Cosme e Damião, em 1956 |
Em tempo
de eleições, vem a propósito o tema dessa crônica inserida no livro Arquivo Aberto: Crônicas (Manaus: Sergio
Cardoso, 1959), do saudoso Antonio Dejard Mendonça. Nela, o autor analisa a
participação de um seu amigo, Pedro Nolasco Penafort, coronel da Polícia
Militar, na eleição de 1958, pleito que elegeu Gilberto Mestrinho para o
governo do Estado. Penafort, acreditando na promessa dos eleitores, amargou a
derrota, todavia, soube tirar uma ajuizada lição.
UM AMIGO DECEPCIONADO
A falta de cumprimento da palavra assumida há sido, nos últimos
tempos, um mal coletivo, sem falarmos no seu aspecto político. A corrupção
moral à época das eleições tornou-se, no Brasil, um processo indigno. A nossa
formação democrática ainda está por nascer e muito menos por evoluir. O povo
sofre, criminosamente, da influência do suborno e, os nossos homens políticos,
são os fomentadores dessa modalidade amoral para, em concorrência, implantarem
o desvirtuamento da consciência pública.
O voto, hoje, em nosso país sem uma forma política digna de sua tradição
histórica, se nos apresenta tal uma mercadoria ou um produto sujeito à luta da
oferta e da procura. O eleitor, rara a exceção, faz do seu título ou da sua
consciência, um balcão no qual, ao tempo das eleições, os interessados
disputam, com os seus recursos materiais, a preferência do voto.
Enquanto isso o eleitor vai se comprometendo com este ou aquele,
usando deslealdade ou falta de escrúpulo: recebe de todas as fontes, promete a
todos os candidatos e, na hora do pleito, vota justamente num candidato
diferente. E' o mal da traficância ou comércio eleitoral...
Há bem poucos dias encontrei, ali à avenida Eduardo Ribeiro, o meu
dileto amigo coronel Pedro
Nolasco Penafort, um dos mais conceituados oficiais da nossa Polícia Militar,
à qual durante muitos anos serviu com disciplina e bravura, tendo a seu favor
uma folha corrida das mais elogiáveis identificando os seus méritos e os seus
serviços patrióticos quando na ativa daquela tradicional corporação, segurança
das leis e instituições do nosso Estado.
Hoje está reformado, exercendo as suas atividades em vários
setores comerciais, distinguindo-se pela lisura do seu caráter e da sua maneira
de tratar. A nossa palestra teve o seu ponto preferido em torno da nossa
política. Falamos a respeito dos resultados do último pleito eleitoral de 3 de
outubro, 1958, no qual eu e ele concorremos pelo Partido Social Democrático, à
uma cadeira na Assembleia Legislativa.
Fomos, ambos, riscados da preferência do eleitorado. Eu, no
entanto, jamais alimentara esperança de o ser, porquanto nunca me fora
possível, pelas minhas circunstâncias econômicas, ajudar a esta ou àquela
família ou a este ou àquele cidadão, mas o meu amigo Penafort, mesmo longe das lutas
eleitorais, sou testemunha, nunca deixou de abrir a sua algibeira de homem
regularmente sólido nas suas finanças, para ajudar a muitos elementos ou
pessoas pobres, atingidos pelas mais irremediáveis dificuldades. E sempre o fez
sem pensar em interesses eleitoreiros.
Homem bom, espiritualmente bem formado destaca-se em ser,
naturalmente, solidário e fraterno para com as angústias alheias. Eu hei acompanhado,
nesse sentido, as suas demonstrações cristãs e humanas. Em quase todos os
subúrbios de Manaus ele espalhou, por muitos anos, a sua semente confortadora,
e onde visse uma necessidade, uma tragédia econômica, um lar ameaçado de se destruir
por falta de recursos, ele se fazia socorro. Era só lhe baterem à porta, não
franzia o rosto ou se transformava em contrações de aborrecimentos. Todos os
ameaçados pela tortura ou falta de pão, não voltavam do seu batente sem o conforto
da sua ajuda material, da sua caridade espontânea e naturalmente exercida.
Desde moço foi o seu desejo trabalhar pelos humildes, e isso
sempre me revelou nos nossos encontros acidentais em meio a luta agitada na
vida diária de nossa capital, porém não deixava, nem de leve, transparecer
vaidade ou desejos às funções legislativas. Os seus favores ou as suas ajudas
fazia-os por um impulso congênito da sua própria formação espiritual.
Mas, infelizmente, a consciência dos outros é um campo onde ninguém
pode penetrar para descobrir a sua verdadeira disposição. Escondida, trancada,
longe da luz exterior torna-se difícil se saber das suas modalidades, dos seus
acidentes, da sua limpeza ou sua formação sentimental. E por tais circunstâncias
se tornarem de boa-fé os homens bons, os bem intencionados, os desprendidos e
honestos.
E o meu amigo Penafort pode confiar foi, indignamente, ludibriado
na sua generosidade e na sua boa-fé. Quando às proximidades do referido pleito,
sem pensar em candidatar-se, procuraram-no alguns dos seus beneficiados para
persuadi-lo a se apresentar candidato à deputação estadual. A princípio, devido
os seus inúmeros afazeres, recusou, porém, instado terminou cedendo. Todos juraram-lhe
fidelidade e o reconhecimento, dando certa a sua eleição.
E começou a trabalhar, a andar pelo interior aonde também espalhara
a influência de sua amizade, ajudando uns e outros. Não dormia. Quando em
Manaus: era um pedido para aviar uma receita, outro solicitando um médico para
ver pessoa de sua família em estado grave, mais alguém solicitando o seu
concurso para as despesas do mercado, enfim umas dezenas de mãos estendidas à
sua bondade, ao seu coração.
E assim ajudando uns, levantando outros, ficara confiante e sem a
menor dúvida a respeito da formação moral daquela gente, não pensava estar
sendo vítima da exploração comercial do voto, da hipocrisia interior a tremer,
exteriormente, nos beiços amarelos de uma fila de ingratos e exploradores da
serenidade cristã dos homens bem intencionados. E não foi eleito.
O meu amigo Penafort, depois dessa última decepção em 1958,
tornou-se revoltado em haver descoberto em meio de tão pouca gente, tanta gente
sem brio e sem sentimentos nobres. Hoje, - disse-me, ao nos despedirmos: “estou
bem ensinado, não deixarei, no entanto, de continuar a praticar o bem, mas para
servir a Deus, e nunca mais para me iludir com a política e com os negociadores
da mentira e de esperteza à base de um título eleitoral. Tenho dois destinos
mais sérios a defender: os meus negócios particulares e o bem estar da minha família.”
Lema bonito, não resta a menor dúvida, decisão acertada e louvável, disse eu ao
meu amigo Pedro Nolasco Penafort, meu amigo decepcionado...
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