CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quarta-feira, outubro 31, 2018

LINHA DO EQUADOR

Linha do Equador refere-se ao livro de Gebes Medeiros, lançado um pouco antes. Nesse tempo, o autor, Ramayana de Chevalier, era secretário de Administração de Gilberto Mestrinho (1959-63), e escrevia para o jornal A Gazeta, cujo texto ocupava o alto da primeira página.


Este artigo, publicado em 31 de outubro, ocorreu há exatos 57 anos. Outro pormenor: não obstante as referências de Ramayana ao amigo, indicando-o ao sodalício amazonense, a posse de Gebes Medeiros na Academia de Letras ocorreu 33 anos depois, em 13 de setembro de 1994. Doutor Gebes morreu em 2003.  






Foi um acontecimento singular, para a nossa pacata vida provinciana, o lançamento do livro do escritor Gebes Medeiros [Linha do Equador]. Os homens são, sempre, a projeção das suas obras, ou mais concisamente, um substrato daquilo que produzem, em arte e em emoção. Estou a ver daqui, o Gebes que nos chegou de outras paragens, tangido pelo determinismo. Era um jovem iluminado pelo entusiasmo, cheio de uma hipertensa vontade de empolgar, de oferecer, de construir. Ouvi falar dele, como de um arigó simpático e dadivoso. Veio de envolta com as semicolcheias, e as da selva o retiveram, para sempre.

Gebes vinha do Nordeste. Trazia, para o meu coração, um sinal indelével e admirável. Vinha das Alagoas, terra macha, de gente sisuda e brava, com guelra vermelha tinta de sangue e uma lealdade de mandacaru. Também, como ele, há muitos anos passados, descera de um navio do Lóide um alagoano jovem, de olhos tontos de entusiasmo, de alma pura e límpida, que veio lançar raízes no Amazonas: o meu pai.

Não se sabia o que eram os escoteiros: ele foi o segundo a fundá-los, no Brasil. Não se conhecia um colégio exemplar, desses que formam o caráter das gerações: ele o fundou, no “Instituto Universitário”. Casou aqui, deu filhos a esta terra, pobres e honrados, intelectuais que se projetaram pelo país afora. Morreu no desterro, esquecido e amado, apenas, pelos seus descendentes e os alunos, esses grandes amigos, já hoje velhos.

Gebes Medeiros teve trajeto idêntico. Integrou-se no Amazonas, criou raízes, ama-o do mais fundo do seu coração. É um perdulário de iniciativas, um esbanjador de inteligência. Veio com a música, hoje está no teatro. Lança, agora, o seu primeiro livro, Linha do Equador é uma esplendida galeria de tipos. Compêndio de psicologia da vida cotidiana, seus personagens emocionam e fremem, fazem pensar e sorrir. As questiúnculas do vasto interior brasileiro, políticas ou latifundiárias, são focalizadas com raro equilíbrio e bom senso, com pinceladas fortes e inesquecíveis.

O sangue que corre pelas páginas de Linha do Equador, ferve conosco, dá-nos a sensação de um drama vivido, onde despontassem, como rosas do abismo, o coração de Airam e a carreira acrobática de Alcione, a paixão estonteante de Luís Carlos, funda, abrangente, sensual e meiga. Os perfis evocados nos entreveros do sertão do Piauí, falam por si mesmos. São reais, como o cheiro de urina dos seus currais perdidos.

Lançados com inteligência e arte, numa sequência que denota o exímio teatrólogo que é Gebes, homem quase modesto nas suas arremetidas pessoais, mas glorioso e candente nas iniciativas que visam a grandeza do Amazonas. Lutador sem desfalecimentos, sensibilidade requintada de quem nasceu com o choro lânguido das avoantes no beiral da casa, Gebes Medeiros é, hoje, um patrimônio nosso, que nós não damos, nem trocamos, nem vendemos. É uma joia de caráter, num deserto de almas.
Tenho acompanhado várias de suas singelas irradiações, algumas com um critério absolutamente original e puro, todas cheias de coração e de afeto. De muitos anos, venho sentindo o palpitar de sua generosidade, as lágrimas ocultas que há vertido, no silêncio do seu lar, sitiado pela incompreensão e o desalento. Sei de como tem sustentado a família, na luta pertinaz de sua profissão de advogado, nos recontros em que a arte, esfarrapada, mal lhe socorre com as espórtulas de sua glória amadurecida. Tenho por Gebes Medeiros, o respeito que se tem por um irmão sincero, de gibão de couro, que trocou a vestimenta do agreste pela cana da jacumã.

