CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, abril 30, 2019

ÁLVARO MAIA – 50 ANOS DE MORTE (2)

Do Jornal do Commercio, edição de 6 de maio de 1969 (foto), recolhi os detalhes da comovente despedida ao ex-governador Álvaro Maia.


O velório de um líder

Na entrada principal do Palácio Rio Negro, próximo à sala onde funcionou o Gabinete do ilustre morto à época em que foi Governador e Interventor, o esquife de Álvaro Maia permaneceu até as 16 horas. Do Governador do Estado ao mais humilde, todos foram levar seu adeus ao estadista amazonense, cujas mãos eram beijadas por mulheres e crianças. Cenas de choro eram frequentes, entrecortadas por soluços.
Perante o esquife, o Sr. Rodolfo Vale, em prantos, falou sobre a personalidade do falecido. Da sede governamental, com grande acompanhamento, assistido por milhares de pessoas ao longo do trajeto, foi levado ao cemitério de São João Batista.  Na 5ª página, o Jornal do Comércio lembra quem foi o velho “Tuchaua”.

Jornal do Commercio, 6 maio 1963 - 5ª página

A CIDADE foi tomada de surpresa e comovida, na manhã de domingo, com a notícia da morte de Álvaro Maia, um nome que, pelo espaço de quarenta anos, serviu de bandeira e inspiração a várias gerações de amazonenses, que encontraram na sua personalidade de elite, na fulgurância da sua inteligência, na rigidez do seu caráter, no seu talento invulgar, a concretização das suas aspirações idealistas, da sua inquietação patriótica.

DESDE o lançamento da sua brilhantíssima Canção de Fé e Esperança, peça antológica da mais requintada beleza, Álvaro Maia foi o estandarte da juventude glebária, como ele mesmo gostaria de dizer, e, de tal forma o seu nome se firmou no conceito dos seus concidadãos, que se consagrou um líder incontestável, um condutor político do seu Estado por dezenas de anos, sempre ocupando os mais destacados cargos públicos.
FIRMOU com raízes profundas o seu conceito de homem excepcionalmente inspirado, de cultura elevada ao mais alto nível, de poeta e sonhador. Ninguém como ele cantou tão bem o nome do Amazonas, tanto em prosa como em verso, como o autor daquela famosa Canção de Fé e Esperança e dos inúmeros trabalhos de divulgação literário, social e antropológica.
Álvaro Maia cantou as belezas dos beiradões do Madeira, das selvas, dos rios, dos lagos e dos paranás. Era o poeta por excelência, cuja musa serena inspirou o seu canto na hinterlândia imensa, nos seus mistérios mais fascinantes. E, ainda, soube mais do que qualquer outro, com o seu lirismo inigualável, semear o bem, irradiando-o de sua própria alma. Jamais utilizou a sua inteligência e o seu talento para favorecer o mal, para ferir alguém, nem mesmo os seus mais aguerridos adversários políticos. Não soube o que foi ofender ou magoar. Semeou flores por toda parte, espargiu virtudes, amou ao próximo.
NÃO FOI por outro motivo que mereceu sempre uma auréola de admiração e respeito dos seus concidadãos, do povo a que serviu com dedicação e com amor, até mesmo na adversidade.
POR TUDO isto, sua morte ecoou como um lúgubre e plangente dobre de sino, cujas ondas sonoras e melancólicas se prolongaram por toda a planície, pelos mesmos beiradões, rios e florestas que ele cantara quando em vida.E foi ainda por tudo isto, pelas suas excelsas virtudes de cidadão e homem de Estado, que o povo sentiu a sua partida definitiva para os mistérios ignotos da morte.
NÃO FOI por outro motivo que a cidade se comoveu, que sentiu e chorou o seu desaparecimento, naquela tristonha madrugada do primeiro domingo de maio, o mês das flores, que, dir-se-ia, ele mesmo escolheu para partir.
E FOI ainda por tudo isto que todos nós, neste jornal, que teve em Álvaro Maia um dos seus mais brilhantes redatores e colaboradores, sentimos profundamente a sua morte. Foi também mais um companheiro que morreu.

segunda-feira, abril 29, 2019

ADRIANO QUEIROZ - 50 ANOS DE MORTE

Adriano Queiroz

A morte aconteceu em 23 de abril de 1969, quando o reconhecido professor possuía somente 56 anos de idade. A primeira nota compartilhei do Jornal do Commercio, 24 de abril de 1969. E o apontamento seguinte, do livro do Dr. Antonio Carlos Marinho Bezerra,desembargador aposentado.




