CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, agosto 31, 2020

A CASA AZUL

 A nota aqui compartilhada traz uma curiosidade bem característica da Manaus de antanho. A de marcar a casa comercial pela cor, a fim de que o freguês, em particular do interior, não se engane. Toma por exemplo o prédio Kahn &

A casa Kahn vista da
igreja Matriz

Polack, que ainda permanece no cruzamento da rua Instalação com a avenida Sete de Setembro (um simulacro de hotel, com lojas de variedades no térreo). Neste local, ao final do século 19, a Polícia Civil utilizou as dependências do andar superior.

Este recorte foi retirado do Jornal do Commercio, sem que saiba a data. 


Antigamente, as casas comerciais tinham como distintivo a cor da pintura de suas fachadas. Nos anúncios que faziam, dirigidos aos seus fregueses do interior indicavam quer a situação do estabelecimento quer a cor da tinta com que, permanentemente, eram pintados.

A casa Kahn & Polack teve sempre a cor azul.

Eis a transcrição de um desses anúncios, quase sempre publicados em a quarta página dos jornais, ocupando-a toda. Por sinal, é precisamente do estabelecimento de que tratamos:

 

Casa Kahn & Polack &. Cia.

Rua da Instalação junto ao grande prédio em construção, fronteira à rua Henrique Antony.

A frente é pintada de azul (Esta discrição é para os fregueses do interior não se enganarem com outro.  (1881)

***

Mas, consideremos a afirmação da nota supra transcrita: 0 terreno onde a firma Kahn & Polack levantou o grande sobrado que foi há poucos anos incendiado, foi comprado ao comerciante português Antônio José Lopes Braga.

Não é exato.

Esse terreno, os srs. Kahn & Polack adquiriram ao clínico paraense dr. Antonio Emiliano de Souza Castro, depois barão de Anajás, e sua esposa d. Mirandolina Fernandes de Souza Castro que o houveram por herança de seu sogro e pai João Francisco Fernandes.

A escritura respectiva foi lavrada em notas do tabelião Antonio Firmo Dias Cardoso. 

domingo, agosto 30, 2020

BENEFICENTE PORTUGUESA: NOTA HISTÓRICA

 Este detalhe para a história da Beneficente Portuguesa recolhi do Jornal do Commercio. Todavia não possuo o melhor: a data da publicação. Assim, rogo o perdão, se algum pesquisador sobre nossa história necessitar de mais detalhes. 

Vista parcial do hospital Beneficente Portuguesa


A 5 de agosto de 1875, em sessão da diretoria da Portuguesa Beneficente, ficou resolvido que se construísse um pequeno teatro no local do pavilhão acima referido. Houve chamada de concorrentes para o serviço, apresentando-se o sr. Manoel Luiz Fontão que se propôs a realizar o trabalho mediante o pagamento de 700$000, excluído o material preciso.

A planta do teatro a fez o dr. Alexandre Haag.

Frontão teve o contrato da obra que ficou a contento da diretoria da Sociedade.

Concluído o teatro, acharam os dirigentes da Portuguesa Beneficente que proveitoso seria e se tornava necessário a organização de um grupo de curiosos que desse algumas recitas em a nova casa de espetáculos.

Para tal fim, isto é, para levar a efeito o que almejava a diretoria quanto à formação desse grupo foram designados, em sessão de 3 de outubro de 1875, os sócios Manoe Joaquim Machado e Silva, Manoel José Gomes de Lima e Domingos d'Almeida Souto.

Em dezembro foi dado o primeiro espetáculo, encarregando-se da passagem dos bilhetes os srs. comendador Souza Mesquita, Marçal Gonçalves Ferreira e José Teixeira de Souza.

De 1875 a 1877, trabalharam no teatrinho da Portuguesa Beneficente grupos de curiosos; em 1878, — de 31 março — exibiram-se os “quadros dissolventes” pelo sr. Loureiro, havendo também trabalhos de prestigitação pelo sr. Ramos. Nesse mesmo ano, em comum com os curiosos citados, ali representaram os acrobatas Guilherme e Luiz Blackley. Ao ano seguinte ainda estiveram no teatrinho os referidos acrobatas, dando-se a estreia do grupo Infante da Câmara a 9 de janeiro.

Recorte do jornal citado

Em julho começaram os espetáculos do magnetizador D. Francisco Barcia e, em setembro, 28, foi iniciada a série das récitas de prestidigitação de Augusto Wallace, que, depois, se tornou celebridade.


sábado, agosto 29, 2020

PANORAMA VISTO DO "PANORAMA"

 Ainda que morando bem distante, meu irmão me surpreende com sua memória. A crônica de hoje relembra o panorama visto do Panorama, aquele restaurante no Alto do Educandos, que possibilita descortinar a baia do rio Negro e seus múltiplos empregos. A casa, que pertence a um parente de meus parentes, já não possui aquele relevo passado, todavia, ainda permite desfrutar o exuberante caminho fluvial.

