CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sexta-feira, novembro 30, 2018

ARQUIVO PÚBLICO DO AMAZONAS



Há décadas, cato papeis para este blog no Arquivo Público do Amazonas, sediado na praça Dom Pedro II, ao lado da 29 CSM (Circunscrição do Serviço Militar) do Exército e, de frente, para o antigo edifício do IAPTEC.
Sob nova direção, depois de restaurado mais uma vez no início deste ano, o Arquivo Público do Estado do Amazonas (APEAM) vem sendo reorganizado, por isso, merecendo uma visita.
A postagem abaixo é a transcrição de um folder simples, que esta instituição entrega àqueles que lá se aventuram nos documentos centenários.

APRESENTAÇÃO

Ao longo desses 121 anos, o Arquivo Público do Estado do Amazonas, mesmo passando por inúmeras dificuldades tem centrado suas metas na utilização de uma linguagem simples, que permite essa coordenadoria atuar como veículo entre o cidadão e a história.
O Arquivo Público do Estado do Amazonas teve sua estrutura atual definida pelo Decreto nº 19670, de 23 de fevereiro de 1999, sendo assim, é uma coordenadoria subordinada à Secretaria de Estado de Administração e Gestão (SEAD), tendo por finalidade dentre outras a de recolher, organizar e divulgar os documentos de valor histórico ou permanente, proveniente dos órgãos integrantes da administração direta e indireta do Estado do Amazonas.

Como nenhum povo pode ser considerado mestre de sua própria história, até que seus arquivos reunidos e tornados acessíveis ao pesquisador, tenham sido sistematicamente estudados e determinada a importância de seu conteúdo, é que o Arquivo Público desabrocha como responsável pela preservação de documentos da esfera estadual, podendo, portanto, substituir pesquisas tanto cientificas como administrativas.
O acervo do Arquivo Público do Estado do Amazonas é composto por obras da história administrativa do Estado do Amazonas, a partir do século XIX, e de coleções de Diários Oficiais do Estado, Anais, Regulamentos, Leis e Decretos, Livros, Periódicos e também documentos da vida funcional e financeira de vários servidores do Estado.

Dentre inúmeros documentos destacam-se pela sua importância os livros das anotações originais das viagens feitas através do Rio Amazonas e Rio Solimões pelos naturalistas HENRY e COUDREAU, datadas de 1897 a 1903 (coleção em francês); Coleção dos relatórios publicados pela Presidência da Antiga Província do Amazonas, desde sua fundação em 1852 até a Proclamação da República, editada em 1905, pelo senhor Antônio Constantino Nery, então Governador do Estado do Amazonas.

SERVIDORES APEAM/SEAD

1.    Adriano dos Santos; 2. Antonio Carlos; 3. Cesarina Medeiros; 4. Maria Valdecira; 5. Maria da Penha; 6. Neuza Nascimento 7. Norma Moura; 8. Raimundo Nonato; 9 Sandra Stone; 10. Thamara Pereira (Diretora)

VOLUNTÁRIOS
1.    Nayara Athayde; 2. Raylin  Beckman; 3. Gabriel Moraes; 4. Izys Rodriues; 5. Maria Paula; 6. Rogerio Stone; e 7. Joanne Felix.

quarta-feira, novembro 28, 2018

LIVRARIA SARAIVA


A propósito da revelação do processo de Recuperação Judicial enfrentada pela Livraria Saraiva que, em Manaus, é bem representada pela Megastore situada no Manauara Shopping, o articulista Osíris Silva tratou do assunto em A Crítica, sob o título O Drama da Saraiva.  

Da leitura desse documento, assim se expressou outro produtor e consumidor de livros, o acadêmico Antônio Loureiro.  A mensagem circula pelo correio eletrônico.
Licença para meu pitaco: como principiante na publicação de livros, já havia enfrentado os embaraços ajustados aqui pelo Loureiro. Todavia, tomei outro direcionamento: as minhas publicações as tenho efetivado em PDF no Blog do coronel Roberto. Pode não ter o charme de um livro editado com todos os requisitos, mas evita múltiplos inconvenientes.