Vítima de um colapso cardíaco faleceu às 20h40 de ontem, em sua residência, à avenida 7 de Setembro, o dr. Adriano Queiroz, professor aposentado de Direito Civil da Faculdade de Direto da Universidade do Amazonas, advogado militante no Fórum, e pessoa do mais alto conceito na vida social e nos meios jurídicos do Estado.
Nascido na região do Cambixe, município do Careiro, o dr. Adriano Queiroz ainda menino veio para Manaus onde cursou o primário e parte do secundário no colégio do professor Vicente Teles, concluindo o curso ginasial no Ginásio Amazonense Pedro II.
Fez seu curso de Direito na Faculdade de Manaus, e após formado exerceu por algum tempo a magistratura servindo em Parintins e Itacoatiara. Logo em seguida, por concurso, fez-se professor catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito, onde despontou como um dos maiores conhecedores da matéria. Seu nome é um patrimônio da escola e todas as gerações que se seguiram devotam respeito ao grande mestre do Direito Civil.
No fórum, suas lutas em favor da justiça foram desenvolvidas com o maior ardor. Homem culto, apaixonado pelo Direito, o mestre sofria interiormente com as distorções da justiça, nem sempre coerentes com os princípios de Direito.


Foi Procurador Geral do Estado, cargo que desempenhou com o mais alto senso de responsabilidade. Vivia, cercado pelo seu mundo, que eram os livros, e foi lá que a morte o encontrou exatamente quando orientava um de seus constituintes.
Era irmão do deputado estadual Francisco Queiroz.
Seu corpo será velado no Tribunal de Justiça e seu sepultamento será realizado às 16 horas de hoje no cemitério de São João Batista.

***
Reportando-se ao seu conterrâneo, o autor de Careiro da Várzea: história, memorias e atualidades (Valer, 2016) escreveu:

Adriano Queiroz, nascido em 1/3/1913, foi o primeiro a se formar "doutor” em 1937, conquistou seu lugar na história em dois ramos de atuação jurídica em nossa capital. Professor catedrático de Direito Civil, da Faculdade de Direito. De memória prodigiosa, sabia de cor os 1.807 artigos do Código Civil Brasileiro de 1916, afora as centenas de parágrafos, alíneas ou incisos dele constantes. (...)Possuía alentada biblioteca jurídica, notadamente de direito privado, uma das mais completas de que se tem notícia na capital do Estado. Ao assumir o governo do Estado, em 31/01/1963, Plínio Ramos Coelho o nomeou Procurador Geral do Estado. Da sua declaração de bens, publicada no Diário Oficial do Estado, de 8 de fevereiro de 1963, consta o seguinte:
I - Um terreno situado na rua Belém, no bairro de Adrianópolis, nesta capital, adquirido por compra ao doutor Pietro Antônio Celani, pela quantia de quarenta mil cruzeiros; II - Um automóvel de chapa n° 133, "Ford-Prefect", adquirido ao doutor José Bernardo Cabral, pelo preço de cem mil cruzeiros;
III - Uma biblioteca jurídica no valor de um milhão e quinhentos mil cruzeiros.
Note-se o elevado valor financeiro atribuído à sua biblioteca, mas sabe-se que o valor intelectual desse acervo bibliográfico é absolutamente inestimável.

domingo, abril 28, 2019

MORTE DE ÁLVARO MAIA: 50 ANOS


 No próximo sábado, 4 de maio, completa-se o cinquentenário da morte de – Álvaro Botelho Maia, o Tuxaua, que foi interventor federal, governador do Amazonas e senador da República. 
Quiçá estes títulos não lhe caíam muito bem, pois não conseguiu efetivar uma compatível administração do Estado. Bem verdade que a decadência do comércio da borracha inviabilizou seu empenho. Ademais, o Amazonas “morava e mora” muito longe do poder, no dizer do caboclo.

No entanto, a elegância do bacharel humaitaense se refletia na prosa e no verso, que lhe eram parceria trivial, não obstante ter publicado seus livros tardiamente. E, por lembrar suas publicações, a Editora Valer vai lançar nova edição de Beiradão.

Todavia, lembro-me dele caminhando em direção à sua residência, na então praça de São Sebastião, saindo da Caixa Econômica Federal, onde era superintendente. Depois, o encontrei nos alfarrábios do arquivo da Polícia Militar do Estado. Nesta, Álvaro recém graduado em Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro, em 1917, fora nomeado Auditor de Guerra, comissionado no posto de capitão, onde permaneceu por dois anos.
O antigo capitão, contudo, não perdoou a envelhecida corporação, quando, em novembro de 1930, decretou extinguindo a Força Policial do Estado. 

Na revista mensal Redempção, edição de julho de 1926, recolhi a página que ilustra a postagem, com o poema inédito de Álvaro Maia, intitulado “A Buzina”. 

A BUZINA

Clarim das selvas, em teu canto
rola o rumor das outras eras,
— anseios mortos num quebranto,
clamores de índios e de feras...

Quantos idílios não despertas
no lago escuro das lembranças,
 — rudes paixões das Descobertas,
revoos de frechas contra lanças...

Com essas canções de citaredo,
cobres a tarde de perfumes:
as folhas bolem no arvoredo
e ardem no bosque os vagalumes...

