CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

terça-feira, setembro 09, 2014

ELEIÇÃO ESTADUAL


Cosme e Damião, em 1956

Em tempo de eleições, vem a propósito o tema dessa crônica inserida no livro Arquivo Aberto: Crônicas (Manaus: Sergio Cardoso, 1959), do saudoso Antonio Dejard Mendonça. Nela, o autor analisa a participação de um seu amigo, Pedro Nolasco Penafort, coronel da Polícia Militar, na eleição de 1958, pleito que elegeu Gilberto Mestrinho para o governo do Estado. Penafort, acreditando na promessa dos eleitores, amargou a derrota, todavia, soube tirar uma ajuizada lição.

UM AMIGO DECEPCIONADO

A falta de cumprimento da palavra assumida há sido, nos últimos tempos, um mal coletivo, sem falarmos no seu aspecto político. A corrupção moral à época das eleições tornou-se, no Brasil, um processo indigno. A nossa formação democrática ainda está por nascer e muito menos por evoluir. O povo sofre, criminosamente, da influência do suborno e, os nossos homens políticos, são os fomentadores dessa modalidade amoral para, em concorrência, implantarem o desvirtuamento da consciência pública.
O voto, hoje, em nosso país sem uma forma política digna de sua tradição histórica, se nos apresenta tal uma mercadoria ou um produto sujeito à luta da oferta e da procura. O eleitor, rara a exceção, faz do seu título ou da sua consciência, um balcão no qual, ao tempo das eleições, os interessados disputam, com os seus recursos materiais, a preferência do voto.
Enquanto isso o eleitor vai se comprometendo com este ou aquele, usando deslealdade ou falta de escrúpulo: recebe de todas as fontes, promete a todos os candidatos e, na hora do pleito, vota justamente num candidato diferente. E' o mal da traficância ou comércio eleitoral...
Há bem poucos dias encontrei, ali à avenida Eduardo Ribeiro, o meu dileto amigo coronel Pedro Nolasco Penafort, um dos mais conceituados oficiais da nossa Polícia Militar, à qual durante muitos anos serviu com disciplina e bravura, tendo a seu favor uma folha corrida das mais elogiáveis identificando os seus méritos e os seus serviços patrióticos quando na ativa daquela tradicional corporação, segurança das leis e instituições do nosso Estado.
Hoje está reformado, exercendo as suas atividades em vários setores comerciais, distinguindo-se pela lisura do seu caráter e da sua maneira de tratar. A nossa palestra teve o seu ponto preferido em torno da nossa política. Falamos a respeito dos resultados do último pleito eleitoral de 3 de outubro, 1958, no qual eu e ele concorremos pelo Partido Social Democrático, à uma cadeira na Assembleia Legislativa.
Fomos, ambos, riscados da preferência do eleitorado. Eu, no entanto, jamais alimentara esperança de o ser, porquanto nunca me fora possível, pelas minhas circunstâncias econômicas, ajudar a esta ou àquela família ou a este ou àquele cidadão, mas o meu amigo Penafort, mesmo longe das lutas eleitorais, sou testemunha, nunca deixou de abrir a sua algibeira de homem regularmente sólido nas suas finanças, para ajudar a muitos elementos ou pessoas pobres, atingidos pelas mais irremediáveis dificuldades. E sempre o fez sem pensar em interesses eleitoreiros.
Homem bom, espiritualmente bem formado destaca-se em ser, naturalmente, solidário e fraterno para com as angústias alheias. Eu hei acompanhado, nesse sentido, as suas demonstrações cristãs e humanas. Em quase todos os subúrbios de Manaus ele espalhou, por muitos anos, a sua semente confortadora, e onde visse uma necessidade, uma tragédia econômica, um lar ameaçado de se destruir por falta de recursos, ele se fazia socorro. Era só lhe baterem à porta, não franzia o rosto ou se transformava em contrações de aborrecimentos. Todos os ameaçados pela tortura ou falta de pão, não voltavam do seu batente sem o conforto da sua ajuda material, da sua caridade espontânea e naturalmente exercida.
Desde moço foi o seu desejo trabalhar pelos humildes, e isso sempre me revelou nos nossos encontros acidentais em meio a luta agitada na vida diária de nossa capital, porém não deixava, nem de leve, transparecer vaidade ou desejos às funções legislativas. Os seus favores ou as suas ajudas fazia-os por um impulso congênito da sua própria formação espiritual.
Mas, infelizmente, a consciência dos outros é um campo onde ninguém pode penetrar para descobrir a sua verdadeira disposição. Escondida, trancada, longe da luz exterior torna-se difícil se saber das suas modalidades, dos seus acidentes, da sua limpeza ou sua formação sentimental. E por tais circunstâncias se tornarem de boa-fé os homens bons, os bem intencionados, os desprendidos e honestos.
E o meu amigo Penafort pode confiar foi, indignamente, ludibriado na sua generosidade e na sua boa-fé. Quando às proximidades do referido pleito, sem pensar em candidatar-se, procuraram-no alguns dos seus beneficiados para persuadi-lo a se apresentar candidato à deputação estadual. A princípio, devido os seus inúmeros afazeres, recusou, porém, instado terminou cedendo. Todos juraram-lhe fidelidade e o reconhecimento, dando certa a sua eleição.
E começou a trabalhar, a andar pelo interior aonde também espalhara a influência de sua amizade, ajudando uns e outros. Não dormia. Quando em Manaus: era um pedido para aviar uma receita, outro solicitando um médico para ver pessoa de sua família em estado grave, mais alguém solicitando o seu concurso para as despesas do mercado, enfim umas dezenas de mãos estendidas à sua bondade, ao seu coração.
E assim ajudando uns, levantando outros, ficara confiante e sem a menor dúvida a respeito da formação moral daquela gente, não pensava estar sendo vítima da exploração comercial do voto, da hipocrisia interior a tremer, exteriormente, nos beiços amarelos de uma fila de ingratos e exploradores da serenidade cristã dos homens bem intencionados. E não foi eleito.
O meu amigo Penafort, depois dessa última decepção em 1958, tornou-se revoltado em haver descoberto em meio de tão pouca gente, tanta gente sem brio e sem sentimentos nobres. Hoje, - disse-me, ao nos despedirmos: “estou bem ensinado, não deixarei, no entanto, de continuar a praticar o bem, mas para servir a Deus, e nunca mais para me iludir com a política e com os negociadores da mentira e de esperteza à base de um título eleitoral. Tenho dois destinos mais sérios a defender: os meus negócios particulares e o bem estar da minha família.” Lema bonito, não resta a menor dúvida, decisão acertada e louvável, disse eu ao meu amigo Pedro Nolasco Penafort, meu amigo decepcionado...

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