À cerca do artigo do Osíris Silva

Nós, que produzimos livros, sabemos que é um mercado ilusório.
Daí ter resolvido reduzir as minhas tiragens a 200 livros, que distribuo entre os que acho que vão ler.Desisti das livrarias, pois elas se esquecem e não pagam. Livro editado não dá projeção em país ideologicamente dividido e sem nacionalidade, principalmente de História, que além do mais é um nicho de poucos interesses, às vezes apenas críticos. Por isso resolvi seguir a seguinte conduta:  
1. Faço o lançamento a preço do custo; 
2. Distribuo entre os que leem; 
3. Mando para as Bibliotecas; 
4. Guardo alguns para o futuro.  
Edito por minha conta própria 2 ou 3 livros por ano.

Se vier a fechar a Livraria Saraiva de Manaus, vamos perder um de nossos contatos com o Mundo. 
Em Manaus, só se compra livro que tem matéria que cai em prova. Lê-se pouco mais de um livro por ano, salvo algumas exceções em cada 100. 
Antonio Loureiro

terça-feira, novembro 27, 2018

PIRARUCU & BACALHAU



Outra página de Ramayana de Chevalier, sacada da revista Cabocla, edição de novembro de 1936. Chevalier havia retornado de Salvador (BA) onde concluíra o curso de medicina, e fora empregado na Polícia Militar do Estado, como chefe do Serviço de Saúde. Nessa página, ele analisa a rivalidade entre nosso pirarucu e o importado bacalhau, e mostra conhecimento de nossa fauna ictiológica.  
 



Em remanso de lago, em poço de igapó, em água represada de confluente, em qualquer lugar da Planície, boia, satisfeito e feliz, peixe comprido e benéfico: pirarucu.Peixe glebário, sofredor, manso como ninguém, hospitaleiro como poucos, aguentando, sem protestar, esta canícula danada do Amazonas, pelo bem da terra e da gente.
E gostoso. Ninguém é capaz de negar que, na maciez da carne, no sabor dos acepipes, na volúpia brillat-savarineana das longas travessas enfeitadas e espetaculares, não fosse pirarucu, prato digno de uma boa e farta secreção gastrica. Até de palinódias e epicédios, tais as tristuras nascidas da satisfação post-pasto.Belo peixe, grande prato, velho amigo.
Nas horas ondulantes da alegria cabocla, quando os naipes se ensarilham nos saraus para o aconchego das coxas, para cadência dos sambas, fustigados pelo calor dos vatapás e do clima, melhor companheiro não existe que o pirarucu glebário, irmão de sofrimento telúrico, camarada antigo de todas as melancolias, remédio infalível para todas as excitações e carícias...
Não há sardinha elegante, traíra bailadeira, pescada duvidosa, matrinxã sentimental, que não repita e proclame, das excelências do pirarucu, em dias de crise familiar, em momentos de vazante braba e inflexível.
Fazem-lhe festas, afagos, doçuras, mimos, mungangas, rapapés, ternuras, delicias até, quando, sozinho, sem concorrentes, é ele o supremo bem da Planície, o único herói que resiste às crueldades atmosféricas, às selvagerias cosmológicas.
Transfigura-se, mesmo, no tubarão doméstico. Chega a comer das pirapitingas mais suaves, das tucunarés mais cheirosas. Chega, até, à façanha de tolerar as blandícias e os namoros das piranhas mais terríveis. 
Basta encher o rio, melhorarem as coisas, movimentarem-se as ambições alienígenas, e ei-lo perdido.
Pirarucu baixa, baixa, some-se no desconforto de ninguém. Basta chegar bacalhau. Peixe das “oropa”, “de fora” no sentido genérico do termo, novidade, ineditismo, sensação. 
Cadê pirarucu em festa caseira? Cadê pirarucu em agrado doméstico?  Cadê pirarucu em traquinadas de Mindu, de Vila Municipal, de Cachoeirinha, de gleba?
Sumiu-se. Não se enxerga pirarucu nem para os pobres.
As sardinhas, as traíras, as pescadinhas rechonchudas e magníficas, todas as castas ictiológicas, sarabandas, murmuram, reviram os olhos, boiam, rebolam, lânguidas, sedutoras, inoperantes, em torno do bacalhau vitorioso, egresso de qualquer banda desconhecida.
Basta ser bacalhau para ser vencedor. Esquecem-se sofrimentos em comum, tragédias íntimas, companheirismos de infância, amabilidades prodigalizadas no silêncio dos jardins quietos, tudo, em benefício do sorriso efêmero, da carícia transitória, das banalidades passageiras do bacalhau itinerante.
Pirarucu não toma vergonha. Mal bacalhau arriba velas e zarpa lá se volta ele para as sardinhas trêfegas, para as pescadas levianas, para as piramutabas seresteiras, acolhendo-as de novo, no mesmo abraço sincero de portão.
O Toddy é um chocolate metido a besta. O bacalhau é um pirarucu que ninguém provou. Quantas vezes chega podre à porta da venda, enquanto o pirarucu fresquinho, trazido do Amatari ou do Canumã, é desprezado injustamente...
Tudo novidade, a terrível, a cruciante, dominadora novidade, que faz mais gostosos os lábios desconhecidos, mais torturantes os corpos inalcançados. É por isso que a sífilis anda por aí, bonitinha como o quê.
Maior injustiça ao pirarucu é a de desprezá-lo quando ele é o único que se atira, sinceramente, cavaIheirescamente, à minhoca atada ao dorso do anzol. É o único que é pescado, pelas pescadas.Bacalhau chega, fareja, vê muita intimidade, muito amor à primeira vista, muita pirotecnia, muito voo, muita tentativa de aterrisagem, acha tudo muito precipitadosinho, goza, tira a sua casquinha, arranca o seu pedaço, lambe os beiços, arriba, e vai dizer o diabo das pirapitingas em Belém.Enquanto isso o pirarucu ficou aqui, firma, estático, sereno, esperando a hora da “carne virada” para avançar.
Há uma vingança para o pirarucu que comeu a minhoca do anzol. Pirarucu casado não fica de mãos abanando. Solto e manso, bondoso, tolerante, resignado. Amarrado é curioso: vira candiru.
Gravura no rodapé do artigo