Panorama da baia do rio Negro

 

O PANORAMA

Renato Mendonça (agosto 2020)

Alvorada. Varanda!? Nada disso, mas esses nomes se infiltraram maliciosamente em minha mente, me impedindo de relembrar o correto nome do gracioso restaurante, no alto do Educandos, da minha outrora bucólica Manaus. Lembrava-me de tudo: da Baixa da égua, onde no meu tempo de criança não vi nenhuma, talvez existisse nos primórdios; do inesquecível Rio Negro, este sim, imponente, formoso, com suas águas escuras e reluzentes, que bem merece, ainda hoje, a metáfora do espelho d’água. Sem nenhum exagero, à noite, conseguíamos perceber os reflexos da lua sobre o tapete matizado com entretons claros, passeando sobre a superfície do majestoso curso d’água.

Fiquei com esses dois nomes na minha cabeça, teimosamente, por alguns dias, como se fossem espiões infiltrados usando falsa identidade, para desvirtuar o caminho da recordação. Isso me confundiu sobremaneira, pois não conseguia resgatar a inspiração dos velhos tempos, nem criar um texto idôneo para contar. Era como se, ao reencontrar alguém muito caro e familiar, você não lembrasse seu nome. A conversa iria fluir num vazio, sem a afabilidade necessária.

Socorreu-me meu irmão, Ricardo, treze anos mais jovem que eu, pois lembrou-se da propaganda da Rádio Difusora, destacando merecida apologia da deliciosa peixada servida no Restaurante Panorama. O nome traduz bem a imagem que se tinha a partir da sacada lateral do imóvel. Ali, onde curiosamente tudo se completava, havia uma evidente interação entre a expectativa pela refeição e o panorama visto do alto. Havia também uma verdadeira felicidade palatável, principalmente porque eram raros esses momentos. A maioria das vezes, somente em ocasiões especiais.   Como complemento do prazer, ao degustar a fumegante “peixada de tucunaré” — a mais requisitada —, servida numa panela de barro, acompanhada de ovos cozidos e a farinha d’água. Para aquecer mais ainda a alma e o corpo, o molho de pimenta murupi.

Era curioso como aquele lugar especial exercia certa magia em nossos corações. Como se fosse um catalizador de lembranças, desde as mais remotas até as recentes. Obviamente, meus irmãos mais novos não tinham nenhuma lembrança antiga do bairro de Educandos, pois não nasceram lá. Mas tinham do Morro da Liberdade, do Igarapé do Quarenta, onde quase todos ali aprenderam a nadar. E por que quarenta? Não sei, talvez uma alusão ao local de nascimento da fonte d’água, do olho d’água como se dizia antigamente. Era no quilometro 40 da estrada do Japiim. E este igarapé cruzava vários bairros até desaguar no fabuloso Rio Negro, o catalizador de todas as águas, assim como o Panorama das nossas reminiscências e emoções.

E o Panorama era isso: um fiel depositário de nossas mais nobres experiências de vida, ou as mais engraçadas, talvez as mais lúdicas também. O Rio Negro era o pano de fundo, sobre o qual pintávamos os cenários que se avivavam em nossa memória.

Depois de saciados, ainda reforçávamos a nutrição com um suco de frutas tropicais, entre tantas a escolher. No mais, muito riso, muita conversa lançada antes da tão aguardada caldeirada, ou entre uma colherada e outra. Muitas lembranças ali foram narradas, no frescor da nossa juventude. A Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e o cônego Antônio Plácido — conterrâneo de minha mãe, nascidos no distrito do Careiro — entravam na temática religiosa; também, o Grupo Escolar Machado de Assis, onde eu e meu irmão Henrique estudamos o curso primário.

Por muito tempo, esse restaurante frequentou as colunas sociais, devido à localização e o bucolismo que oferecia aos frequentadores. Hoje, o bairro não tem mais as líricas catraias que o ligava ao centro da cidade. Há quarenta anos foi construída uma ponte e, por mérito, o saudoso Antônio Plácido de Souza foi homenageado. O Boulevard Rio Negro, apelidado de Baixa da égua, perdeu o título e virou um simples beco, sufocado que ficou pelas construções à beira da rua.

Ainda bem que o horizonte, lá longe, foge das mãos do homem. Lá está, inalterado, o panorama e a poesia diante dos nossos olhos. A visão pode enfim propor a mágica de desarraigar nossas reminiscências, nossas recordações de infância, e vivê-las novamente.  

quarta-feira, agosto 26, 2020

NOVA OLINDA NO “NEW YORK TIMES”

Faz bastante tempo. Aconteceu em março de 1956, um ano após o petróleo jorrar nos barrancos de Nova Olinda, no rio Madeira. 

A descoberta foi de tal ordem encantadora para o país, que levou o presidente da República (Café Filho), enfatiotado, junto ao governador (Plínio Coelho), empaletozado, e ao bispo (dom Alberto), paramentado, além de oficiais militares, uniformizados, a enfrentar uma catraia para alcançar aquela cidade.  

Logo, porém, veio o desencanto, aquele petróleo ainda não era “nosso”. É isso que o correspondente do Times comenta no primeiro aniversário do único poço aberto. Lembro-me que três meses depois desse registro – em junho – passei em Nova Olinda e ainda pude recolher em garrafinha de Bromil um pouco daquele óleo. Era autêntica panaceia, servia de unha encravada a alisador de cabelos crespos...  

Compartilhei esta publicação do Jornal do Commercio (14 março 1956) 

NOVA IORQUE, 13 (AM) — Há uma esperança flagrante em todas as cidades e vilas da Região Amazônica de que uma nova era esteja para alvorecer para os seus habitantes, diz hoje o Times, de Nova lorque.

