A ilha de Marapatá é um acidente geográfico situado em frente a cidade de
Manaus. Sua condição de ser submersa durante o período da enchente, trouxe-lhe
diversas lendas. Antonio Loureiro, médico e estudioso da história do Amazonas,
registrou o mais conhecido desses mitos em publicação no Suplemento Literário Amazonas
(edição de dezembro de 1986). A ilustração é de Rosha (hoje chargista).
Quem
sobe o rio Negro, na demanda de Manaus, à margem
esquerda, logo acima do Encontro das Águas, tem a oportunidade de observar a
ilha do Marapatá, separada da terra firme por um profundo e
estreito canal. Na sua parte voltada para o leito principal, é flanqueada
por um verdadeiro abismo, onde o sonar assinalou uma fossa de mais de cem metros
de profundidade, indicando uma altitude negativa de dezenas de metros abaixo do
nível do mar.
É uma
característica ilha de várzea de rio de água negra, indo ao fundo todos os anos,
durante a enchente, nela desenvolvendo-se uma floresta de igapó, de cor verde
azulada, idêntica a de outras ilhas do mesmo tipo, existentes no rio Negro,
como a dos Cachorros, a do Camaleão, e as incontáveis Anavilhanas, na baía do
Boiaçu, mas diferente do verde claro da mata de igapó das ilhas dos rios de
água barrenta.
Em
todas as minhas passagens por ela, sempre ao largo, tenho recolhido interessantes
relatos, contados pelos caboclos, sobre a aura mágica que a envolve. Uns citam
as suas constantes mudanças de lugar. Outros informam, ali, existir um lago
onde mora a velha Cobra Grande, que desde os tempos coloniais vagueia diante do
Lugar da Barra, do Tarumã às Lages. Todos concordam ser ela um acidente geográfico encantado.
No tempo em que o transporte fluvial era o único ligando Manaus ao resto do Mundo, gaiolas, vaticanos,
transatlânticos, chatas,
chatinhas, lanchas, escunas, saveiros, alvarengas, batelões, canoas, todas as embarcações
trazendo passageiros para a cidade, passavam
por esta estranha ilha do
Marapatá, o que ocorre até hoje, pois, apesar da lenda, ela continua firme, no
mesmo lugar. Nessa passagem obrigatória, marinheiros, retirantes, seringueiros,
seringalistas, comerciantes, funcionários destacados para a região, governantes
provinciais, militares, artistas, médicos, advogados, gerentes, professores,
emigrantes e imigrantes, todos ou quase todos, com honrosíssimas exceções, ali
deixavam, dizem os antigos, as suas consciências, ou as suas vergonhas, ou
ambas, escondidas numa loca de ariramba, num buraco de piranheira, debaixo de
uma sapopemba ou penduradas num galho qualquer de árvore. Até Macunaíma ali
esteve antes de se tornar o herói do Modernismo Brasileiro.
Livres
delas chegavam a Manaus e aí..., o seringalista perdia o seu solitário, o
seringueiro gastava o seu saldo de anos, de trabalho na selva, os funcionários,
os governantes e as demais autoridades esqueciam os seus deveres, em suma, todos,
sem consciência e sem vergonha, desmandavam-se em desatinos nesta cidade de
Nossa Senhora da Conceição.
Terminadas
as suas "missões", de volta às origens, dizendo cobras e lagartos da
terra que os enriquecera lícita ou ilicitamente, todos saltavam, novamente, na
ilha do Marapatá, e recolhiam as suas consciências, ou as suas vergonhas, ou ambas,
onde as tinham deixado, e iam viver em outras paragens, como honestos senhores.
Muitos, porém, jamais as recuperaram, perdidas para sempre no emaranhado do igapó
ou carregadas pelas enchentes, Amazonas abaixo. Os gemidos dessas consciências
perdidas talvez sejam os escutados na assombrada ilha.
Hoje,
passados tantos anos, os que vêm de fora poucos usam o navio como transporte. O
avião e o automóvel não passam por Marapatá. A Zona Franca está aí. Onde é que
este pessoal todo está escondendo a sua consciência, a sua vergonha, ou ambas?
Isto é uma estória para outra oportunidade.
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