domingo, novembro 25, 2018

HOSPITAL DO SERINGUEIRO (1)

Indicativos do sonho de Anísio Mello (1927-2010), a ser realizado no Alto Juruá (AM), sacados de seu jornal Correio do Norte






sábado, novembro 24, 2018

CASAL DE MINISTROS

Jarbas e Margareth, os ministros

Grata surpresa tomei ao consultar a revista Arquidiocese (ref. julho último), nela encontrei uma página sobre o colega da Polícia Militar do Estado, coronel Jarbas da Costa e sua esposa Margareth.

Há algum tempo buscava informação sobre este colega, que sabia ser ele em nossos dias o oficial mais idoso da corporação. Então, encontro o casal em atividade na Igreja católica, oferecendo experiências e largo empenho para o sucesso dos mais jovens católicos.
 
Recorte da revista


Quem conhece Jarbas Rocha da Costa, de 82 anos, e Margareth Conceição da Costa, de 69 anos, como o casal de Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão Eucarística e também Ministros da Palavra e do Culto, responsáveis pela Comunidade São Pedro Apóstolo, da Área Missionária São Paulo Apóstolo (AMSPA) — Setor Pe. Pedro Vignola, nem imagina que esse militar da reserva e a bancária aposentada tem uma linda história de vida e fé, mas que nem sempre foi ligada totalmente à igreja.

Ele é natural de Itacoatiara, e ela é nascida em Manicoré. São casados há 43 anos, têm cinco filhos, sendo quatro adotivos, mas todos criados sem distinção e com muito carinho e amor. Seu Jarbas, que atualmente está no terceiro mandato à frente da coordenação da comunidade, também já coordenou os ministros da área e participou da catequese e pastoral do batismo. Antes do tipo “católico não praticante”, daqueles que vão na Igreja raramente. Mas tudo mudou depois de ficar entre a vida e a morte devido a um problema de saúde, após esse fato, seu Jarbas sentiu a mão de Deus agir na sua vida e   dedicar um pouco mais de tempo as obras do Senhor.

“Eu nasci novamente, graças a Deus e ao profissional que conduziu a operação. Na cirurgia eu coloquei três safenas e uma mamária e uma das ordens médicas era sossego e repouso, por isso em 2003 acabamos nos mudando para cá (Nova Cidade) e aqui começar a minha caminhada na igreja”, disse.

E, o que começou com um simples pedido do padre André Delzelle, pároco na época, para se fazer um leitura durante uma missa, acabou crescendo ao ponto de alguns anos mais tarde, receber o primeiro envio como Ministro Extraordinário da Sagrada Comunhão Eucarística. E, em 2008, assumiu pela primeira vez a coordenação da comunidade por dois anos, voltando novamente em 2015/2016, sendo aclamado para coordenar também durante o biênio 2017/2018.