O correspondente do Times Tad Szule, escreve de Manaus que “se o petróleo jorrar em grandes volumes nesta região – e os geólogos consideram isso possível, então será certo o alvorecer de um novo dia para o povo da Bacia Amazônica.”

“A Amazônia, - como os brasileiros a chamam – conheceu a opulência e a grandeza durante o período áureo da borracha que se estendeu do século 19 às duas primeiras décadas do século 20. Foram feitas fortunas com a rica seiva que fluía de milhões de seringueiras”.

Os refinamentos da cultura, civilização e tudo mais que o dinheiro podia comprar penetraram na selva verde e fumegante. Manaus, situada a 608 quilómetros rio acima, mas acessível através do seu grande rio navegável por uma constante parada de navios oceânicos e outras embarcações, tornou-se o centro cosmopolita da borracha no mundo.

Depois veio a queda da borracha brasileira, no decênio de 1920/30. A borracha podia ser produzida mais barata e melhor nas Índias Orientais. Sementes da seringueira brasileira tinham sido levadas para lá, e a Amazônia sofreu um golpe quase mortal.

Szule escreveu que nos últimos anos planos de desenvolvimento governamentais e locais têm trazido “nova vida” à Amazônia. A juta e a castanha do Pará se tornaram seus principais produtos de exportação. A indústria leve tem prosperado.  Uma refinaria particular deverá entrar em funcionamento, em Manaus, em breve, com a capacidade de cinco mil barris diários. A refinaria usará óleo bruto trazido de jazidas peruanas por transporte fluvial.

Continua dizendo Szule: “após quase 40 anos de economia primária a Amazónia e Manaus... estão começando a vibrar. Mas a economia desta região encharcada de água, provavelmente não entrará em fase de desenvolvimento vigoroso se não receber mais assistência. É por isso que a Amazônia reza por petróleo.

Vários poços pilotos estão sendo perfurados em ilhas do Rio Madeira, a uns 240 quilômetros à sudoeste de Manaus. O petróleo jorrou, no ano passado, na ilha de Nova Olinda, e prospectores brasileiros e norte-americanos estão trabalhando com equipamentos novos em folha.

O Times conclui dizendo que “se o petróleo puder ser produzido em grande escala, a Amazônia pudera ter nova bonança. Os rios oferecem canais naturais, e a exportação do petróleo da selva não exigiria novos meios de transporte. Mas muito disso tudo dependerá da capacidade do Brasil para desenvolver a indústria potencial.

 

Faz, hoje, precisamente um ano, em que brasileiros de todos os matizes pulsaram de alegria, com a notícia de que, em Nova Olinda, recôndito escondido e inóspito do Rio Madeira, jorrara o "ouro negro" brasileiro. Faz, ainda, época gloriosa para a imprensa cabocla, quando o JORNAL DO COMMERCIO e a Rádio Baré, impelidos pelo influxo de patriotismo arrojaram todas suas forças para informar, primeiramente ao Brasil, o resultado de uma operação perigosa e acima de tudo aventurosa.

A Petrobrás, naquele dia, respondia aos espiritas pessimistas com a segurança da verdade. Através dos seus trabalhos anônimos e até certo ponto inacreditados, conseguirá à Nação, descobrir o petróleo amazonense. É verdade que, ainda hoje mãos criminosas procuram derrubar, num sopro, o efeito de um trabalho efetuado entre suor e lágrimas.

Mas, felizmente, a Petrobrás não se rendeu nem se renderá. Aos que julgam macular o dia glorioso e histórico de 14 de marco do ano passado terminarão entregando seus dias, vencidos, pela certeza da operosidade.

Não estamos desiludidos. Acreditamos, piamente, envolvidos com o mesmo espírito de brasileiro, que este dia (14 de março) ficará estigmatizado na consciência dos brasileiros, com o marco de nova era de ressurgimento econômico para a Nação.

Resta-nos, somente, augurar melhores êxitos à Petrobrás e almejá-la a reprodução de feitos inusitados como o do dia 14 de março, não apenas na Amazônia, mas em todos os recantos da pátria.

segunda-feira, agosto 24, 2020

CARTA RECEBIDA

 Quando buscava subsídios para completar meu Candido Mariano & Canudos (Edua, 1997) consultei ao saudoso mestre José Calasans (1915-2001), de quem recebi a carta aqui compartilhada:

 


Salvador, 14 de setembro de 1996

 

Prezado coronel Roberto

Recebi o Relatório do Candido Mariano, com suas anotações, muito uteis ao entendimento do texto.

Permito-me fazer duas observações:

Nota 4. O marechal Machado Bittencourt não faleceu no dia da sua chegada ao Rio. A 5 de novembro, por ocasião do desembarque do general João da Silva Barbosa é que ocorreu o atentado contra o presidente Prudente de Moraes, em cuja defesa o ministro da Guerra foi ferido e morto.

Nota 10. O verdadeiro nome é José de Siqueira Menezes, embora, frequentemente os livros registrem José Siqueira de Menezes. Seria bom dizer: “governou seu Estado em duas ocasiões”, porque foi presidente eleito apenas uma vez, tendo na outra passado alguns dias, fazendo parte de uma junta provisória.