Gebes reuniu, no mesmo laço, as duas asas brancas: a Academia Amazonense de Letras e o Clube da Madrugada. Viveiros de talentos, condecorações mentais desse equador bendito, cuja linha foi traçada, com felicidade, pelo insigne escritor que estreia. As cenas duras, ou amoráveis, do seu livro, não são dele, são da vida. É uma técnica moderna: o de projetar os fatos, na sua nudez, sem os artifícios hipócritas da literatura ultrapassada.

O amor há de ser tão puro e tão nefasto, como se apresenta. Um beijo não tem roupas. Um homem que ama, não possui códigos, nem respeita conveniências. Punem-no, mas por fora. Por dentro, ele continua perfeito e agreste, como no limbo. Este aspecto de literatura leal nós sentimos no livro de Gebes. Um lançamento emocionante, para uma época de descréditos espirituais e desavenças mesquinhas.

Gostaria de ver esse amazônida integrado, ocupando o lugar que merece numa poltrona da Academia. Meu voto está dado. Sem máscaras, sem conciliábulos, sem falsidades. À vista do público, como as maioneses de lagosta do Restaurante Leite, do Recife. E não se trata de uma explosão de amizade. Gebes Medeiros é um escritor completo, um artista no mais amplo sentido da palavra. *

PMAM: NOTA HISTÓRICA


O governador Danilo Areosa (1967-71), em Mensagem na abertura da Assembleia Legislativa do Estado, em 1969, enfatizou a atuação das forças de Segurança Pública, constituídas pelas Polícias Militar e Civil. Lembrando que a secretaria de Segurança ainda não fora criada e o Corpo de Bombeiros estava sob a égide da Prefeitura de Manaus.

Quanto ao quartel referenciado pelo governador Areosa, este foi inaugurado em 1971, e ocupado em novembro daquele ano pelo 1º Batalhão de Polícia Militar. Em nossos dias, serve de Comando-Geral da PMAM.



Polícia Militar do Estado
Sob o comando do tenente-coronel do Exército José Maury de Araújo Silva (foto), desde abril do ano passado, com um efetivo de 1.000 homens fixado pela Lei 360, de 18 de dezembro de 1965, com grande esforço tem mantido o policiamento e a ordem tanto na Capital como no Interior do Estado. 
Conforme exposição do comandante da Polícia Militar, o edifício-sede desta milícia necessita de reformas, encontrando-se em precárias condições de habitabilidade, com suas instalações já deficientes.Conforme está inserido no Plano Quinquenal de governo, um novo Quartel será erguido no bairro de Petrópolis, cujas obras já foram iniciadas, e será dotado de todas as condições para o perfeito funcionamento desta corporação, que terá assim área suficiente para suas atividades. O fardamento da tropa foi totalmente renovado no ano passado.O processo de suprimento satisfez às necessidades da Unidade e atualmente todos os elementos da corporação se encontram fardados, existindo ainda no almoxarifado fazenda [tecido] em estoque. 
Para um melhor controle do pessoal destacado para servir no Interior do Estado, o atual comando criou a Inspetoria de Destacamento do Interior (IDE), o que tem aprovado plenamente. Merece realce a dedicação e o espírito de todos os elementos da Polícia Militar do Estado que em detrimento das precárias condições do quartel desta corporação, têm procurado corresponder à confiança do governo, na missão que lhes é confiada.
Aparelhamento Policial

Tem sido uma das preocupações do governo, o aperfeiçoamento dos órgãos responsáveis peio policiamento do Estado na esfera civil. O Departamento Estadual de Segurança Pública, apesar de algumas das providências já levadas a efeito, carece ainda, todavia, de uma reforma de maior profundidade, o que está em cogitações pelo governo.A atual estrutura administrativa deste Departamento está muito a desejar, porquanto em diversos aspectos está obsoleta, não tendo acompanhado a evolução do progresso já bem acentuado em outras Unidades da Federação.A reforma do aparelhamento policial, deverá orientar-se em dois sentidos principais: aperfeiçoamento e especialização do material humano, proporcionando-lhe melhores condições de trabalho, compatíveis com as funções exercidas e aquisição de equipamento imprescindível às tarefas que exigem a intervenção de aparelhos científicos.Enquanto não se processa a grande reforma exigida, o governo tem tomado medidas para a melhoria dos setores policiais, tendo destinado novas viaturas para as atividades do DESP. 
Todavia, em que pese as deficiências conhecidas, é justo ressaltar que o Departamento Estadual de Segurança Pública, graças à dedicação e espírito público de seus integrantes, vem desincumbindo-se de suas múltiplas tarefas, do que dá conta relatório do seu atual titular, bacharel João Valente de Azevedo, informando as atividades desenvolvidas pelas Delegacias de Segurança Política e Social, de Roubos e Falsificações e a de Segurança Pessoal, na proteção à integridade e segurança das pessoas, assim como a Delegacia Especializada de Trânsito, na árdua tarefa de fiscalizar o tráfego e discipliná-lo.

