Na
metade do século passado, Manaus sofria com a falta de energia elétrica, depois
de ter sido a segunda cidade do país a desfrutar desse benefício. Acabara toda
a pompa da belle époque e o pequeno reforço econômico prestado durante a 2ª Guerra.
Somente
os “amigos do rei”, no entanto, desfrutavam de um privilégio, o de ter energia fornecida
pelo Cabo C.
Simplesmente o desvio da eletricidade produzida pela geradora do Porto de
Manaus, ainda uma relíquia dos ingleses.
Arlindo
Porto, então jornalista atuante, escreveu a crônica abaixo, transcrita de O Jornal, de 6 de dezembro de 1955.
CABO
C...
Arlindo Porto
Na falta
de lenha, as fornalhas dos Serviços Elétricos do Estado estão devorando cavaco
de pau-rosa. Resultado: energia cheirosa, mas em compensação anêmica, racionada,
moribunda a botar fosforescências de pirilampo em férias, no bojozinho de lâmpadas
60 por 60...
Os
chefes de oficinas, nos jornais, já estão na maioria carecas, de tanto arrancar
cabelos da cabeça. De pura raiva. As máquinas param, o chumbo esfria, a
"bucha" demora, o jornal atrasa. Já nem o Cabo-C, o cabinho milagroso
que põe voz nos rádios e eletrolas e que dá frio pra dentro das geladeiras,
escapa.
De vez
em quando dá suas sumidinhas, enchendo de horror aos seus felizes proprietários,
tão pouco afeitos as trevas perenes que já se tornaram companhia noturna
constante, dos moradores dos bairros, dos que berravam "já ganhou"
até a rouquidão e que voltavam pra casa, depois dos comícios, suados, mas vitoriosos.
De
ventas irritadas com o fedor das velas (há coisinha melhor pra dar a sensação
de um defunto dentro de casa?), resolvi adquirir o meu Serviçozinho Elétrico
particular e ato continuo procedi uma coleta de preços, na praça, disposto como
estava a comprar um "Wilson Sons", destes movidos a querosene. Ganhou
a concorrência a Central de Ferragens, onde a simpatia do Alfredo Soares, na
hora do pagamento, ainda suavizou o abatimento. A compra saiu por 50 mil-réis,
redondos.
Olhando
para o exemplo do meu congênere maior, o lá do Plano Inclinado, que está
asmático, dizem, em consequência da falta de uma peça sobressalente que somente
pode vir da Inglaterra e como não desejasse, por meu turno, ficar sujeito às
chatices das quantas Sumoc, Cacex, GEMIAS, LADROEX, FURTOC e RAPINIMS que existem
por este cabralino e carnavalesco país, em caso de me ver, futuramente, em
igualdade de condições, adquiri, logo, e a aquisição ficou na conta de presente
da Central, mais um pavio e mais uma manga, novinha em folha, a última até com
um flosô na beira, lembrando aqueles
antigos candeeirões lusitanos que a vovó espetava no meio da sala de jantar,
para presidir os serões noturnos, no tempo em que a luz da Manaus Tramueis era um luxo para os "de
posse". Estou armadíssimo, pois, para os blecautis decretados pelo xavaníssimo (sic) casarão da Praça Oswaldo Cruz.
A
escuridão, essa inimiga feroz da claridade, essa motogeradora de caçuás de
nomes feios, sempre que uma canela desavisada entra em beligerância súbita com
uma quina da cadeira, está derrotada lá no barraco. Tão logo o sol se deita na
cama do horizonte, para o seu repouso noturno e a treva chega, pimponando
festões de negrume por todos os lados, a chave da luz é posta em teste: não há
energia.
Não há
porque desesperar. É cuidar de fazer funcionar o "Wilson Sons"
manual, que ali já está, sorridente e lambeia, de mangas limpinhas e pavio
acertado, pronto para a trabalheira iluminativa de noitada que mais e mais se
acentua. Um riscar de fósforo, um aproximar da fitinha branca que vem lá da
barriguinha do bicho, bebinho do querosene
Jacaré, do melhor, e pronto!
Eis-nos
com luz sem variações, sem trocamentos de lâmpadas, sem incômodos de ligamentos
e desligamentos, sem impropérios, sem vaso de desaparecer de um momento para o
outro, com o advento muito natural de pragas, imprecações e quejandos, sem nada
disso que se vê, quando se depende, única e exclusivamente, da “empambada” e rogadíssima
energia dos S.E.E (Serviços de
Eletricidade do Estado). Às vezes, Cesar para ter o que é de Cesar, tem de
procurar...
Não há
dúvidas: também agora estou com o Cabo-C (candeeiro)...
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