Manoel Urbano resolveu
penetrar o rio Mucuim, no hoje município de Canutama, subindo por ele durante
11 dias em igarité e mais 3 por terra, chegando à cachoeira Salto Teotônio.
Estava, assim, em parte, descoberta a tão ansiada comunicação Purus-Madeira.
Foi ainda o Dr. Coutinho quem reduziu a termos
escritos os relatos do expedicionário, que era um homem semianalfabeto, mas
resoluto e leal. A passagem entre os dois rios constituiu uma espécie de
obsessão da época. O coronel Antônio Rodrigues Pereira Labre, maranhense culto
e de influência social, no comércio e nas rodas governamentais de Manaus,
estudou o Purus, que perlustrou em navio a vapor, publicando um trabalho a
respeito.
Fundou a povoação que se tornou mais tarde a cidade
de Lábrea, em 1° de fevereiro de 1871. O seu empenho foi grande para o
conseguimento de uma rodovia entre Lábrea e o Madeira, estendendo-se até o
Abunã. Em sucessivas penetrações e estudos gastou mais de nove anos, desde 1872
a 1881, tudo à sua custa, como ele próprio o declara. Incentivou o governo amazonense
a proceder desse modo, conseguindo a promulgação da lei nº 208, de 27 de abril
de 1871, autorizando o presidente da Província a mandar explorar os rios Mari e
Ituxi, "tendo exploração com o fim de reconhecer o ponto mais vantajoso
para abrir-se comunicação com os rios Abunã e Beni, da Bolívia". "Se
a comunicação pode ser feita por canal que se deve abrir, ou estrada de
rodagem. Se existem campos próprios para a fundação de fazendas de gado,
atravessados por aqueles rios".
Esta lei não passou de mais uma tentativa na
inicial visão de Tenreiro Aranha. O coronel Labre tomou a si o empreendimento.
Não olhou dificuldades, nem despesas. Em maio de 1886, à frente de civilizados
e índios, partindo de Lábrea, fura a floresta, rumo a Santo Antônio, no
Madeira. Atravessou chapadas de pouca elevação, sendo que três quartas partes
do itinerário era de campinas úteis à criação de gado. (...)
(A sequência desta
postagem, veja nos dias 10 e 11 adiante)
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