Agnello Bittencourt |
RODOVIA PURUS-MADEIRA
Na conferência que fez, em
1888, na antiga Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, hoje Sociedade
Brasileira de Geografia, conta-nos o coronel Labre particularidades dessa excursão,
concluindo pela possibilidade de uma rodovia aproveitável, sobretudo no
transporte do gado boliviano, tão abundante, a ponto de custar, ali, a esse
tempo, uma rês apenas Cr$ 10,00! (Revista da Sociedade Brasileira de Geografia
do Rio de Janeiro", tomo IV, 2° Boletim, p.102, 1888).
As informações do coronel
Labre são omissas quanto às características das chapadas e dos rios que
atravessou. Certo, não poderia passar 40 dias sem água, no meio de campinas
infindáveis. Também não nos fala da estrutura dos terrenos que palmilhou, nem
das espécies de gramíneas que revestem aquele solo. Talvez tudo isso se
encontre no seu Diário, até hoje
desconhecido.
Mas, para tirar uma prova
da qualidade das pastagens dos campos do Pussiari (nome de um afluente do ltuxi,
que banha esses campos), fundou a 60 quilômetros de Lábrea uma fazenda de
criação de gado vacum, entregando-a a um civilizado, auxiliado por alguns
índios. O estabelecimento prosperava, quando, um dia, surgiu uma
desinteligência e luta corporal entre o encarregado e um dos trabalhadores,
resultando na morte de ambos. Diz o coronel Labre que não mais encontrou ninguém
que quisesse tomar conta da fazenda. Daí, o fracasso completo da tentativa.
Entretanto, não desanimou
o coronel Labre. Como deputado à Assembleia Legislativa amazonense, obteve a
sanção de uma lei autorizando o gasto de Cr$ 25.000,00 com a abertura da
estrada Lábrea-Beni, no que teve grande oposição dos seus próprios
correligionários, oposição vencida pela boa vontade do presidente da Província,
José Lustosa da Cunha Paranaguá.
Fora contratado, como
técnico do traçado geodésico, o engenheiro Alexandre Haag, e fixado o ponto de
partida da abertura da estrada, em Lábrea, onde o pioneiro da ideia foi
arregimentar mateiros e animais de carga.
Ao chegar àquele sítio o
navio em que devia viajar dito engenheiro, tudo estando pronto para a marcha,
qual a decepção do deputado Labre ao saber que o Governo ordenara fosse começada
do Beni à Lábrea, e não como ficara assentado. Essa resolução causou um profundo
desgosto ao intrépido maranhense.
O engenheiro Haag foi ao
Madeira para dar início ao serviço da abertura da picada. Em consequência,
porém, da falta de pessoal, logo após ter penetrado alguns quilômetros na
floresta, regressou. Um fracasso, para o Governo, e um prejuízo material para o
coronel Labre, que, daí por diante, não mais confiou na ação dos Poderes
Públicos. (A. R. P. Labre, Itinerário de
Exploração do Amazonas à Bolívia, 1887, p.31).
O interesse de uma ligação
terrestre do Purus ao Madeira e o empenho tenaz e ininterrupto do fundador de
Lábrea, impressionaram o espírito de José Francisco Monteiro, criador e
prefeito de Humaitá. Corria a segunda metade do ano de 1894. Abriu-se um novo
capítulo na história dessa tentativa, do qual tivemos conhecimento através de
uma recente publicação de Álvaro Maia. (Jornal
do Comércio, de Manaus, de 16.03.1952).
Dormia, ignoradamente, no
Arquivo da Prefeitura Municipal de Humaitá, o Relatório de uma expedição
mandada organizar, naquele ano, pelo prefeito Francisco Monteiro, da qual foi
encarregado Joaquim Sabino Gonçalves. Agitava-se, assim, ainda uma vez, a
sonhada ligação. O expedicionário se lança na floresta, com 16 pioneiros, que,
no fim da jornada, "tinham aspecto de cadáveres, torturados pela fome,
castigados cruelmente pelas febres palustres" (Relatório), tendo partido
de Humaitá a 3 de setembro e chegado a Lábrea a 20 de outubro de 1894.
A expedição deveria
regressar pelo mesmo caminho, segundo ordem recebida do executivo humaitaense,
mas impossível isso se tornou devido ao estropiamento dos seus membros, pois,
em marcha batida, quase sem alimentos, atravessando igapós, alagadiços, rios,
campos e florestas compactas, ficaram demasiadamente combalidos.
Regressaram pelo Purus,
Solimões e Madeira. Que resultou de tantos sacrifícios? O Relatório de Joaquim Sabino Gonçalves é precioso, sobretudo neste
momento em que vem à baila o assunto, numa expectativa de realização.
Concitamos o governador Álvaro Maia a mandar publicá-lo, sem demora, na
íntegra.
Quando, em 1903, o Acre
prendia a atenção nacional, não somente pela quantidade e pela valorização da
borracha que exportava, como pela revolução encabeçada por Plácido de Castro, o
senhor Heliodoro Jaramilho, que vivia em Manaus há alguns anos, tomou a si
reanimar o problema de ligar, por meio de uma estrada de ferro, o baixo Purus
ao Acre a partir de um ponto acima de Lábrea até Caquetá, com prolongamento
para o Rio Abunã, empório de comércio com a Bolívia (Conferência realizada no Clube de Engenharia sobre o Projeto de
estrada de ferro ligando o Brasil à Bolívia, via Purus-Acre. Acompanhada de um
mapa — Rio de Janeiro, 1903).
(a terceira e última parte será postada amanhã, 11 outubro)
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