Quartel da Polícia Militar, em 1936 |
Por se falar na disputa eleitoral que se fere na
abertura do mês de outubro, catei um texto de Antonio Dejard Mendonça (nenhum
parentesco comigo), publicado em Arquivo aberto (crônicas), editado pela
editora Sergio Cardoso, 1959. Dirigia a crônica abaixo a um candidato ao
governo do Estado – major Marcio de Menezes, do Exército, que foi então comandante
da Polícia Militar do Amazonas.
Marcio não “ouviu” o conselho do parente, do Dejard,
e manteve a candidatura. O resultado já conhecemos: foi eleito Gilberto
Mestrinho.
MARCIO,
CUIDADO!
Meu caro Marcio
Menezes, bom dia! Pertencemos à mesma árvore genealógica. Entre mim e você,
portanto, existe um veio consanguíneo. Nascemos à mesma sombra e os mesmos
carinhos educacionais nos foram ministrados de acordo às tradições de nossa
raça, no entretanto os nossos destinos se tornaram divergentes: você traçou
caminhos mais floridos, embora antes muitos sacrifícios vencera para a
segurança da sua nova trajetória.
Eu, porém, órfão
muito prematuramente, aos dois anos, só hei, até hoje, conhecido veredas
escuras, acidentadas, sem résteas de luz, sem as belezas dos terrenos planos:
barreiras e obstáculos, eis os entraves aos meus passos. A minha luta se há
determinado, graças a minha origem, sob a intransigência de um ideal sadio,
firme, fixo e inabalável. E por isso hei recebido pedradas dos maus ou dos
ainda não justos para comigo. Quanto mais os apupos, mais resistência
espiritual se me manifesta, se me apresenta vigorando minhas energias, ou,
melhor, revigorando-as.
As dificuldades
econômicas se refletem, aos meus olhos, assim uma espécie de tônico aos meus
músculos, à minha carne ou à minha índole. E' na luta, meu caro Marcio, o ponto
alto da nossa personalidade, nela enfrentamos e recusamos a subserviência, as
vaidades, os orgulhos e as presunções prejudiciais à nossa formação espiritual.
Você também há sido um lutador, fez-se corajosamente iludindo com a sua
temeridade valorosa e com o seu desprendimento a todas as ameaças irônicas do
destino irônico. Você calejou as mãos nas oficinas e nas forjas ou no cabo
pesado dos malhos sobre a eterna mártir sujeita a todas as pancadas, a contínua
amoldadora dos metais sem forma ou adaptação, a bigorna resistente... Mas você
persistiu e venceu, chegou ao ápice glorioso de uma carreira gloriosa,
invejável e a conseguiu com bravura disciplinar, com civismo e com
inteligência, acima de tudo. Enquanto eu, Marcio amigo, continuo sempre no
martirizante destino da paciente bigorna...
Ouvi falar, meu caro
Marcio, na sua provável candidatura à governança do Estado, às próximas
eleições outubristas de 1958. Não sei se me senti bem com a notícia ou se
alguma má previsão se me estalou na cabeça. Vejo-o um homem forrado com o
arminho das mais intangíveis virtudes morais para dirigir os destinos
amazonenses. Você nasceu no Amazonas, está, portanto, à altura, não se discute,
de governá-lo com retidão: o seu passado é um mapa sem linhas curvas e sem
desvios de rumos. Um mapa traçado numa só relação moral ou numa monografia histórica
da sua pessoa sem acidentes: mapa catalogado na virtude indesviável da linha
reta.
E a sua vida, Marcio,
moralmente geométrica há sido evidentemente sobre lances retilíneos. Mas, meu
estimado amigo, a mentalidade do nosso povo ainda se gosta de distrair com as
tempestades demagógicas, com os vozerios insultuosos e com as refregas dos
qualificativos virulentos. A palavra construtiva não gera nem levanta opiniões
favoráveis, é considerada tal covardia ou medo. As massas admiram os tribunos
com faixas de campeões da violência verbal, com os emblemas do "heroísmo"
demolidor da linguagem puras singela ou orientadora.
O povo ainda é presa
fácil à hipnose da demagogia artificial, improdutiva e mistificadora. O verbo
elevado, construtivo, apontando diretrizes à urna colaboração em conjunto, é
melodia sem ritmo convincente nos ouvidos encerados das coletividades
adormecidas pela influência dos barulhos preponderantes à boca dos demagogos ou
chefes das chamadas facções populares.
O Amazonas lucraria
bastante se você, por determinação independente do seu eleitorado, alçasse à
responsabilidade de dirigi-lo, mas você irá para as paliçadas, sem dúvida,
desfraldando uma nova bandeira sem pingos e sem manchas, bandeira alva nos seus
losangos ou na sua esfera, símbolo do verbo construtivo, da palavra artística
na sua expressão ou nos seus tons políticos. Será inútil, meu caro Marcio, e
você guardará estas ponderações do seu irmão amigo e, ao final da luta, há de
procurar-me para um aperto de mãos em sinal de aprovação à minha advertência,
em hora precisa, profética e alertante. E infelizmente não ouvida por você. Aguardemos,
Marcio, o epílogo do próximo drama eleitoral a três de outubro, 1958...
Repito: o Amazonas
muito lucraria com a sua investidura ao Governo. Quando me falaram no assunto,
reafirmo, fiquei meditando: querem fazer o Marcio governador do Estado. Ideia
inspiradora se o povo já se encontrasse inspirado a aceitar os homens lúcidos e
bem intencionados.
Mas, penso, é uma ideia
arriscada, comprometedora para um homem digno, inatacável e honesto. Depois,
retornando a mim mesmo, falei. O Marcio é de maior idade, tem senso, é
refletido, a ele portanto a solução do problema: este é exclusivamente seu. O
Amazonas precisa de homens de sua têmpera, Marcio amigo, mas o exército
nacional jamais poderá prescindir dos seus serviços de soldado com a sua
formação equilibrada ou, melhor, com a sua bravura moral e cívica. E o Brasil
tem, em você, um dos seus grandes servidores nas fileiras do invencível
exército de Caxias.
Pense e medite,
Marcio. Eu estou apenas apontando-lhe, ao longe, uma nuvem escura: a nuvem das
decepções imprevistas. Reflita, meu bom parente e amigo e, mais tarde, após o ensarilhar
das armas, procure ver quem foi sincero para com você: eu, procurando afastá-lo
do charco, ou os incoerentes empurrando-o para o atoleiro.
Marcio, cuidado!...
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