EXECUÇÃO DE CONSTRUÇÕES NOVAS
Na Capital:Novo Quartel da Polícia Militar — No bairro de Petrópolis, atualmente executam-se obras de concretagem no primeiro bloco de alojamento do prédio, estando prevista, para este mês a conclusão da laje de piso do segundo pavimento.

OLIGARQUIA DOS NERY (3)

Encerro com este post o artigo de Raul de Azevedo sobre a família amazonense dos Nery, publicado na revista O Malho, no festejo de seu cinquentenário.

 Rio, setembro de 1952.



Outro irmão era o Dr. Raimundo Nery, engenheiro competente, que morava em Paris, e que vinha ao Amazonas de visita a parentes. Foi eleito Deputado Federal pelo Amazonas, e residia, então, no Rio de Janeiro durante três anos, naquela época tempo duma legislatura. Nunca se imiscuiu na administração do Estado.Onde a fortuna deles? O senador Silvério José Nery era um homem que vivia, há trinta anos, a demarcar terras no interior, ainda hoje inóspito, do Amazonas. Três vezes viu-o chegar seriamente doente, com paludismo. Tinha uma casa confortável, quando assumiu o Governo, e umas cinco casas pequenas — para toda uma vida, de demarcador de terras. 

O barão de Sant’Ana Nery, o general Dr. Constantino Nery, o Dr. Raimundo Nery, o Dr. Marcio Nery, — não nos consta que tivessem deixado fortuna, ou gordos dinheiros. Outros irmãos ocupam lugares modestos.Uma família de Governadores… Um filho de Silvério José Nery, o ilustre Dr. Julio José da Silva Nery, foi interventor no Amazonas, na administração do presidente general Eurico Dutra. Esse mesmo moço casou-se com uma filha do coronel José Cardoso Ramalho Junior, que habita o Rio de Janeiro com os seus oitenta e seis anos e foi vice-governador do Amazonas, em exercício, nas funções de Governador. 

Outro interventor do Amazonas, oficial do Exército, hoje coronel Floriano Machado, sobrinho de Silvério. Uma família ilustre. Uma oligarquia benemérita. Pensou no futuro do Amazonas, no amanhã, na terra. Já dizia Virgílio, carpent tua poma nepotes.

terça-feira, outubro 30, 2018

OLIGARQUIA DOS NERY (2)

Segunda Parte da Oligarquia dos Nery,

compartilhada da revista O Malho

Rio, setembro de 1952.



Outro oligarca, que nunca se envolveu nos assuntos internos do Amazonas, o sábio Dr. Marcio Nery. Um nome que é uma glória no Amazonas, no Brasil e no estrangeiro. Especializando-se nos estudos e pesquisas psiquiátricas, Marcio Nery era um homem de laboratórios e gabinete. Médico notável. Deixou livros publicados e relatórios sobre as suas especialidades, e que até hoje são compulsados e citados. Foi raramente ao Amazonas, em visita a parentes e amigos, e à sua terra. Vêm que diminuiu a oligarquia.