Parece-me que o meu caro coronel, além das notas esclarecedoras, deveria escrever um prefácio explicando o motivo da reedição. Escolha em 97, uma data amazonense para o lançamento do trabalho. Sua Polícia bem merece a homenagem.

Abraço cordial do amigo

José Calasans


domingo, agosto 23, 2020

JOSÉ LINDOSO: CENTENÁRIO DE NASCIMENTO

Governador Lindoso 
recebe oficiais da PMAM
 Na última sexta-feira (20), a família do ex-governador José Lindoso festejou o centenário de nascimento do patriarca. Na igreja de
Nossa Senhora de Nazaré, reuniram-se os familiares e os amigos – raros, por sinal – para a celebração. Estive presente, em uma igreja vazia. Amostras do longo tempo e da pandemia, certamente.

Conheci o governador José Lindoso, na condição de oficial da Polícia Militar, observando a sua administração a partir da Praça da Polícia. Confesso que foi um período confortável, cumprido no encerramento do período do Governo Militar (1964-85). Seu sucessor foi o professor Mestrinho, que me convocou para trabalhar no Palácio Rio Negro.

O filho Pedro Lindoso foi quem organizou a manifestação religiosa, ocasião em que distribuiu o folheto sobre o pai, que é patrono da Cadeira 34, ocupada pelo Pedro, na Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas. Compartilhei do folheto os parágrafos finais: 

 

Lindoso sempre demonstrou uma enorme preocupação com a Natureza. Ensinava que os movimentos de preservação da Natureza começaram no norte da Europa e que nesses países a legislação era severa e fiscalizada com rigor. Admirava São Francisco de Assis, que valorizava os pequenos e os pobres em alto grau de espiritualidade, irmanando-se aos peixes e às árvores, protegendo os rios e a floresta.
Capa do folheto da ACLJA

José Lindoso é lembrado como um governador cioso quanto à responsabilidade fiscal e na estrita observância da legalidade dos gastos públicos. No pleito de novembro de 1982 Lindoso foi derrotado pelo candidato do PMDB ao Senado, Fabio Lucena, companheiro de chapa vinculada obrigatoriamente em toda legenda, ao candidato vitorioso ao governo do estado, Gilberto Mestrinho.

Sempre brincou com seus interlocutores. Sempre dialogou com os filhos, parentes e amigos. Era um homem de família. Acreditava no papel positivo de um grupo familiar bem constituído. Sua última atividade em vida foi a de professor de Direito cedido à Universidade de Brasília (UnB) pela Federal do Amazonas.

Em sua última viagem ao Amazonas desejou fazer um passeio de barco no rio Negro. Providenciaram uma tartarugada. Foi um belo encontro de confraternização entre seus amigos e ex-auxiliares. Parecia estar voltando à cena política. Fez vigoroso discurso recheado de ideias e projetos. Mas após esse encontro, retornou a Brasília e não mais voltou ao Amazonas. Pouco depois faleceu em Brasília em 25 de janeiro de 1993.

Era casado com Amine Daou Lindoso, com quem teve sete filhos: Felipe José, Maria Adelaide, Luís Maurício, Pedro Lucas, Liliana Maria, Flávia Maria e Clara Maria.

Convite para a Missa do centenário

 

sábado, agosto 22, 2020

sexta-feira, agosto 21, 2020

CLUBE FILATÉLICO DO AMAZONAS

 

Reproduzo a primeira Coluna Filatélica, escrita por Nelson Porto (foto), que, por décadas, dirigiu o Clube Filatélico do Amazonas (CFA) e publicou a coluna. Foi seu presidente até sua morte. O movimento continua, apesar dos entraves, começando pela promessa governamental de privatizar os Correios. E passando, nesses dias, pela greve estabelecida pelos funcionários desta empresa.

A presidência do CFA segue com o animado filatelista Jorge Bargas, todavia, cabe ao jovem Adriel Nascimento a promoção de novos encontros e a decisão em divulgar esse colecionismo.

O trabalho do saudoso presidente teve início no Jornal do Commercio há 50 anos – em 23 de agosto de 1970. Marca a criação da Coluna Filatélica, que o Nelson Porto manteve durante sua permanência diante do CFA, e mostra a pujança dos bons tempos da filatelia local. 

 

O início de uma seção especializada num jornal é sempre de euforia para os apreciadores da matéria. De há muito vínhamos pensando em divulgar o CLUBE FILATÉLICO DO AMAZONAS e agora, graças à gentileza dos dirigentes maiores do novo JORNAL DO COMMERCIO, aqui estamos para mostrar aos aficionados que a “mania” de selos também existe no Amazonas.

Fundado em setembro de 1969, graças a uma inteligente promoção do confrade Ubirajara de Almeida do O Jornal e O Diário da Tarde — que àquela ocasião promoveram a 1ª Mostra Filatélica do Amazonas — o clube Filatélico do Amazonas nasceu do entusiasmo natural das primeiras iniciativas. Convocando os filatelistas amazonenses, Ubirajara de almeida conseguiu inicialmente um local para reuniões e em 11 de outubro de 1969 estavam aprovados os Estatutos da novel associação.