Falas... e trazes nos zunidos
as redolências das florestas,
e enches os olhos e os ouvidos
de trechos verdes e de festas...

Rias ao vento... Mas, um dia,
caíste n’água e, agreste avena,
vinhas sem luz, vinhas tão fria,
vinhas tão só de causar pena...

O seringueiro, que remava,
semeando espumas pelo rio,
o seringueiro, que passava,
erguendo os remos, te acudiu...

Hoje, em seu lábio, agradecida,
agitas no ar sonoras asas,
e, pela voz, levas a vida
aos entes bons, que estão nas casas...

Levas o som de cornamusa,
quando o luar jorra e o rio é branco,
à que o namora, alva e confusa,
das ingazeiras do barranco...

A noiva ideal quase desmaia,
quando percebe as tuas notas,
lembrando beijos sobre a praia
e gritos longos de gaivotas...

Bambu perdido nos relentos,
Narciso imoto à beira d'água,
bebeste a rir todos os ventos,
toda a verdura estuando em mágoa...

Agora tens, nesses descantes,
em que a saudade vive acesa,
a dor das matas soluçantes,
as grandes forças da tristeza...

Clarim das selvas, em teu canto
rola o rumor das outras eras,
— anseios mortos num quebranto,
clamores de índios e de feras... 

Nota: Efetuei uma reedição da postagem, no dia imediato, reparando o título do livro a ser lançado e acrescendo a cópia do poema em ortografia atualizada.




sábado, abril 27, 2019

EFEMÉRIDES DOMÉSTICAS (2)

Amanhã (28), a saudosa dona Francisca Pereira Lima Mendonça faria 102 anos de idade. Contudo, minha genitora faleceu aos 35 anos, vítima de tuberculose. No registro desta efeméride, transcrevo o texto preparado para uma Revista Especial que produzo sobre os Lima do Anveres.
Francisca nasceu em 28 de abril de 1917, como todos os irmãos, à margem do lago do Anveres. É a quarta no grupo de nove filhos de Vicente e Adelaide, a filha mais nova. Nesta condição, foi a “cuidadora” da mãe viúva, de maneira mais proeminente quando a genitora se transferiu para Manaus em busca da saúde. A despeito dos cuidados médicos e familiares, dona Adelaide faleceu em 1941. Francisca, conhecida no âmbito familiar por Chicuta, possuía 24 anos, e ainda estava solteira.
Francisca Lima, aos 27 anos, em Iquitos
 Havia escapado dos “botos” do Anveres e adjacências, portanto, foi a única a não contrair matrimônio com moradores da localidade. Encontrou o esposo em Manaus, um jovem atraente e de sua idade, comerciário hábil, entretanto, possuidor de um contratempo: era o peruano Manuel Mendoza (1916-2014), que aportuguesou o sobrenome para Mendonça (para saber mais sobre este, veja o livro Entre duas viagens).A família de Francisca não aceitou o noivado, circunstância que recomendou ao noivo a se retirar de Manaus, afastamento que foi realizado em duas ocasiões: uma, para um seringal, almejando Manuel acumular recursos financeiros; a outra, para Iquitos, no Peru. Nesta partida, cometendo uma ousadia (1944), pois conduziu a noiva a tiracolo. Na igreja de San Juan Bautista, patrono da cidade de Iquitos, Francisca e Manuel matrimoniaram-se em novembro do mesmo ano. Dois anos passados, o casal já estava de regresso, trazendo o embrião do primeiro filho: Manoel Roberto; e foi se estabelecer na rua Inácio Guimarães, em Educandos, próximo à residência da irmã Raymunda. Em 1948, nasceu o segundo filho: Henrique Antonio, e os Mendonça seguiam em ascensão, gerindo a bem-sucedida Mercearia São José.  Entretanto, Manuel decidiu tentar a sorte no Rio de Janeiro de 1950 (bem conhecido dos brasileiros). Em menos de um ano, diante da sorte “madrasta”, retornou o casal ao Educandos, já “encomendado” o terceiro filho: Pedro Renato. 
A partir do nascimento deste (1951), a vida de Francisca mudou inteiramente, pois ela teve que se desdobar em busca da saúde, enfrentando um terrível mal para a época: a tuberculose. Resistiu somente um ano, até que, em 17 de julho de 1952, “entregou a alma ao Senhor”. Aos 35 anos, a primeira filha adulta dos Lima sucumbiu, tendo sido, como se voltasse ao aconchego materno, sepultada no mausoléu da genitora Adelaide Lima, no cemitério São João. 

Nota: efetuei uma correção na data de nascimento para 28 de abril.  