Ao contrário do marido, dona Margareth sempre esteve envolvida com alguma atividade na igreja e, quando se mudava, uma das primeiras coisas que fazia era procurar uma paróquia para poder ajudar de alguma forma. “Desde a barriga da minha mãe eu caminho na igreja, pois ela estava gestante de mim e dava aula de catequese. Aqui, além de ministra eu faço parte do Apostolado da Oração, onde todas as quintas fazemos visitas na comunidade e também sou tesoureira da AMSPA”, comentou sorridente.
Sob o comando do casal, a comunidade cresceu e se desenvolveu. A vasta experiência de seu Jarbas em seus trabalhos anteriores, atuando no exército, bombeiros e polícia militar, foi posta em prática, agora a serviço da igreja que, aliado ao carisma e dedicação de dona Margareth, fez toda a diferença na coordenação e, hoje em dia, a comunidade São Pedro, possui oito pastorais (catequese, liturgia, dízimo, batismo, coroinhas, juventude, criança e familiar) e dois movimentos (grupo de oração e Apostolado da Oração), e é uma comunidade onde reina a união.

“Nossa comunidade tem muitas pessoas generosas, a maioria delas não tem nem emprego, mas sempre ajudam na hora que precisa”, disse dona Margareth

“Pelo serviço e dedicação, esse casal se tornou uma espécie de patriarcas da comunidade, ele como ministro e coordenador da comunidade, ela como ministra e tesoureira da AMSPA, conseguiram o respeito e carinho de todos e, ao longo dos anos, têm dado um testemunho de fé ligado à vida muito bonito", disse o pároco Pe. Isaías Lima.

sexta-feira, novembro 23, 2018

CURIOSIDADE CARTORÁRIA



Encontrado no Arquivo Público, com data de 1856, nos primórdios da província do Amazonas, nada demais neste documento – Reconhecimento da Firma – que, como se vê dezesseis décadas depois, ainda é utilizado. Chamo atenção, porém, para a marca do tabelião (foto). O sinete era um desenho traçado ao pé da página, correspondendo ao selo aplicado em nossos dias neste tipo de documento.

Digníssimos Senhores 
Joaquim Manoel Ribeiro Palheta, tendo tido a lisura de oferecer à consideração desta Assembleia os seus Diplomas literários, em número de três, como Estudante do Seminário desta Capital, pedindo uma subvenção para poder estudar o curso de matemáticas; vem respeitosamente rogar-vos de mandar que pela respectiva secretaria sejam restituídos os supra ditos Diplomas, pelo que 
E R M (Espero Receber Mercê) 
Barra, 3 de setembro de 1856 
Joaquim Manoel Ribeiro Palheta


Marca do tabelião
Reconheço a letra da assinatura supra ser do próprio Joaquim Manoel Ribeiro Palheta, por dela ter pleno conhecimento, do que dou fé. 
Barra, 3 de setembro de 1856.
Em testemunho da verdade
O Tabelião Manuel Nascimento Figueira

No alto, lê-se o despacho da autoridade requerida:

Como requer; passando os competentes recibos. Paço da Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas, 5 de setembro de 1856. (Assinatura indefinida)

quinta-feira, novembro 22, 2018

ASSINATURAS

Veja fac-símiles de assinaturas de três governantes. Firmam documentos corriqueiros, como, para a época, a nomeação de prefeito de Manaus.  

1. Álvaro Maia (1942), nomeando professora para o município de Itacoatiara.


2. Gilberto Mestrinho (1961) - nomeando o prefeito de Manaus.




3. Plínio Coelho (1964), autorizando a entrega de máquina para a fabricação de farinha.


quarta-feira, novembro 21, 2018

SONIA: NOSSA IRMÃ


Confesso com amargura, porquanto levou-se uma existência ou, quem sabe, duas gerações para o início de um pedido de reconsideração de ato. 

Fato: meu pai, Manuel Mendonça, quando de sua primeira viuvez, enamorou-se de uma jovem, Lindalva Feitosa, e com ela gerou dois filhos. O mais velho, Raimundo, nasceu em 1954 e faleceu em 1989. Depois veio uma mulher, Sonia, nascida em 1956.
Raimundo e Lindalva Feitosa

Ninguém mais sabe o pretexto que levou o casal a não concretizar o enlace matrimonial. As ruas de Educandos sabem que seu Manuel casou-se com Dona Doroteia e Lindalva com seu José Viana. Assim, os filhos que se encontravam com a mãe, foram registrados como Feitosa Viana.