O grande chefe político foi o Dr. Silvério José Nery. Esse era um parlamentar e um homem de Governo. Fora militar, e reformara-se como tenente do Exército, ajudante de ordens do general comandante da 1ª Região Militar. Fizera o curso de agrimensor. Inteligente e culto, honrou sempre o brasão dos Nery.
Observador arguto, esclarecido, conhecia bem todos os problemas do Brasil político, social e econômico. Fez toda a carreira que a política pode oferecer: vereador municipal, deputado estadual, deputado federal, reeleito, senador da República reeleito. Governador do Estado, chefe de partido.
Sempre 1º secretário do Senado do país, ou quase sempre e muita vez presidiu as suas sessões. Não era um frequentador assíduo da tribuna, mas os seus discursos foram sempre serenos e com conteúdo, em defesa dos problemas do Amazonas, que conhecia como poucos, e do País. Era um agricultor. Amigos deram-lhe um sítio, em frente a Manaus. Plantou-o todo e colhia três vezes por ano.
Silvério José Nery era um jornalista atilado, um cronista risonho e um escritor seguro. Sempre colaborou nos jornais que fundamos e chefiamos no Amazonas, na sua capital, Manaus, ex “cidade risonha”, hoje dizem que é “cidade tristonha”, o Diário de Notícias, o Rio Negro, a Folha do Amazonas, e O Globo. Ou os que dirigimos ou fomos redator-chefe, o Comércio do Amazonas, o Amazonas Commercial, a Federação, o Amazonas, o Estado do Amazonas.
Usava às vezes o pseudônimo de Yren. Num dos nossos livros –Meu livro de saudades, há traçado, com certas minúcias, o perfil desse homem público, educadíssimo, viajado, vestindo-se à inglesa, elegante, na palestra, bem humorado. Revelou-se um administrador capaz.
Lembram-se da sua frase que ficou célebre no País, no dia em que assumiu o Governo do Amazonas? “Menos política e mais administração”. Receita, para o Brasil de hoje.
A sua administração foi fecunda e salutar, e acompanhamo-la, com uma situação na Assembleia Legislativa e postos de confiança. Éramos o seu substituto na chefia do Partido. Logo ao assumir o governo, baixou o decreto obrigando em Manaus o beneficiamento da borracha amazonense, que passava toda como paraense. Regularizou a matéria, que beneficiou moral e materialmente o Estado. Fez o maravilhoso porto flutuante de Manaus, que ainda hoje lá está, beneficiando, a terra e os homens, através da empresa “Manaus Harbour”.

Conseguiu a construção do edifício da Alfandega, cláusula contratual com a referida empresa. Cuidou dos problemas básicos do Estado e da Cidade, — serviços de água, luz, bondes, telefones, higiene, calçamentos, esgotos, plantando, arborizando, melhorando-os e fazendo os seus pagamentos em dia, cuidando das artes, e dando relevo à sociedade. Ao seu tempo, o Teatro Amazonas não se fechava. Construiu escolas e grupos escolares.

E teve uma grande e definitiva ação na questão do Acre. Sucessor do vice-governador Ramalho Junior, em exercício no cargo de governador, ele foi também um dos maiores lutadores pela integridade do território nacional. Foi ele quem ajudou e auxiliou Plácido de Castro e Gentil Norberto na campanha sangrenta para que não tirassem o Acre do Amazonas e do Brasil.
Na sua primeira Mensagem à Assembleia Legislativa ele tem uma página forte e feliz comprovando que o Acre era e é brasileiro. E a sua ação.

A época era, de paixões, mas ele venceu-as. Um oligarca? Mas se todos fossem assim, que bom seria para os estados e para a Pátria!
Morreu a 23 de junho de 1934. (segue)

segunda-feira, outubro 29, 2018

OLIGARQUIA DOS NERY (1)


A revista O Malho, editada no antigo Distrito Federal, ao festejar o seu cinquentenário, em setembro de 1952, publicou um artigo de Raul de Azevedo sobre a família amazonense dos Nery.

Capa da Revista
Aproveito esta postagem para declarar minha pretensão de escrever uma biografia dessa família. A motivação se funda na sua marcante presença na história regional. E nacional. Minha ligação com essa história começou em 1956, quando ingressei no seminário católico da Rua Emilio Moreira, onde me informaram que aquele imenso terreno constituía a chácara de Silvério Nery.
Azevedo, o autor, assume sua intimidade com os Nery. Desse modo, para enobrecer a liderança familiar, traça uma página excessivamente laudatória. Utiliza o aforismo de que os amigos não têm defeitos. E mais, dá-lhes autoria de obras realizadas em outros governos. No entanto, vale pela raridade.
Tomei a iniciativa de repartir este artigo em três capítulos. 