EFEMÉRIDES DOMÉSTICAS (1)


Ontem (26), o Diego Valois C. Mendonça enfrentou a banca examinadora na Ufam (Universidade Federal do Amazonas), a fim de submeter sua pesquisa em Química, sob o pomposo título de – “Sergeolida e Isobruceina B quassinoídes: Cálculos de DFT e estudos de docking molecular com
Diego, ao fundo, durante exposição
Dihidrofolato Redutase de Plasmodium vivax”, visando a conclusão do Mestrado. Diego é meu filho, por esta justa causa estive presente e, apesar de ter entendido muitíssimo pouco da explanação, fui persistente até o final.
No intervalo, brinquei com ele, dizendo que somente entendera quando ele se referiu à malária, doença que enfrentei quando jovem. Disse-lhe que fora consistente na sua exposição e que as falhas notadas pelos examinadores são sanáveis. Até porque esta etapa, conhecida como Exame de Conhecimento de Mestrado, servia para avaliar a consistência do tema escolhido. O julgamento final vai ocorrer em agosto próximo. De minha parte, como “assistente”, vou me preparar melhor para a “batalha”.
Convite expedido
Dois detalhes: o exame estava programado para o Auditório da Química, mas acolá não aconteceu. Dois fatos transferiram esse encontro para uma sala de aula comum: a existência de mais outro Exame e a falta de energia no Campus.
Para alcançar o local, todavia, enfrentei alguns percalços. São raras as placas indicativas no Campus, de princípio. Apelei para o google maps, porém, meu celular de pobre estava fora de área. Assim, saí naquela de “quem tem boca vai a ...”. Então, passei a perguntar o destino a alunos, evitando aqueles que estavam com os fones nos ouvidos. E, sério, os sem-fones, para meu azar não sabiam o destino, não conheciam o Campus. Resultado: perguntei a uma faxineira que, para meu júbilo, indicou-me o Instituto.
Enfim descobri o recanto, mas não havia energia elétrica. Junto com a nora Carol, servindo de assistente ao mestrando, tivemos que aguardar. Ao cabo, reunido o colegiado examinador, Diego Mendonça teve seu Conhecimento aprovado. Parabéns, até a próxima.
* * *


quinta-feira, abril 25, 2019

ANÍSIO MELLO (1927-2010) PARTE 2

Anísio Mello


Escrevi este texto para encaminhar um novo livro de Anísio Mello, a ser editado - assim espero, assim seja - pela Academia Amazonense de Letras, da qual Mello foi membro efetivo.

Não tenho como desassociar o Chá do Armando do homem de tantos instrumentos (pintor, escultor, poeta, crítico, músico, contista, folclorista e, ainda, jornalista e inventor, segundo o “inventariante” Artur Engrácio), o multiartista Anísio Mello (1927-2010). Conheci-o mais amiúde quando aquela confraria lítero-cultural-filosófica (de cunho beberativo), abrigou-se na residência dele, situada na avenida Joaquim Nabuco, em frente à Beneficente Portuguesa. O endereço em si assustava, porém, a camaradagem do anfitrião fazia superar as carências, as penúrias do casarão secular.
Anísio Mello observa sua tela exposta na Casa do Artista
Rotineiramente servido à noite de sexta-feira, lá pelas tantas, o eflúvio alcoólico consentia aos chazistas superar os fantasmas multifaces para imunes, confraternizar com os anjos e os artistas de vários matizes que por ali desfilavam. De igual modo, semanalmente revíamos do dono da casa as composições artísticas e melódicas; as histórias de sua família e dos habitantes da floresta; sua produção em prosa e verso; os livros lançados e os "prometidos"; o jornal Folha do Norte, editado em São Paulo (SP) e o desastre do seringal em Eirunepé (AM). Enfim, a pujante saga do imortal Anísio Mello, que continuamente retemperava os partícipes do Chá e de quantos frequentaram sua residência.

Chazista (seguidor do Chá) militante, eu me converti em seguidor emérito do mestre da Escola de Artes Ester Mello (fundada por sua mãe, que Anísio fez funcionar até sua morte). E, porque residíamos próximos, foi dessa outra maneira que me tornei habitué de seu empoeirado acervo. Empoeirado, porém inestimável!

Nada daquela desorganização, todavia, me surpreendia, afinal me ufano de minha fortuna em tais ambientes, e naquele também fui inegavelmente bem-sucedido. O tratamento da doença que acometeu Anísio Mello, em seus derradeiros momentos, levou-o à hospitalização. De modo lamentável, não houve recursos medicinais capazes de reverter o quadro, assim, para meu pesar, na tarde do domingo, 11 de abril de 2010, estava morto o admirável elaborador de tantas belezas. Empenhei-me tanto no velório quanto no sepultamento.Então, retornei ao acervo do extinto. 
Espanadas as teias de aranha e a poeirada, deparei-me com preciosidades, com relíquias que o descaso, o infortúnio condenava ao entulho da cidade. Aqui é o momento de registrar um “salutar” pecado: levei do desprezado acervo o quanto pude. Ao inventariar o butim, relacionei ao menos quatro projetos de livro. E, no intuito de expiar a minha infração, já retirei das sombras dois desses propósitos: o primeiro foi Convite à Poesia, em 2011, inaugurando as Chá do Armando edições e lembrando o primeiro ano do desaparecimento do seu autor.  O outro foi Hemetério Cabrinha, poeta, que as edições do Governo do Estado e a Secretaria de Cultura deram vida, em 2015.  
Enfim, diante dessa mobilização, sinto-me indultado pelo delito confesso. No entanto, em favor de Anísio Mello, há dois projetos em elaboração: Óscar Ramos, diretor do Museu da Cidade, organiza uma amostra do material reconhecido. E, no próximo ano, décimo de sua morte, já aparelho, associado ao chazista Nonato Braga, uma exposição com o quanto de seu arsenal artístico ainda existe.