A questão que ora nos impomos (junto com meus irmãos) é sanar o afastamento que seu Manuel infligiu a esses descendentes. Não os registrou, assim como não se preocupou com eles, afinal foram criados em outro lar. No entanto, sou testemunha, estes filhos procuraram vez ou outra o genitor biológico.

Há dias, em conversa com meu irmão Renato, este me informou que havia escrito uma crônica sobre nossa única irmã. Aqui vai a reprodução deste exercício para que surta os efeitos que ansiamos: que a Sonia nos absolva pelo nosso alheamento e desídia. Que perdoe igualmente ao nosso patriarca, o velho Manuel peruano, morto em 2014, aos 98 anos.

UMA IRMÃ & NOVE IRMÃOS
01/11/2017

Talvez porque se aproxima o Dia de Finados — na verdade, estamos na véspera — fico mais reflexivo e procuro botar em ordem os pensamentos mais sublimes. Os diversos compromissos diários, os semanais e as contas para pagar todos os meses, nos deixam em situação pouco favorável para fazer meditações sobre a vida.
E quando acontece um pequeno gap — pode-se classificar como um momento de lucidez — nessa corrida desenfreada em que queremos competir contra o tempo, sentimos que ele transcorreu tão veloz que não nos deixou o acompanhar; tão escassos estão se tornando os nossos momentos de lazer ou de ócio, propícios para essas ocasiões, que endereçamos nossos pensamentos para outros fins, que julgamos importantes, porém, às vezes, são fúteis. E quando nos percebemos já se passou um bocado de tempo, décadas, sem nos propor a oportunidade de nos satisfazer de algum desejo íntimo, adormecido no subconsciente, e este acaba ficando ocluso dentro das obviedades da vida.
Pensei nesses dias passados, recentes, na minha única irmã no meio de nove irmãos. Uma irmã de sangue, com sangue latino, peruano e amazonense. Na única oportunidade em que me propus a conhecê-la, não lhe pude expressar o meu contentamento. Talvez porque eu, imaturo dentro dos meus trinta e poucos anos, não valorizava essas ocasiões; talvez porque ela, ainda magoada com a situação da mãe, incorrespondida no seu amor primaveril, não nos considerasse como verdadeiros irmãos. É natural, entendi assim. Mas, no raro instante que tive, fiquei olhando o seu semblante, procurando algum traço de aparência com algum dos irmãos, num tempo exíguo, mesmo assim, achei-a parecida conosco. Pode ser apenas o desejo familiar de ter uma afinidade para nos conectar no futuro.

Vale a pena registrar: fui levado pelo meu irmão mais velho, Roberto, até sua casa, próximo à familiar e íntima Rua Inácio Guimarães, no bairro de Educandos, o mesmo bairro em que nasceram os três irmãos da primeira geração. Além dela, conheci seu (e nosso) irmão Raimundo, e sua mãe, Dona Lindalva. Três pessoas honradas, partícipes da segunda geração do peruano Manoel Mendoza. Achei esse irmão muito parecido com nosso pai, posso garantir que era o mais parecido com ele, entre todos os outros nove irmãos, incluindo-me nessa amostragem.

Entre uma conversa e outra, reunidos à mesa e observando todos os movimentos familiares, fiquei a meditar o que aquela zelosa senhora representou pra mim, no auge da sua juventude, enquanto dedicava afeição e consolo ao meu pai. Deve ter me acalentado também, afinal, quando ela frequentou nossa casa, eu ainda não tinha dois aninhos; suspeitei que ela também deve ter pensado nisso, pois ficou me olhando com seu olhar cândido.
Quando voltei daquela visita, continuei a sublimar os doces momentos, buscando encontrar um motivo e oportunidade para conquistar um espaço a fim de interagir com essa segunda geração. A distância era um fardo pesado, os compromissos também, somado à falta de atitude. 

Fiz, mentalmente, a relação de todos os irmãos, colocando-os na ordem cronológica de nascimento, do mais velho ao mais novo: Roberto, Henrique, Renato, Raimundo, Sonia, Manoel, Jorge, Luís, Ricardo e Carlos. Dez pessoas, dez criaturas sob as bênçãos de Deus, uma só mulher!

