CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, outubro 04, 2017

MAESTRO NIVALDO SANTIAGO (II)

A extinta REVISTA DE EDUCAÇÃO, elaborada pelos professores, surgiu no início de 1930. E com intervalos, como soe acontecer com tais publicações, prosperou ao menos até o final dos 1960.

Tanto que catei da revista nº 46 (Ano XIV), festejando o Natal de 1958, a crônica seguinte, escrita pelo maestro Nivaldo Santiago (1929-) que, pela “terceiridade” que usufrui, segue apenas ouvindo música no interior de Minas Gerais.

Este amazonense passou em Manaus algum tempo, o bastante para implantar algumas marcas, uma das quais ainda perdura. Trata-se do Coral João Gomes Júnior, que já ultrapassou seis décadas de atividades.

Sobre este regente postei, em 18.outubro.2010, Maestro Nivaldo Santiago

  

Necessidade de uma educação musical

“Creio na redenção do mal pela eterna beleza, e creio também na missão da arte”. 
G.B. Shaw, in
O dilema do médico.

Prof. N. Santiago


Pregar no deserto, é o que se poderia dizer a isto que venho jogando aos quatro ventos de nossa cidade há trinta e quatro meses: precisamos criar aqui, em Manaus, uma mentalidade artística; precisamos oferecer à nossa gente oportunidade de desenvolver seus pendores musicais; precisamos dar ao nosso povo — durante decênios abandonado — um meio de conhecer, apreciar e sentir as belezas da música; sim: há trinta e quatro meses.

Idealizei a criação de um Conservatório, no que tive preciosa ajuda do Sr. Cônego Walter Nogueira; seria o ponto de partida para uma futura Escola de Artes Cênicas e Musicais destinada a todas as pessoas de talentos e a oferecer espetáculos e audições para o povo e o povo precisa disso; é uma necessidade do espírito.

Mas, creio que nem tudo está perdido; alguma coisa já foi feita; porém, necessário que se leve mais a sério esta realidade que expus na primeira alínea.

Disse que nem tudo está perdido; explico-me: já possuímos algum movimento musical destinado a uma maior penetração das massas; basta citar: sob a direção do autor dessa crônica surgiram três agremiações corais sérias: o Coral "João Gomes Junior” — O Coral “Bialik" e, de recente organização, o “Orfeão do Comerciário” — sob o patrocínio do SESC.

Temos cm organização, a nossa pequena orquestra cujo futuro depende de sério apoio que lhe deem os poderes governamentais e o povo; máxime do primeiro.

Ouvimos em seis de setembro pp. uma concentração orfeônica congregando alunos secundaristas de diversos colégios, num total de mais de seiscentos figurantes tratava-se de uma homenagem à Pátria, comemorando sua Independência, e, ao mesmo tempo, uma experiência orfeônica demostrando a capacidade de nossa juventude — capacidade de realização, apreciação e valorização da música de conjunto como manifestação de um sentimento coletivo; houve sacrifício da parte daqueles alunos —é, evidente; mas quando lhes disse que se tratava de um motivo patriótico, todos se animavam. 

Contudo houve, como sempre e em qualquer lugar um espírito medíocre a menoscabar aquele trabalho; mas é natural; é espirito medíocre incapaz.

A espírito assim, costumo enviar por telegrama esta sentença de um pensador francês: “La critique est aisée, l’art difficile”, esperando que saiba o sentido sem consultar o léxico. Vamos cantar o amor de missa terra.”

Durante a execução vi lágrimas em rostos anciãos, maduros, adolescentes e juvenis; dias após, uma jovem — bem jovem — vinha me falar de olhos úmidos: "Professor, nós cantamos bem? Eu gostei tanto!"

Valeu a concentração orfeônica por uma experiência.

Assim, repito, alguma coisa já se fez; a semente está lançada vamos regar o terreno; preciso que brote, cresça, floresça e frutifique. Não podemos ficar inativos ante a maravilhosa possibilidade de dar às criaturas que nos cercam um pouco de música que lhes suavize as agruras da vida diária; a música tem grande alcance, grande poder: nós o olvidamos.

Apraz-me lembrar aqui o que escreveu o musicólogo Kurt Pahlen em sua História Universal da Música — recente publicação da Cia. Melhoramentos: “Houve na história humana há muito tempo — longas épocas em que a música se achava no centro da vida. E... eram tempos felizes!”


Leitor: esta crônica é um convite ao trabalho pela música em nosso Estado. 

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