terça-feira, abril 23, 2019

ANÍSIO MELLO (1927-2010)

Anísio Mello

Faz uma dezena de dias em que se completou o nono aniversário de morte do multiartista Anísio Mello. Estava prestes a completar 83 anos. Viveu seus últimos tempos num casarão da Manaus da belle époque, situado na avenida Joaquim Nabuco, em frente à Beneficente Portuguesa. Foi ali que o conheci, levado pelo Chá do Armando, a extinta confraria que cuidava algumas vezes de letras, mas sempre do emblemático uísque. A edificação em si chocava, porém o companheirismo do anfitrião e os quadros de sua autoria faziam superar as penúrias do casarão secular. 

Tornei-me um habitué de seu empoeirado acervo. Empoeirado, mas inestimável. Durou pouco esse contato, pois a busca da cura da doença que o acometeu, levou-o hospital. E, de modo lamentável, não houve recursos medicinais para superar esse transe.
Anísio Mello morreu no Hospital Getúlio Vargas na tarde de domingo, de 11 de abril de 2010. Velado na Academia Amazonense de Letras, teve sepultamento na manhã seguinte no cemitério de São João Batista.




Voltei então ao acervo do extinto. Espanada a poeira, deparei-me com preciosidades, relíquias que o descaso, o infortúnio condenava ao entulho da cidade. Recolhi o quanto pude da pilha de desprezados objetos largados. Em casa, inventariando o butim, descobri ao menos quatro projetos de livro. Um deles – Convite a Poesia – saiu pelas edições Chá do Armando. Nesse momento, estou a organizar outro projeto: Estrela Viva, que espero seja lançado em comemoração ao centenário da Casa de Adriano Jorge.

Saquei do livro em organização, para ilustrar esta homenagem, o poema
Acalanto do menino morto 
O rio escorre no sangrado leito
em testemunho calmo e silencioso.
O rezador na ausência de melhor
arranca à várzea a última esperança
num ramo de qualquer verde brotando.
Sobre o corpo agonizante do menino
em cruz como se fossem pinceladas no ar
vai dizendo palavras da crença ribeirinha.
A canoa oscilava no acalanto trágico
e o menino Manuel apenas respirava.
Os olhos fechados punhos contraídos
palidez no rosto os lábios já sem cor.
O benzedor levanta os olhos e com voz contrita
anuncia a cura de esperada ânsia.
– Ele dorme... está aliviado...e até hoje nunca mais sofreu...
 Quantos meninos nesta várzea imensa
foram curados pelos benzedores
e moram para o todo e sempre
no painel da saudade de seus pais...

L. RUAS E A BOSSA NOVA

Adotei a produção literária do saudoso padre-poeta L. Ruas (Luiz Augusto de Lima Ruas) há quinze anos. Quando, para lembrar os 50 anos de sua ordenação, tomei a iniciativa de recolher sua produção literária publicada nos jornais e revistas da cidade. E assim aconteceu, o que me levou a proclamar ter recolhido “quase tudo”.

Passada essa temporada, ainda sou gratamente surpreendido como ocorreu semana passada, ao vasculhar a coleção do matutino A Gazeta. Neste, entre agosto e outubro de 1963, reencontrei a Ronda dos Fatos, que o colunista L. Ruas produzira em A Crítica (1957-58).
Com este achado, asseguro que o autor de Aparição do Clown integrou ao seu tempo a redação de todos os jornais de Manaus. Além do microfone da Rádio Rio Mar, como cronista-radiofônico, disputando com Josué Claudio de Souza, a preferência pela crônica propagada ao meio-dia.

O texto aqui compartilhado revela outra de suas aptidões: a música. Além de artista das letras (em prosa e verso), conhecia música e possuía bela voz, tendo escrito ao menos três hinos religiosos. Desse contexto, fácil entender a exposição que L. Ruas efetuou sobre a decantada Bossa Nova, ainda em suas primeiras harmonizações.
Samba de uma nota só, título dessa crônica, foi vulgarizada em A Gazeta, a 1º de outubro de 1963.