Recorte do título do artigo


Neste cinquentenário d’O Malho, que Crispim do Amaral, com a graça irreverente do seu lápis ilustrou desde o seu primeiro número até morrer – pode-se reconstituir a vida do Brasil, viajando através do turbilhão das suas páginas frementes.
Lembra-nos que O Malho, na prosa e na caricatura, mais nesta do que naquela, não deu nunca habeas-corpus às oligarquias, tidas como uma desgraça para os Estados e assim para o País. Rara a edição antiga em que mestre J. Carlos, e os seus companheiros de traço humorista, não esfuziavam contra famílias dominadoras, que, com o seu chefe, diziam monopolizar algumas províncias, entupindo cargos e nadando em alborques.Não pesquisamos a verdade sobre o assunto delicado e complexo, mas cinquenta anos depois — nunca é tarde para um belo gesto! – viemos contestar a injustiça graciosa e risonha contra uma delas, a famosa oligarquia Nery do Amazonas, que esta revista e outras, e jornais muitos, viviam a combater, e por mal informados, ou na explosão de paixões regionais, alteravam muita vez os fatos. E não nos sentimos suspeitas, pois nos consideramos um pouco desta casa, pelos anos aqui vividos.Os quatro vultos principais dessa chamada oligarquia eram – o barão Frederico de Sant’Ana Nery, o Dr. Marcio Nery, o Dr. Silvério José Nery e o general Constantino Nery. Vamos esclarecer desde logo o primeiro, grande intelectual, nome internacional, residia em Paris. O segundo, morava no Rio de Janeiro, famoso nome de psiquiatra, sábio, diretor do Hospício de Alienados. Silvério e Constantino foram senadores e governadores do Amazonas.Filhos dum velho oficial do Exército, que fizera com honra a guerra do Paraguai, rara é a família no Brasil que possa apresentar um quadro de valores tão alto como os Nery do Amazonas. E é facílimo comprovar. O barão de Sant’Ana Nery sempre residiu em Paris, e fazia raras viagens ao Amazonas, e superiormente dedicou-se a ele. Escritor, jornalista, cientista, humorista, homem de sociedade, muito relacionado, ele era também um palestrador excepcional. De Paris, enviava semanalmente — e durante quinze anos, — os seus saborosos folhetins para o Jornal do Comércio [RJ]— “Ver, Ouvir e Contar”, que fizeram época.Uma outra sua seção, aliás bem interessante, era o recorte e comentário parisiense Jornal dos Jornais. Escreveu em outras folhas cariocas. Publicou uma obra invulgar. Les Pays des Amazones, em francês, inglês e italiano, vastamente ilustrada, e ninguém bem poderá conhecer a Amazônia, sem consultar essa obra. Bem escrita, é um dos principais estudos que se há feito sobre a região rica e virgem.Um fato singular, esse homem que vivia em Paris, que lá educou-se, falava e escrevia maravilhosamente o nosso idioma. Era homem de estudo, de gabinete, embora vivendo na agitação de Paris, Le Folk Lore Brésilien prefaciado pelo príncipe Roland Bonapart; Aux Etás Unis du BrèsilLe Brèsil en 1899; o Dicionário Enciclopédico. E como obra política, de charge, das melhores apreciadas no Brasil, De Paris a Fernando de Noronha.É a história do seu degredo na ilha célebre. O barão de Sant’Ana Nery viera ao Rio de Janeiro matar saudades e visitar os amigos. Estes convidaram-no para escrever no seu jornal, o grupo que combatia o presidente Floriano Peixoto. Fizeram uma tentativa de revolução abortada, e o marechal prendeu a todos os que não fugiram. A polícia foi à redação e lá encontrou somente o barão, que chegara há uma semana. Nada tinha com os barulhos, e foi… deportado para Fernando de Noronha!Cumpriu a pena, até que foi anistiado, e escreveu este livro alegre sobre a sua prisão. Representou o Governo do Brasil, antes e depois de Floriano, em diversas Assembleias e Congressos, assim como o Amazonas. Fundou em Manaus, conosco e outros, a primeira Associação de Imprensa no Brasil. Prestou ótimos serviços ao País. Vêm que a oligarquia dos Nery está diminuindo. Esse nunca interferiu nos assuntos privados do Amazonas. E ele bem podia dizer como Horácio — non omnis morias (eu não morrerei todo), porque a minha obra sobreviverá. (segue)

domingo, outubro 28, 2018

ELEIÇÃO GOVERNAMENTAL (1)

PS. Em complemento à postagem anterior:
Máquina de somar, que
já serviu para contagem
de votos

Acabo de conhecer o resultado das urnas no país. Venceu no âmbito federal o candidato mais que almejado pelos eleitores. Obteve 55% dos votos. Ferido gravemente durante a campanha política, absteve-se de comparecer aos debates entre os candidatos. Marcantemente no 2º turno, atitude que não lhe causou prejuízo.

Outro aspecto desse prélio eleitoral foi a escolha de candidatos “novos”, alguns sem qualquer experiência administrativa, como acontece com o eleito no Amazonas. Ou seja, os velhos foram expurgados, alguns com reconhecido trabalho em prol da comunidade. Não interessou aos eleitores a divulgação dessas benesses, desse progresso, da elevação do bem estar. Nada interessou aos eleitores, a única regra constituiu em derrotar os envelhecidos mandatários, ou no dizer amazônico: os tuxauas políticos.