Hoje, passada essa enormidade de tempo, sonho sempre reencontrar minha irmã Sonia, e poder lhe falar coisas que ficaram no silêncio das palavras e das atitudes não expostas naquele dia do longínquo ano do final da década de oitenta. 

E desejo, com coração e fé, que ela esteja vivendo em paz espiritual, dentro do seu cosmo material.
Renato Mendonça




terça-feira, novembro 20, 2018

CORREIO DO NORTE


Já relatei aqui algumas proezas deste multiartista, o saudoso Anísio Mello, sempre salientando a bravura do amazonense em editar um pequeno jornal em São Paulo. Em derredor desse feito, afirmei ainda duas observações: 1) que possuo uma coleção desse jornal, intitulado Correio do Norte, e 2) que sua impressão no final dos anos 1950 era melhor que, por exemplo, o do jornal A Crítica, há dez anos na imprensa local.

Compartilho aqui, para que se entenda melhor esse exercício jornalístico, o editorial da edição inaugural do Correio. O veículo exposto neste post era comercializado pela empresa Braga & Cia., ainda em exercício.  



Este é o primeiro número do CORREIO DO NORTE. Não poderíamos, assim, fugir às apresentações necessárias e que, constituem, ao final, um roteiro, uma síntese daquilo que nos propomos realizar, dentro do programa-base que nós traçamos ao lançar este jornal.Amazônida de São Paulo, a partir desta data você vai receber, quinzenalmente, este pequeno CORREIO DO NORTE, que lhe levará os notícias que todos muito desejamos saber, já que, não obstante a adoção de uma nova terra, quando emigramos do nosso Norte longínquo, não conseguimos esquecer o berço e todos os dias ao lermos os jornais do cidade, procuramos com avidez encontrar duas ou três linhas que nos digam o que está ocorrendo na plaga distante. 
Dessa busca, nasceu-nos a ideia de obter os jornais de São Luís, Belém, Manaus, Macapá, Boa Vista, Porto Velho e Rio Branco, para oferecer-lhe uma súmula de todos os acontecimentos lá ocorridos, seja no setor político, econômico, cultural, desportivo ou social.
Já contratamos com diversas empresas noticiosas do Norte e pessoas ligados à imprensa os notícias que vamos precisar, de molde a podermos estar sempre bem informados para dar-lhe, dentro do relativo, a notícia viva, sem partidarismo, independente e equidistante das lutos que possam marcar essa notícia. A nós, do CORREIO DO NORTE, interessará apenas transmitir o fato, sem maiores comentários, sem distorcê-lo, perfeitamente imparcial. Somos simplesmente nortistas, que não esqueceram a terra distante e que desejamos fazê-la sempre lembrado aos demais, para que também não a esqueçam.
Assim será esse CORREIO DO NORTE, que começa hoje a viver. Um elo de união entre os nortistas, em São Paulo, e a presença vivo do Norte, na cidade que mais cresce no mundo.
O Redator de Plantão



domingo, novembro 18, 2018

LIVROS

Capa de livros impressos em Manaus
alguns foram reeditados



sábado, novembro 17, 2018

RAMAYANA DE CHEVALIER – CONTO (3)



Este conto foi gerado pelo acadêmico Ramayana de Chevalier (1909-1972), e divulgado no matutino A Gazeta (4 novembro 1961). Na ocasião, Chevalier dirigia a Secretaria de Administração do governador Gilberto Mestrinho.


Recorte do jornal





Seu Naftalino andava macambúzio, jururu, zaranza. Andava vendo tudo esquisito. Isso por causa da Micas, sua esposa. Português de fibra, dando duro no trabalho, de uns tempos para cá andou notando umas diferenças na mulher. Não que ele fosse algum albardão, desses que descem o jacarandá nas caras metades. Até que a tratava com muito carinho. Cinema, uns jantares fora, umas chanfanas no boteco do seu Anibal, arraiais, fandangos no Luso Sporting, uma vidinha. Afinal, seu Naftalino não era rico, não possuía automóvel, mas gastava.