RONDA DOS FATOS 

Samba de uma nota
A revolução literária de vinte e dois não permaneceu apenas no restrito campo da literatura. Ainda está por ser feito um estudo mais cuidadoso e mais sério da extensão daquele movimento literário e artístico. No dia em que for feito tal estudo veremos como se tratava, de fato, duma verdadeira revolução. Revolução que não encerrou somente um aspecto destrutivo – que sempre há em toda revolução – mas encerrou, também, e muito, um aspecto construtivo. Revolução, como dizia acima, que não se limitou ao campo da literatura e das artes plásticas, mas atingiu, profundamente, as mais remotas camadas e estruturações da nossa cultura brasileira.Naquela manhã de domingo para fugir um pouco às preocupações dos nossos dias e da nossa vida coloquei, em silêncio, na eletrola, o long-playing de João Gilberto.  
Selecionado de A Gazeta, 1º outubro 1963
A chamada “bossa nova” que, hoje, a partir do quase fracasso no Carnegie Hall já se tornou internacional tendo sido lançada com êxito nos Estados Unidos, na França, na Itália e na Inglaterra é, talvez, uma consequência daquele movimento de vinte dois.
Não se trata de uma consequência direta e imediata, de forma a se dizer que ela descende em linha reta do Modernismo, mas, me parece, que é uma consequência dele enquanto o Modernismo semeou uma nova concepção de arte e de gosto estético. 
Foi ouvindo o Samba de uma nota só na interpretação de João Gilberto que despertei para este problema. Foi prestando atenção para a música (melodia e acompanhamento) e para a letra que me surgiu esta ideia. O Modernismo foi um esforço de purificação da nossa arte. Não só uma purificação temática de caráter nacionalista, procurando assunto aqui de casa e deixando de lado assuntos da “estranja”, particularmente da Europa (França e Inglaterra) mas foi, ao mesmo tempo, e talvez muito mais uma purificação da forma.
Passado o primeiro momento destrutivo e anarquista que encerrou, definitivamente, o Modernismo, permaneceram suas consequências e suas exigências que na poesia, principalmente, se faz sentir em um João Cabral de Melo Neto que continua influenciando todos os poetas nacionais que vieram depois. 
Ora, é isto que encontramos na música de João Gilberto, Tom Jobim e Carlos Vinicius de Moraes (é por acaso, à toa, que o poeta se aliou à turma da “bossa”?). É na presença de Vinicius entre os criadores e artistas atuais da “Bossa Nova” que encontro a ponte que une o movimento musical de que estamos falando e o movimento estético-literário de vinte e dois.

O que estou afirmando aqui é um ponto de vista meu e tem, unicamente, o caráter de uma intuição sem pretender ser um ponto de vista firmado.

Mas, acredito que se alguém se der ao trabalho de olhar o problema com carinho chegará às mesmas conclusões ou, ao menos, quase às mesmas. E àqueles que se interessam por ambos os problemas sugiro que coloquem na eletrola o João Gilberto e escutem, com atenção, o Samba de Uma Nota Só e depois me digam.

domingo, abril 21, 2019

DOMINGO DE PÁSCOA




Desde ontem reboam as aleluias da Ressurreição. Com as primeiras notas festivas do belíssimo cântico triunfal “Exsultet”, ondas de júbilo encheram o recinto sagrado de nossos templos. Com o canto solene do “Gloria”, bimbalharam os bronzes sonoros de nossas igrejas e retiniram longamente as campainhas, numa orquestração maravilhosa que traduziu bem o estremecimento de um túmulo e o despedaçamento de uma laje sepulcral. Era Cristo, o Vencedor da morte, que ressurgia glorioso e triunfante, alagando de luz a sepultura e aparecendo vivo, redivivo, majestoso e imortal, numa culminante fulguração de glória!
O celebrante das sagradas funções, depois dos primeiros epinícios, passada a primeira retumbância de júbilo, entoou pela primeira vez, solenemente, e repetiu por mais duas vezes, o festivo “ALLELUIA”, pomposo estribilho dos regozijos pascais.Aleluia! Aleluia! E se os bronzes das torres e as campainhas dos altares prorromperam em músicas de triunfo, não temos expressões para dizer das sinfonias de nossos corações, sinos que têm vida e emoção, a bimbalhar vitoriosamente nos altos campanários das inteligências e dos espíritos...
A Liturgia Católica tem isso de extraordinário: não recapitula fatos de dois mil anos, renova-os admiravelmente, como se produzidos pela vez primeira! Nós, sacerdotes e cristãos, no desenrolar de tão imponente e sugestivo das cerimônias, sentimos que somos Apóstolos e Discípulos, e que nos dizem respeito todas as cenas da vida, paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo! 
Como sinalizado, trata-se da abertura do artigo do falecido padre Nonato Pinheiro, circulado em A Gazeta (9 abril 1955), alegrando-se com a Páscoa do Senhor. Finaliza com a exortação:
Guardemos estas palavras proféticas de Ezequiel, e saibamos que só os lábios divinos de Jesus as podem proferir, como Senhor da Vida e Triunfador da morte: Eis que eu abrirei os vossos túmulos, e vos farei sair de vossos os sepulcros!... 