Da Ata da histórica reunião, presidida pelo professor Rui Alencar, constam os nomes dos Fundadores: Manuel Batatel, Carlos Lima, Carlos Alberto Garcia, Mário Xavier, Wagner Vieira, Emílio Garibaldi, Fernando Martinho, Ruy Martinho, Sergio Costa, Luiz Flavio Simões, Nelson Porto, Albino Fernandes, Ubirajara e Joaquim Marinho.

Somos hoje quase 30 sócios, mas precisamos de muito mais. E esta coluna que hoje se inicia terá como principal escopo convidar todos os que se interessam por selos a comparecerem às reuniões semanais que se realizam na sede do ICBEU, à avenida Joaquim Nabuco, gentilmente cedida pelo professor Rui Alencar.

Também nos propomos a divulgar assuntos filatélicos do Brasil e do mundo todo, endereços de filatelistas interessados em trocas e correspondências. Escrevam-nos, pois, os que desejarem ter seus nomes aqui publicados, especificando bem seus desejos.

Agradecemos à direção do Jornal do Commercio esta oportunidade dada ao CLUBE FILATÉLICO DO AMAZONAS certos de que, brevemente nossas fileiras aumentarão sensivelmente.

NOTICIÁRIO

Se você coleciona Envelopes de 1º Dia procure ver o que o Clube Filatélico tem à venda. São envelopes artísticos com o que ilustra hoje a nossa coluna. Esta modalidade de coleção – envelopes de 1º Dia – é divulgadíssima em todo o mundo. As grandes lojas filatélicas da Europa possuem seções especializadas somente deste material, e nos Estados Unidos é uma instituição verdadeiramente nacional, pois as agencias do correio da grande nação do Norte têm guichês próprios para carimbar os envelopes que lhes são enviados. (...)

E até o próximo domingo com a COLUNA FILATÉLICA. Não se esqueça, se você coleciona selos, procure ver o que o Clube Filatélico do Amazona tem em sua sede provisória, aos sábados depois das 16 horas, no ICBEU à avenida Joaquim Nabuco.

quinta-feira, agosto 20, 2020

CINCO ANOS SEM JORGE PALHETA

 A "bendita" Internet me impediu, ontem, de homenagear ao saudoso artista Jorge Palheta, cuja morte completava um quinquênio. Para tanto, estou compartilhando parte de um seu trabalho produzido para o Suplemento Literário, anexo do Diário Oficial do Estado, que circulou em 1988/89.








sábado, agosto 15, 2020

FOLHINHA DE AGOSTO

Para lembrar alguns acontecimentos do mês de agosto, tido como azarento ou do desgosto (para rimar). 

14 (ontem)

1926 – Falece em Manaus, estando sepultado no cemitério de São João Batista, Doutor Astrolábio Passos, médico fundador da Universidade Livre de Manaus, em 1909.

1951 – Nasce em Manaus dr.  Robério dos Santos Pereira Braga. Bacharel pela Faculdade de Direito do Amazonas e outros títulos acadêmicos. Exerceu o mandato de vereador, ocasião em foi relator da Lei Orgânica de Manaus. Foi presidente da extinta Emamtur (Empresa Amazonense de Turismo) e depois Secretário de Cultura do Estado, por duas décadas. Membro do IGHA (Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas), tendo exerceu a presidência por um decênio. E da Academia Amazonense de Letras, em que ocupa a poltrona 22 e, em nossos dias, exerce a presidência pela segunda oportunidade. Pertence ainda a outras entidades literárias. Autor de diversos livros, em particular, sobre a história amazonense.

2001 – Falece em Brasília (DF) José Menezes Ribeiro, nascido em Parintins (AM), que, casado com Darlinda Menezes, gerou numerosa descendência, da qual se destaca o médico Euler Ribeiro, que foi secretário de Saúde do Estado e integrante da Câmara Federal. O falecido era competente membro da maçonaria em Manaus.

15 (hoje)

1861 – Saiu de Manaus (AM), viajando no vapor Pirajá, sob o comando do tenente da Armada Rufino Luís Tavares, uma expedição destinada ao estudo do rio Negro. Na chefia, seguiu o engenheiro militar Joaquim Leovigildo de Souza Coelho, que em 31 de dezembro apresentou o Relatório sobre as Povoações do rio Negro

1936 – Nasce em Iranduba (AM), o desembargador Hossanah Florêncio de Menezes. Bacharel pela Faculdade de Direito do Amazonas, ingressou na magistratura em 1972, como Juiz de direito de Eirunepé. Transferido para Humaitá, de onde, em 1979, foi promovido para a Capital. Enfim, alcançou a Alta Corte por merecimento em 1995.


1998 – Inauguração da agência Djalma Batista do Banco do Brasil, situada na avenida de mesmo nome.

16 (amanhã)

1874 – Lançamento da pedra fundamental do hospital da Sociedade Portuguesa Beneficente, inicialmente na praça Uruguiana, atual de General Osório. O hospital, todavia, acabou sendo construído na av.  Joaquim Nabuco.

1971 – Toma posse no Tribunal de Justiça do Amazonas, o desembargador José de Jesus Ferreira Lopes, que foi presidente deste Poder em 1976.