A Micas sempre fora de lei. Companheira para todo serviço, como diziam seus compadres. A tina era o seu espelho e os seus braços e os seios, com o trabalho, enrijaram e ficaram firmes e bem torneados. Tinha umas ancas roliças e duras, acostumadas a debruçar-se sobre a tábua de esfregar, montadas numas pernas grossas e cabeludas, de enroscar.
O casamento do seu Naftalino fora-lhe uma carta d'alforria. Trabalhava numa casa de ferragens, a soldo dobrado, e a trabalho d'escachar. Sol a sol, como se dizia costumeiramente! Entrava com as albas e saía com as estrelas. Almoçava lá mesmo, na mesa dura do armazém, umas linguiças com azeitonas e pão. Depois que viu a Micas, sobrinha do patrão. Alvoroçou-se. Sonhou. Teve delíquios. A mocinha era um pedaço. Sacudia os peitos, como um anúncio da Nestlé. Seu Naftalino, perdido de paixão, casou-se. Seu Naftalino era exagerado. Na primeira noite, deixou a Micas em panos quentes. A pobrezinha não se pode erguer do leito, durante dois dias. Foi um ataque multilateral. Depois, tudo ficou azul. A portuguesinha apaixonou-se pelo esposo e seu Naftalino andou emagrecendo uns quilos. A ginástica sueca era braba. Foi por isso que, depois de uns meses, Micas andou estranhando o marido. Seu Naftalino saía de casa para o trabalho e só voltava depois de nove horas, fatigado como um muar, caindo na cama, de cara virada para a parede, sem mais aquela. Quando muito, uma explicaçãozinha ligeira: “Os rapazes me pegaram de jeito, ó Micas, sinuca, sabes? Andei tendo sorte, mas depois me afundei e eles me prenderam até agora!”. E caía para o lado, roncando.

Um dia, Micas surpreendeu-lhe no ombro, um cheirinho suspeito. Aquilo não era suor dele, nem perfume, nem coisa de rua. Era um odor humano, um cheiro de bodum, firme, obsidente, infiltrador. Micas interrogou-o devagarinho, depois adotou uma tática marota. Disse lhe que até gostava daquele cheiro, profundo, animalesco, excitante.
Seu Naftalino sentiu-lhe brilhar os olhos. Incendiou-se. “Não te desagrada este cheiro? É a promiscuidade do ônibus! Mas não te desagrada, ó Micas?”. E já, perturbado, de olhar vesgo, empurrava a esposa para o leito, como um bode. O cansaço não atrapalhava mais. Micas falava-lhe sempre do tal odor, e aguardava-o serenamente, para o ataque. Com isso, restabelecera-se o clima sexual do início do casamento. Mas a portuguesinha vigiou-o, para averiguações, sem que ele percebesse. Até que o viu entrando no cortiço da Marlucia, mulata quartuda, de corpo rijo e embriagador, capaz de colocar a nocaute todo um regimento. Era ali a perfumaria do seu Naftalino. Micas não estrilou, não se deu por achada. Todas as vezes que o marido chegava fora de horas, ela cheirava, como uma cadela no cio. Já sabia onde localizar o bodum, segui-lo como um perdigueiro, afundar o nariz nele para excitar-se, esperando a posse, tão endiabrada.

Seu Naftalino ficava fora de si, com o hábito da esposa. Atirava-se a ela, ganindo. Já nem cuidava mais de preservar-se do contágio axilar da Marlucia. Vinha como estivesse, tresandando, para a nova experiência conjugal. A Micas remoçara. Não tocava no assunto, para evitar discussões e não perturbar o clima de integração genésica do casal.

Um dia, inteiramente viciada naquele odor, Micas não se conteve mais. O marido estava no trabalho, ela sozinha, aspirando o ar, de ventas abertas, como uma égua sedenta, saiu pela porta, quase correndo, entrou pelo cortiço a dentro, invadiu o quarto da Marlucia e, diante do espanto da outra, abriu-se: “Eu sou a esposa do Naftalino! Mas não vim brigar! Já conheço o seu cheiro há muito tempo, nas roupas, no corpo do meu marido! Não aguento mais! Quero senti-lo ao vivo, como ele o sente, aspirar seu corpo loucamente!”. E, avançando para Marlucia, arrancou-lhe o vestido, rasgou-lhe as roupas íntimas, ergueu-lhe o braço bruscamente e, caindo sobre ela, com o nariz afundado na sua axila sumarenta, ali ficaram as duas, enrolando-se, grunhindo, devorando uma à outra, aos arrancos. Desde esse dia, freguesa habitual das visitas à Marlucia, Micas se tornou serena e simples como dantes. Quem passou a pesquisar-lhe o cheiro dos vestidos, foi o seu Naftalino.