Esses fatos, e outros de menor intensidade, estimulam uma esperançosa reviravolta nas futuras campanhas eleitorais. Antes, você se lembra?, havia os comícios-show, findaram; os cartazes e os santinhos emporcalhando a cidade, foram cassados; anúncios em mídia impressa foram pro espaço; e outros menos nobres.

Restam a famigerada propaganda política obrigatória, tida como gratuita, e os debates televisivos e radiofônicos. Como se viu, com resultado pífio, estes recursos foram empregados nessa campanha. Os presidenciáveis não debateram no 2º turno, da mesma maneira ocorreu com alguns candidatos ao cargo de governador.  
Saldo desprezível, em razão de que os eleitores escolheram seus representantes sem atentar para essa parafernália de expedientes, sem considerar as lazarentas fakes, sem notar a experiência dos governantes antigos, mas, sim, por ansiar pela inovação. Tão somente. Desse modo, por que a Justiça Eleitoral não nos isenta dessa barafunda?  

Que venham os novos governantes, a fim de desfrutarmos de certa paz!

ELEIÇÃO GOVERNAMENTAL

Óbvio que a eleição deste ano possui nova peculiaridade. Caracterizou-se pelo quebra-pau, pelo bangue-bangue virtual, pela xingação, para dizer o mínimo, entre adversários. Não foram poucos os crimes cometidos em nome e contra este direito democrático, cabendo salientar a tentativa de homicídio contra um presidenciável.

Governador Amazonino Mendes, entre o presidente Sarney e o
prefeito de Lábrea, vendo-se ainda o general Leonidas Pires.
Registro publicado na revista Manaus Magazine, em 1989.

Outra característica que melhor sobressaiu: a opção pelo “novo”. Autêntico tsunami eleitoral varreu os quatro cantos do país, quase sem exceção, escapou apenas o Nordeste. Em Manaus, o velho tuxaua, encrencou-se diante do radialista, estreante no seu primeiro voo político mais altaneiro. Quem diria? Quem imaginaria? E eu me incluo nesse grupo de profetizador. Torci no primeiro tempo pelo Almeida, meu vizinho por algum tempo no Morro, por isso, usando do direito da idade, e para não me amargurar ainda mais, abandonei o pleito.

Assim, estou arrumado para encarar o novel governador: seja o velho ou o novo. Afinal, aprendi que as promessas de campanha não devem ser escritas, mas esquecidas, pois é o andar da máquina administrativa que ensina, às vezes com uso da palmatória (veja o caso de José Mello), e estabelece o valoroso desempenho do condutor.  

Frequento um grupo de oficiais aposentados da Polícia Militar, que estava centrado na reeleição do governador. Não deu. Imagino a turma da direção administrativa, em vários escalões, arrumando as gavetas, limpando a poeira dos moveis, organizando relatórios, enfim, pensando em novo emprego. Certo que há os desafetos que, rindo à vontade, esperam a oportunidade de assumir. Vivenciei este clima, de assumir um destacado cargo, quando da vitória do Boto Navegador, em 1982.

Lembro, enfim, conhecido colunista radiofônico que convoca, a cada contagem de votos os derrotados, para ocuparem o barco que zarpa para o “balatal”. Uns passageiros ainda retornam, outros, porém, naufragam nas correntezas ou são tragados pelas artimanhas de botos.

Oxalá, esse clima beligerante, e até criminoso, não se repita nas próximas eleições municipais. 

RODOVIA MANAUS-ITACOATIARA


A estrada Manaus-Itacoatiara possui uma história marcada por sacrifícios, em especial no ensejo de sua concretização. Uma dessas páginas foi assinalada pesarosamente pelo desastre de avião, quando, nos primórdios, o governo Plínio Coelho (1955-59) apoiava os estudos básicos para a abertura dessa rodovia.
Dep. Antonio "Quito"

O desastre matou quatro pessoas, uma delas o deputado estadual Antonio Vital de Mendonça, representante de Itacoatiara, onde era conhecido carinhosamente por Quitó. Era seu primeiro mandato, e o parlamentar empenhava-se na ligação rodoviária daquele município com a capital. Daí sua presença no pequeno avião que levava os técnicos para os estudos preliminares.