 

 


terça-feira, agosto 11, 2020

A MORTE NA PANDEMIA

 

Aproveito este tempo de pandemia, cuja ação nefasta já produziu no país + de 100 mil mortos, para compartilhar a crônica do padre Nonato Pinheiro (foto), despedindo-se de sua irmã. Conta ele que ela, que Iracema enfrentou dura peleja contra “enfermidade implacável”. Sem mais explicações, melhor ler o texto. A dor que ele confessa ter sentido deve ser idêntica à de tantas famílias que perderam os seus para o coronavid19.

A publicação encontra-se em O Jornal, edição de 24 de janeiro de 1965.

 

Acompanhei entre lágrimas, orações e suspiros de emoção e saudade o cadáver de minha irmã, que levou para a sepultura a expressão de seu sorriso, imagem de sua bondade inalterável. Filha de heroína e heroína ela própria, enfrentou com estoicismo os golpes de uma enfermidade implacável, que há mais de um ano a martirizava. Mal refeito dessa provação cruel, que me exulcerou o coração, — tanto a estimava! – venho despetalar nas comemorações de sétimo dia os goivos de minha saudade, soluçante como o mar e tristonha como o langor dos crepúsculos.

A bondade foi a açucena imaculada e pulcra, que lhe perfumou os passos, suaves e macios como os de um anjo. Ao nascer, juntamente com a gêmea que a precedeu na ascensão para as alturas celestes, viu minha mãe, pousados sobre o berço de suas “pérolas gêmeas”, como lhes chamava meu pai, dois anjinhos rútilos e policromos, que na minha interpretação fraterna tanto podiam significar os Anjos Custódios, como a imagem dilucida e seducente de sua própria existência!

Chamavam-se Iracema e Aracy, e viram a luz do sol, no dia 29 de fevereiro de 1916. Quando meninas adolescentes, trajavam-se sempre do mesmo modo. Juntas fizeram seus estudos, diplomando-se professoras normalistas em 1934. Iracema contraiu núpcias em 1938, com o sr. Yano Botelho Monteiro, a quem deu quatro filhos e cinco netos, que eram todo o seu enlevo. Para suavizar os encargos e responsabilidades do esposo na manutenção da família, despediu-se da cátedra e ingressou no serviço público federal, nos quadros da Delegacia Fiscal.

Sempre observei em minha irmã a organização de sua vida, assim na repartição como no lar, que ela enchia e dourava com sua encantadora bondade. E as mãos da mestra e funcionária sabiam preencher com brilho os serviços de cozinha e copa, nas omissões das titulares, tão completa foi a formação doméstica que minha mãe soube dar às filhas.

Tive depoimentos expressivos de seus ex-alunos, colegas de repartição, amigos e conhecidos no que concerne ao tratamento que a todos dispensava. Sua bondade era uma constante e o seu sorriso era um imã.

Na enfermidade, longa e insidiosa, soube ser grande e heroína. Acompanhei-lhe os passos desde os primórdios da moléstia. Guardo como relíquias as cartas que me escreveu da Guanabara, aonde fora com o marido, esperançosa e confiante, em busca da uma cura que não obteve, ou resultou quimérica. Internou-se no Hospital dos Servidores no dia 8 de novembro de 1963 e sofreu várias intervenções cirúrgicas. De seu estoicismo fui informado pelo esposo e parentes, que me faziam referências pormenorizadas. Alguns não acreditavam no seu regresso a Manaus. Acompanharam de perto seus padecimentos, que ela disfarçava com o seu proverbial sorriso, a que aludiam os parentes e amigos nas epístolas que me remetiam. Retenho em meu arquivo missivas enaltecedoras e expressivas. (...)

Hilda da Silva Paula, irmã de Daisy, mandou-me do aeroporto este rápido, mas expressivo bilhete:

"Rio, 27-3-64. Primo Raimundo

Eis a resposta de tua, carta: Iracema! Não a virgem de lábios de mel, mas a nossa doce, meiga Iracema do nosso passado. Ela vai recuperada da grave enfermidade. Seus médicos recomendaram "nenhuma emoção". Conforta-a com tua palavra amiga e ajuda-a no máximo. Tivemos prazer de tê-la conosco. Esta vai assim. Estou no balcão do aeroporto.

Abraços de tua prima Hilda."

Deixando o hospital, minha irmã passou quinze dias de repouso no apartamento de nossa prima Judite de Paula Castro, que a cercou de carinhos e gentilezas, juntamente com seus irmãos Jerônimo, João, Hilda e Daisy. Com este registro, quero consignar de público meu reconhecimento a esses parentes tão amigos e diletos, não podendo esquecer a bondosa dedicação de outra prima extremosa, a Sra. Artemisia Gonçalves Leite.

Em Manaus, o prazer do regresso foi toldado ao depois pelas insídias da enfermidade, que encontrava novos caminhos e atalhos. Mas sempre contou com o conforto da família, dos parentes, amigos e colegas de repartição. Famílias como a do dr. Percy Menezes foram de uma dedicação sem par. Seu médico assistente, dr. Higino Maia, foi insuperável no tratamento. Desejo pôr em relevo as atenções e providências do sr. Écio Lucarini Barreiros, eficiente Delegado Fiscal do Tesouro Nacional, bom chefe e amigo de minha irmã. Sou grato pela atenciosa visita que o Sr. governador Artur Cézar Ferreira Reis e sua distintíssima consorte fizeram a minha irmã no hospital da Sociedade Portuguesa Beneficente e pela presença de Dona Graziela da Silva Reis e do coronel Trigueiro, chefe da Casa Militar do governo, no enterramento. Agradeço as atenções dos diretores, irmãs e enfermeiras do nosocômio português e a assistência espiritual dos bondosos Padres Redentoristas durante a enfermidade de minha irmã. (...)

