CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, outubro 10, 2017

RODOVIA PURUS-MADEIRA (2)

Agnello Bittencourt
Em prosseguimento com a exposição de Agnello Bittencourt sobre a ligação entre os rios Purus e Madeira. O texto foi sacado do Boletim da ACA, referente a fevereiro de 1953.

RODOVIA PURUS-MADEIRA

Na conferência que fez, em 1888, na antiga Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, hoje Sociedade Brasileira de Geografia, conta-nos o coronel Labre particularidades dessa excursão, concluindo pela possibilidade de uma rodovia aproveitável, sobretudo no transporte do gado boliviano, tão abundante, a ponto de custar, ali, a esse tempo, uma rês apenas Cr$ 10,00! (Revista da Sociedade Brasileira de Geografia do Rio de Janeiro", tomo IV, 2° Boletim, p.102, 1888).

As informações do coronel Labre são omissas quanto às características das chapadas e dos rios que atravessou. Certo, não poderia passar 40 dias sem água, no meio de campinas infindáveis. Também não nos fala da estrutura dos terrenos que palmilhou, nem das espécies de gramíneas que revestem aquele solo. Talvez tudo isso se encontre no seu Diário, até hoje desconhecido.

Mas, para tirar uma prova da qualidade das pastagens dos campos do Pussiari (nome de um afluente do ltuxi, que banha esses campos), fundou a 60 quilômetros de Lábrea uma fazenda de criação de gado vacum, entregando-a a um civilizado, auxiliado por alguns índios. O estabelecimento prosperava, quando, um dia, surgiu uma desinteligência e luta corporal entre o encarregado e um dos trabalhadores, resultando na morte de ambos. Diz o coronel Labre que não mais encontrou ninguém que quisesse tomar conta da fazenda. Daí, o fracasso completo da tentativa.

Entretanto, não desanimou o coronel Labre. Como deputado à Assembleia Legislativa amazonense, obteve a sanção de uma lei autorizando o gasto de Cr$ 25.000,00 com a abertura da estrada Lábrea-Beni, no que teve grande oposição dos seus próprios correligionários, oposição vencida pela boa vontade do presidente da Província, José Lustosa da Cunha Paranaguá.

Fora contratado, como técnico do traçado geodésico, o engenheiro Alexandre Haag, e fixado o ponto de partida da abertura da estrada, em Lábrea, onde o pioneiro da ideia foi arregimentar mateiros e animais de carga.

Ao chegar àquele sítio o navio em que devia viajar dito engenheiro, tudo estando pronto para a marcha, qual a decepção do deputado Labre ao saber que o Governo ordenara fosse começada do Beni à Lábrea, e não como ficara assentado. Essa resolução causou um profundo desgosto ao intrépido maranhense.

O engenheiro Haag foi ao Madeira para dar início ao serviço da abertura da picada. Em consequência, porém, da falta de pessoal, logo após ter penetrado alguns quilômetros na floresta, regressou. Um fracasso, para o Governo, e um prejuízo material para o coronel Labre, que, daí por diante, não mais confiou na ação dos Poderes Públicos. (A. R. P. Labre, Itinerário de Exploração do Amazonas à Bolívia, 1887, p.31).

O interesse de uma ligação terrestre do Purus ao Madeira e o empenho tenaz e ininterrupto do fundador de Lábrea, impressionaram o espírito de José Francisco Monteiro, criador e prefeito de Humaitá. Corria a segunda metade do ano de 1894. Abriu-se um novo capítulo na história dessa tentativa, do qual tivemos conhecimento através de uma recente publicação de Álvaro Maia. (Jornal do Comércio, de Manaus, de 16.03.1952).

Dormia, ignoradamente, no Arquivo da Prefeitura Municipal de Humaitá, o Relatório de uma expedição mandada organizar, naquele ano, pelo prefeito Francisco Monteiro, da qual foi encarregado Joaquim Sabino Gonçalves. Agitava-se, assim, ainda uma vez, a sonhada ligação. O expedicionário se lança na floresta, com 16 pioneiros, que, no fim da jornada, "tinham aspecto de cadáveres, torturados pela fome, castigados cruelmente pelas febres palustres" (Relatório), tendo partido de Humaitá a 3 de setembro e chegado a Lábrea a 20 de outubro de 1894.

A expedição deveria regressar pelo mesmo caminho, segundo ordem recebida do executivo humaitaense, mas impossível isso se tornou devido ao estropiamento dos seus membros, pois, em marcha batida, quase sem alimentos, atravessando igapós, alagadiços, rios, campos e florestas compactas, ficaram demasiadamente combalidos.
Regressaram pelo Purus, Solimões e Madeira. Que resultou de tantos sacrifícios? O Relatório de Joaquim Sabino Gonçalves é precioso, sobretudo neste momento em que vem à baila o assunto, numa expectativa de realização. Concitamos o governador Álvaro Maia a mandar publicá-lo, sem demora, na íntegra.


Quando, em 1903, o Acre prendia a atenção nacional, não somente pela quantidade e pela valorização da borracha que exportava, como pela revolução encabeçada por Plácido de Castro, o senhor Heliodoro Jaramilho, que vivia em Manaus há alguns anos, tomou a si reanimar o problema de ligar, por meio de uma estrada de ferro, o baixo Purus ao Acre a partir de um ponto acima de Lábrea até Caquetá, com prolongamento para o Rio Abunã, empório de comércio com a Bolívia (Conferência realizada no Clube de Engenharia sobre o Projeto de estrada de ferro ligando o Brasil à Bolívia, via Purus-Acre. Acompanhada de um mapa — Rio de Janeiro, 1903). 

(a terceira e última parte será postada amanhã, 11 outubro)

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