sábado, abril 20, 2019

ANTES DA PONTE DE EDUCANDOS


O local desolado
Cópia do mencionado matutino, vê-se ao alto a torre
da igreja dos Remédios e, ao centro, o prédio ainda
existentes
exposto na foto do matutino A Gazeta, edição de 11 de dezembro de 1963, somente foi modificado cerca de 12 anos depois, com a inauguração da Ponte Padre Antônio Plácido, ou, como é mais conhecida – Ponte de Educandos. Devo registrar, trata-se da última, ou da terceira construída para ligar este bairro ao Centro. As duas anteriores estão sobre o igarapé do Quarenta, uma, edificada no governo de Efigênio Sales (1926-30) e a outra, no primeiro governo de Plínio Coelho (1955-59).

A foto do periódico vinha legendada com o texto abaixo:

O VALE DO ESQUECIMENTO

Afora algumas residências de gabarito nas proximidades, pela [rua] Quintino Bocaiuva, Pedro Botelho e Dr. Almino, o abandono ali é completo. À noite, ouve-se o coaxar dos sapos e das rãs, naquela cantilena tão própria. Quando o rio enche, tudo fica alagado, e as canoas podem penetrar folgadamente até às ribanceiras. A vegetação rasteira é exuberante.
Das casas construídas apenas duas resistem às cheias. Alguns milhões, um muro de arrimo e esgotos mudariam a visão do local. Uma praça, ampla e moderna. Ou quadra de esportes, com o barranco ajudando nas arquibancadas. São sonhos dos moradores das circunvizinhanças.
De olhos abertos, fazendo castelos no ar para o vazio do chão. São os visionários, que veem tudo azul. Mas existem os céticos, prevendo para breve uma invasão de flutuantes, boiando no inverno; encalhados na lama, nas vazantes. Na reforma agrária (ou urbana?) como ficaria o local...

A Ponte em duas tomadas recentes



sexta-feira, abril 19, 2019

NOTÍCIA SOBRE A NAVEGAÇÃO AÉREA



Aumentando e valorizando a ligação aérea da nossa capital com o Sul do país, a Cruzeiro do Sul inaugurou ontem [15.09.1963] uma nova linha, utilizando aviões a jato, do tipo Caravelle. O acontecimento revestiu-se de
Cópia de A Gazeta, 16 setembro 1963
importância, dado que propicia progresso para o nosso Estado, mostrando o interesse daquela progressista empresa nesta região.
O Caravelle da Cruzeiro do Sul, que inaugurou a nova rota, regressou às primeiras horas de hoje e tinha a seguinte tripulação: comandantes Araújo e Winter, 1º oficial Xavier, navegador Viana e comissárias Rita, Dinorah, Aparecida e Paes.
Como passageiros do aparelho vieram, na qualidade de convidados da Cruzeiro, os senadores amazonenses Edmundo Fernandes Levy e Vivaldo Lima Filho, os deputados federais Djalma Passos e Manuel Barbuda e suas respectivas esposas; o sr. Raimundo Figueira, presidente do BCA [Banco de Crédito da Amazônia, atual BASA], e esposa; além de outros destacados passageiros.
À noite de ontem, no Hotel Amazonas, a Cruzeiro do Sul fez realizar um coquetel, oportunidade em que homenageou o mais antigo e a mais nova funcionária de sua filial de Manaus.
As fotos são flagrantes do acontecimento, vendo-se o senador Vivaldo Lima Filho quando, em nome da Cruzeiro, entregava um prêmio ao sr. Werner Dieckmann pelos seus 26 anos como funcionário da empresa, e o deputado Djalma Passos conferindo uma lembrança à senhorita Nazareth Silva, a mais nova integrante da numerosa família da Cruzeiro do Sul em nosso Estado.

Anotações próprias sobre a nota supra de A Gazeta, Manaus, 16/09/1963:

1.  A empresa Cruzeiro do Sul destacou-se em Manaus, com sua agência localizada no cruzamento da avenida Eduardo Ribeiro com a rua Henrique Martins, cuja edificação em nossos dias é ocupada por uma loja de roupas.
2.  Esta esquina acolhia um bom número de transeuntes, de diversas classes sociais, tornando-se um point conhecido por “Canto do Fuxico”.
3.  A empresa durou até ser adquirida pela Varig, cujo agente era E. V. d’Oliveira, com a sede na rua Guilherme Moreira. Recordo ainda que a Cruzeiro manteve uma linha entre esta cidade e a de Iquitos (Peru), escalando em Tefé e Tabatinga. Quando a Varig abandonou esta rota, coube a Transbrasil operar.
4.  Pelo visto, a Cruzeiro teve o privilégio de conectar Manaus com o restante do país pelos Caravelles, ou seja, colocou a cidade na velocidade dos jatos.
5.  O deputado federal Djalma Passos era oficial da Polícia Militar do Estado, e (importante), não sei porque circunstância, tornou-se compadre de meu pai.