Causou grata impressão a presença de membros da família Botelho (D. Graziela Silva Reis, dr. Álvaro Botelho Maia, dr. Domingos Botelho Mourão e outros), que se reuniram para confortar sua prezada tia Úrsula e seu primo Yano em tão doloroso transe. Penhorado agradeço as finezas dos jornais e emissoras locais, que divulgaram com relevo o lutuoso acontecimento.

E amanhã estaremos na Catedral Metropolitana para sufragar tua alma, minha querida e inesquecível irmã, assistindo à Missa de 7° dia, a ser oficiada pelo virtuoso Pastor da Arquidiocese, Dom João de Souza Lima, cujas preces hão de obter eco na eternidade, contribuindo para o teu refrigério e repouso!

segunda-feira, agosto 10, 2020

FORMAÇÃO DE OFICIAIS NA PMAM

 Ensaio sobre a formação de oficiais na Polícia Militar do Amazonas, em sua primeira parte.


Quartel da Praça da Polícia, ocupado pela PMAM entre 1890 a 2002. Hoje, Palacete Provincial

A formação de oficiais concretizada na Polícia Militar do Amazonas suportou alentado atraso (e quanto!), ultrapassando várias fases até o estabelecimento de sua própria Academia, em 2002. Não obstante sua longa existência, posto que a corporação foi criada em 1837, antes mesmo da instalação da província amazonense. A indigência da província logo impôs a dissipação da Força Estadual, até que em 1876 esta foi recomposta e, desde então, segue assinalando sua respeitosa presença nos espaços amazonenses.

Cabe inquirir: como a corporação provia seu corpo diretivo, ou seja, como se organizava com os oficiais? No primeiro instante de sua organização, o Lugar da Barra, a denominação primitiva, crescia ainda na beira do barranco, cercada de igarapés e acolhendo aos muitos indígenas na sua ilharga. Distante de tudo e de todos, Manaus somente podia contar com o material e pessoal existentes, porém, escassos. A segurança pública era efetivada pela Força Terrestre, com uma marcante deficiência de pessoal. Reservado aos homens, poucos eram os voluntários para o serviço de policiamento, desse modo, restavam engajados os analfabetos e os arrivistas (alguns estrangeiros).

A extração do látex trouxe um descomedido alento ao território na virada do século 20, no qual a fortuna obtida impulsionou a administração pública em todos os rumos, atraindo imigrantes daqui e de além mar. Evidente que a Força Militar Estadual foi contemplada. Com a instalação da República (1889) e o usufruto da “fase áurea da borracha”, o estado do Amazonas tomou forte impulso. Vejamos apenas a evolução da Polícia Militar, então denominada Regimento Militar do Estado, título este conservado entre 1896 e 1906.

O corpo de oficiais era integrado por oficiais do Exército, em particular no comando, e de cidadãos escolhidos ou indicados ao governante, segundo lhe permitia a legislação, e, enfim, os provenientes da classe subalterna dos sargentos. No fundo mesmo, as promoções ocorriam devido a afeição e o compadrio (no linguajar castrense: a peixada). Portanto, inexistia a formação de oficiais.

Encerrado o boom da goma elástica (cerca de 1920), tendo a borracha mudado de continente, a derrocada tomou conta do Estado. Órgão estadual, a Força Pública foi no banzeiro, com a redução de efetivo e de soldo, e enfrentando um período desativada (1930-36), até alcançar o fundo do leito do igarapé na metade do século passado. Quanto aos oficiais: persistiam incorporados seguindo o preceito consuetudinário, com ligeira distinção, o acolhimento de oficiais R/2, sendo o primeiro deles formado no CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva), sediado em Belém (PA), turma de 1940; outros vieram do NPOR (Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva) pertencente ao 27 BC, turma de 1942/43.

Além disso, é conveniente registrar que o primeiro oficial a concluir o CAO (Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais) foi o então capitão Omar Gomes da Silveira, na PMEG (Guanabara, depois RJ), em 1954. Este oficial, quando tenente-coronel, assumiu o comando-geral da corporação em 1967.

A promoção, que amiúde serve de pretexto para suspeita ou disputa acirrada entre camaradas, já continha regras fundamentais, algumas bastante vagas, todavia, cumpridas com rigidez. Inexistia nem a figura do oficial excedente nem do agregado, tão comum em nossos dias. Em 1952, a lei 21, ao estabelecer as “normas para o ingresso no oficialato da PM e para as promoções”, tornou-se um marco incisivo desse processo.

Em 1959, ao assumir o governo do Estado, o professor Gilberto Mestrinho nomeia coronel comandante da Polícia Militar ao doutor Assis Peixoto. Ao final desse ano, a corporação promove a seleção de candidatos ao CFO (Curso de Formação de Oficiais) da PM da Guanabara. São selecionados três moços: Pedro Câmara, Pedro Lustosa e Hélcio Motta. Tornam-se, pois, os primeiros alunos, adiante, os cadetes e, enfim, os oficiais da PMAM com formação apropriada.