Esta postagem compartilhei de O Jornal (Manaus, 12 agosto 1955). Mais detalhes sobre Vital Mendonça pode ser encontrado em www.antonildesbiografia-vicentinho.com

Sobre o desastre, recorte de O Jornal
Ainda perdura no espírito do povo amazonense aquele triste, e a dor continua em face do doloroso desastre ocorrido com o avião PP-GNG, no dia 9, quando perderam a vida de maneira tão trágica 4 cidadãos que empregavam suas atividades em benefício do Estado.
Conforme notícias aqui chegadas o povo de Itacoatiara continua a chorar a perda irreparável de um dos seus mais ilustres filhos — o deputado Antonio Vital de Mendonça — que tudo vinha fazendo para corresponder à confiança em si depositada, sendo, porém, interceptado na sua brilhante tarefa pela crueldade do destino, precisamente quando tomava parte numa viagem, que o marco inicial da grande obra com a qual sempre sonhou e pela qual vinha lutando — a rodovia Manaus-Itacoatiara.Passados os primeiros momentos de consternação, o Dr. Artur Cruz, presidente do Aeroclube ao qual pertencia o avião, de comum acordo com o governador Plínio Coelho e as autoridades da Aeronáutica aqui sediadas, providenciou a instauração do necessário inquérito a fim de esclarecer as verdadeiras causas do desastre com o PP-GNG. A esse respeito apuramos que uma comissão de técnicos da Aeronáutica já seguiu para a cidade de Itacoatiara a fim de executar a tarefa. 

A PROVÁVEL CAUSA DO DESASTRE

Em meio às mais desencontradas versões sobre a provável causa do desastre, apuramos como a mais exata história a seguinte: o avião PP-GNG daqui partira pela manhã do dia 9, levando a seu bordo o piloto Francisco Campos Rodrigues Filho, o mecânico Benedito Cruz, o deputado Antonio Vital de Mendonça e o engenheiro Alberto Jacobsen, com o objetivo de realizar estudos para a construção da estrada Manaus-Itacoatiara. O aparelho desceu em Itacoatiara cerca das 9 horas.Os seus ocupantes não chegaram a ir à cidade, permanecendo todas no campo de pouso, tendo o deputado Vital de Mendonça solicitado a um rapaz que comprasse 4 garrafas de água mineral, recomendando-lhe que não dissesse a ninguém da sua presença, pois pretendia sobrevoar a região do rio Urubu, inclusive a Cachoeira de Iracema, por onde deverá passar a estrada Manaus-Itacoatiara, regressando em seguida a Itacoatiara, onde, então, realizaria um comício a fim de comunicar ao povo a boa nova, ou seja, a construção da rodovia.O deputado Vital de Mendonça ainda entregou ao dito rapaz um jornal, pedindo que o guardasse. O aparelho foi reabastecido e partiu. Daí por diante, as controvérsias aumentam. Mas as deduções mais exatas autorizam todos — inclusive as pessoas moradoras nas proximidades do campo de pouso — acreditar que houve pane no motor e o piloto resolveu tentar a volta ao campo.O perigo foi logo conhecido de todos os ocupantes do aparelho, tanto que gritos foram ouvidos, pedindo socorro, gritos que foram seguidos de um estrondo, provocado pela queda do aparelho ao solo.Com o choque, a hélice desprendeu-se do aparelho e foi jogada à distância, sendo encontrada intacta. As marcas existentes no terreno demonstram que o aparelho, após o primeiro impacto com o solo, capotou e deu duas cambalhotas no ar, já em chamas.As primeiras pessoas que chegaram ao local do desastre, depararam com um braseiro, nada podendo fazer. Mesmo assim, tentaram retirar os corpos em meio ao fogo, que os consumia, mas todos estavam presos por cintos de segurança. Verificaram, então, que não havia sobreviventes. Quando o fogo diminuiu de intensidade, os corpos foram retirados da carcaça do aparelho — amontoado de ferro retorcido — todos carbonizados e quase irreconhecíveis. 

OS FUNERAIS

Conforme já foi noticiado, os corpos do deputado Vital de Mendonça, do piloto Francisco Campos Rodrigues Filho e do mecânico Benedito Cruz foram enterrados na cidade de Itacoatiara, sendo o do engenheiro Aberto Jacobsen transportado para esta cidade, de onde seguirá para o Rio de Janeiro, onde reside sua família.Os funerais, na cidade de Itacoatiara, foram custeados pelo Estado, tendo o governador Plínio Coelho, que ali esteve, determinado todas as medidas necessárias ao transporte para esta cidade e para o Rio, dos restos mortais do engenheiro Alberto Jacobsen.

sexta-feira, outubro 26, 2018

MENSAGEM À ASSEMBLEIA


OUTRAS SOMBRIAS “NOVIDADES” COMPARTILHADAS DA MENSAGEM À ASSEMBLEIA, EM 1963, DE AUTORIA DO GOVERNADOR PLÍNIO RAMOS COELHO. INTERESSANTE NOTAR QUE O MESMO ESTAVA SUCEDENDO AO SEU CORRELIGIONÁRIO GILBERTO MESTRINHO. AINDA ASSIM, NÃO TEVE CLEMÊNCIA, ESCANCAROU A VEXAMINOSA CONJUNTURA DAS POLÍCIAS CIVIL E MILITAR E OUTROS COMPONENTES, COMO AS GUARDAS NOTURNA E CIVIL. 