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quinta-feira, abril 18, 2019

ÔNIBUS DE MANAUS: PEQUENA HISTÓRIA


O episódio de trânsito abaixo descrito aconteceu em 1963, na praça da Matriz, também conhecida por estação dos ônibus. Não muitos coletivos. Mas todos construídos segundo os anseios do proprietário e a “tecnologia” regional. Diante da foto, a amostragem é patética.
A direita, vê-se detalhe do posto de gasolina Texaco, existente aos fundos dos Correios. Pode-se ainda distinguir a silhueta dos Armazéns J. G. Araújo, que um incêndio, em 1990, destruiu.



A postagem provém da publicação do matutino A Gazeta (de 14 dezembro 1963). Sob o título de A CIDADE EM FOTO, o matutino colhia aspectos bem distintos, alguns caricatos, da cidade que começava a sair do marasmo. Prestes a adentrar o regime militar de 64, que, para nossos gaudio, revigorou a Zona Franca de Manaus. 

TUDO AQUI É TRÂNSITO  
A carrocinha de refresco ficou na contramão e o ônibus cara-chata teve que esperar a vez para passar, mas o próprio dono do pequeno veículo dirigiu o trânsito, coisa que ele conhece muito bem, por ser guarda-de-trânsito aposentado. É o “Caneco Amassado”, um dos remanescentes da Inspetoria de Tráfego, e que sabe de cor-e-salteado a estória dos ônibus da cidade.
Daquele primeiro, de fabricação sulina que apareceu e depois foi vendido para a Força Pública (nome antigo da Polícia Militar); conheceu aqueles de um cidadão, salvo engano, por nome Bohadana, que a “Manáos Tramways” comprou para evitar concorrência. E viu Adelelmo Marques, o Dedé, meter no tráfego o “Periquito da Madame”, um caixote em cima de um chassi, se tornar de fato e de direito o verdadeiro pioneiro do transporte coletivo automotor da cidade.Viu os ônibus crescerem, feitos aqui mesmo em Manaus, pelo Damasceno, o “velho” Pires, Lamego e outros; “Gilda”, “Perna de Pau”, “Fracasso”, “São Cristóvão”, os “Manaus”.
Uma dificuldade, os ônibus de Educandos subirem a “Baixa-da-Égua”, até que o Stenio [Neves] apareceu na Prefeitura, e resolveu o problema. Praça 14 pela Major Gabriel e Leonardo Malcher, sem dar o circular. E os coletivos foram aumentando e tomando conta da cidade. Começaram com passagem a dois cruzeiros e hoje já está em 30 [cruzeiros].
Mas sem esquecer o “Zepelin” feito pelo Barata e vendido ao Moleiro aquele ônibus gigante, que o Zildo Naveca, no tempo o “Pequenino” e hoje diretor da Transportamazon, guiava. E esses carros bonitos, últimos modelos, da Transporte. A estória dos ônibus é tão comprida, que é bem melhor ficarmos por aqui, olhando o “Lamego” e o “Aurora”, e a carrocinha do “Caneco Amassado”.
Nota: Acrescentei posteriormente a foto abaixo para melhor entendimento
A estação de ônibus, vendo-se a sede dos Correiros e o relógio e o JG.

quarta-feira, abril 17, 2019

ATRAÇÃO TURÍSTICA DE ONTEM

Retalho do citado matutino

Dois parágrafos para situar o ponto de referência deste “imóvel”. Vi-o muitas vezes, ao transitar pela primeira ponte da avenida Sete de Setembro, entre a rua Major Gabriel e Igarapé de Manaus. Servia de atração aos turistas que, de máquina fotográfica em punho, sempre tomavam uma lembrança da mirabolante edificação. Não sei quando ruiu. Mas houve, posteriormente, outra cópia dessa esquisitice.
O texto compartilhado foi escrito com bastante verve, comum em jornalistas, pelo pessoal de A Gazeta  (edição de 4 de novembro de 1963). 

CARTÃO POSTAL PARA TURISMO ABSTRATO 
Não é pagode chinês. Tampouco uma palafita e muito menos, embora pareça, um pombal em estilo modernista. Entre o asfalto da [rua] Major Gabriel e o leito seco do igarapé da Primeira Ponte, a residência se ergue contrariando todas as regras arquitetônicas.
Tem leme, proa, passadiço, aviso aos navegantes. Mas não é navio. Também possui telhado. Na falta de simetria, pode ser encontrada muita beleza. Em seus seis andares, um pouco de majestade sobre os humildes flutuantes da margem oposta. Oscar Niemeyer e Lúcio Costa perderam o cartaz. Se Juscelino [Kubistchek] soubesse. Brasília seria bem diferente...