Essa experiência exibiu à corporação o elevado proveito em enviar seus candidatos a oficiais para outras coirmãs, possuidoras de Academia. Era conveniente para ambos os lados, e a força amazonense aproveitou a ocasião. Adiante, com a instalação do Regime Militar (1964-85), que criou a IGPM (Inspetoria Geral das Polícias Militares) para gerenciar as polícias estaduais, em 1969, esse intercâmbio expandiu-se, tanto que onde houvesse escola, havia amazonenses. Espalharam-se pelo país inteiro e, tem mais, pelo continente, pois uma turma concluiu o CFO nos Carabineiros do Chile (1985).

sábado, agosto 08, 2020

DIAGNÓSTICO: TUBERCULOSE

 

     O título diz respeito à causa mortis de nossa mãe, nos idos de 1952. O diagnóstico foi passado por um médico-político (vereador), bastante folclórico na cidade: dr. Jorge Abrahim. Cuidou de dona Francisca (foto) a partir do ambulatório da igreja de Educandos, que o vigário, padre Antonio Plácido, construiu. Assim, a salvação do corpo e da alma estavam no mesmo local. Todavia, apenas fomos conhecer esse diagnóstico há cerca de dez anos, através da certidão de óbito. Tanto eu quanto o Renato, nos entristecemos fundo. Mas, que fazer? Renato não esquece a ausência da mãe, daí a crônica que hoje postamos. São passados 68 anos! 

TUBERCULOSE

Renato Mendonça

Após um ano que nasceu, a mãe morreu-lhe, e o deixou órfão com mais dois irmãozinhos, Henrique e o primogênito Roberto. O pai não quis se casar. Ainda jovem, aos 36, devia ter-lhe aparecido bons partidos, mas não quis. Ou não soube se casar. Essa é uma dúvida que ficou sem ser revelada. O certo é que não lhe faltou relacionamentos como jovem que era, é provável que muitos. E num desses, com a juventude dos vinte anos de Lindalva, gerou dois filhos: um menino, Raimundo, e uma menina, Sonia, num espaço de dois anos.

Não lhe cabe nenhum julgamento moral, apenas o registro, desse casuísmo do comportamento humano. O homem é um ser impuro, motivado também por um instinto masculino, viril, mesmo que esteja compenetrado com sua doutrina religiosa. Há sempre uma força que lhe cobra a satisfação fisiológica, e que se pode dizer, com o aval do desejo da alma. O certo é que cuidou de todos, à sua maneira, e dedicou atenção como um verdadeiro pai, quando lhe cabe uma responsabilidade duplicada.

Ele só conseguiu aprender a casar sete anos depois — veja bem, assim como Jacó, no Genesis, teve que esperar mais sete anos para casar-se com Doroteia. Talvez uma premonição bíblica, fundamentada na mística do número sete. E com ela, constituiu mais seis filhos: José, Miguel, Luís, Ronaldo, Ricardo e Carlos.

Quando deu por si, o garoto que ficou órfão com um ano, pedia a Deus que o fizesse sonhar com sua mãe para novamente ouvir a sua voz. Queria uma revelação de seus últimos momentos em terras longínquas, no arrabalde do Lago do Anveres, como se fosse um médium, ou como alguém que tem a capacidade de ver na “bola de cristal”. Mas, o momento sempre lhe foi negado pelo Criador, por uma razão óbvia: há situações em que é melhor ficar na imaginação, pois a sofreguidão é cruel. Ele queria, pelo menos, obter-lhe os pensamentos na sua situação de dor, porque o pai sempre se recusou a lhe contar. E por que se recusou? Será que ele teve esse momento diante dos olhos? Provavelmente, a doença, altamente contagiosa, a afastava de todos, talvez por isso o pai não pode testemunhar o momento fatal. E o seu ofício, longe de casa, na capital, também o impedia de ficar ao seu lado.

Por tudo isso, havia esse conflito de hipóteses na mente do garoto. Mas, intuiu, com ajuda divina, que ela, na sua solidão, afastada da família, vivendo sua dor do corpo e da alma, deitada na sua cama — ou na rede, como costumavam descansar os amazonenses —, renovou seu pedido a Deus: “que o Nosso Senhor, na sua santa benevolência olhasse pelos seus três filhos pequenos, com idade variando entre um e seis anos; que o jovem Manoel soubesse achar dentro da sua responsabilidade e retidão, forças para cuidar dos três sem ter que doar algum. E mais, pediu aos céus que todos fossem irmãos verdadeiros, que se ajudassem entre si, que tivessem uma convivência harmoniosa em seus corações. Que nenhum rancor ou ruído externo pudesse atrapalhar o amor fraternal, uma extensão do amor que ela deixava como herança. Que seus caminhos, embora diferentes, tivessem sempre a Luz Maior a alumiar todos os passos. E, ainda se lembrou de pedir saúde, e muitos anos de vida ao pai.”

Agora, que o garoto Renato se encaminha para os setenta anos, sente na alma que a mãe Francisca o quer afagar como antes da doença. Quer novamente lançar o olhar terno e compassivo; quer o abastecer com a luz dos seus olhos, e dirigir sua benção, infindável e pura.  Para o prover de amor, suprir o hiato de uma necessidade física e espiritual, longos anos em busca de paz, da paz maternal.

Renato Mendonça