 
Plínio coelho, 1957

Ocupa o cargo de Chefe de Polícia, o bacharel Carlos Genésio Machado Braga, auxiliado pelos Delegados Especializados: de Segurança Pessoal — Dr. Adelino de Melo Costa; de Roubos e Falsificações – Sr. Francisco Henrique Belota; de Segurança Pública e Social — Sr. Jorge Cabral dos Anjos, e de Trânsito – Sr. Hudson Maciel.

Pela leitura do relatório que nos enviou o Dr. Carlos Genésio Machado Braga, principalmente às fls. 213/14, esse setor da pública administração estava em completo abandono, por incúria, talvez, dos chefes que por ali passaram. Faz-se mister que se reaparelhe esse Departamento, nos seus diversos e importantes setores, pois, além de sua normal função administrativa, exerce a política judiciária (olhos ouvidos da justiça pública). É necessário que se adquira um outro carro celular.

A Guarda Civil, como faz sentir seu atual diretor, Jauapery Alves da Costa, em sua exposição anexa ao relatório do Dr. Chefe de Polícia, precisa ser reorganizada e reaparelhada de modo a adquirir melhor e necessária eficiência no cumprimento de sua missão: garantir a manutenção da ordem e segurança pública.
Impõe-se que se ponha em destaque esta afirmativa do Diretor da Guarda Civil: “Precaríssimo é o estado do fardamento dos elementos da Guarda Civil. Poucos se fardam a contento. Urge providenciar sobre a questão de fardas”.

O Dr. Hudson Cordeiro de Magalhães, Chefe do Gabinete de Exames Periciais, em ofício que faz parte integrante do relatório do Dr. Chefe de Polícia, também alega estar esse setor sob sua responsabilidade, “completamente desaparelhado”.

O Sr. Júlio Afonso da Silva, Inspetor da Polícia Marítima, em ofício ao Chefe de Polícia, constante do relatório deste alega que a Polícia Marítima está em “estado precaríssimo”. O Dr. Mario Rosas, Diretor do Instituto Médico Legal, retratando, em poucas palavras a situação em que se encontra este setor do DESP, diz que o Instituto Médico Legal necessita ser reaparelhado desde o seu local para um, de acordo com a sua alta finalidade de bem servir à causa pública, até os menores materiais necessários ao serviço que lhe é afeto.

Como vê Vossa Excelência, através das palavras dos responsáveis pelos diversos setores do DESP, muita coisa tem de ser feita para que este importante Departamento esteja à altura de cumprir suas importantes finalidades de defesa social.
Certo de haver contribuído com uma parcela do meu esforço, para prestar os melhores esclarecimentos em os quais retratam a real situação deste Departamento, aproveito a oportunidade para renovar a V. Exa. meus protestos de elevada consideração e apreço.

Carlos Genésio Machado Braga – Chefe de Polícia

GUARDA NOTURNA DE MANAUS

Esta organização que funcionava sob a direção desta Chefia, em cumprimento às determinações do Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado e em atendimento as conversações mantidas entre esta Chefia e o senhor Prefeito da Capital, passou à responsabilidade daquela Comuna.
Esclareço, no entanto, à V. Exa. que a referida corporação apresenta um déficit de mais de Cr$ 500.000,00, referente aos pagamentos dos vencimentos dos componentes da mesma, relacionados com os meses de janeiro, parte, e fevereiro, sugerindo à V. Exa. interceder junto ao Excelentíssimo Senhor Doutor Governador do Estado, a fim de solucionar esta anomalia, tendo em vista que o senhor Prefeito da Capital, ao assumir o encargo de passar a citada organização para aquela Comuna, responsabilizou-se somente a partir de 1º do mês em curso.


quinta-feira, outubro 25, 2018

IGARAPÉ DE MANAUS: LEMBRANÇAS


Igarapé de Manaus, meados de 1960

SE ESTE IGARAPÉ TEVE DATA DE NASCIMENTO OU DE DESCOBERTA, NÃO SE TEM NOTÍCIA. PORÉM, É CERTO QUE FOI EXTINTO EM 2006, QUANDO A MANAUS MODERNA O SOTERROU.


Obras de construção do parque Jefferson Peres


Arcos do parque Jefferson Peres, construído sobre o igarapé