CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, janeiro 02, 2025

MANAUS: O JORNAL & DIÁRIO DA TARDE

Em 30 de outubro de 1930, surgiu em Manaus O Jornal (conhecido pelas iniciais OJ), matutino que liderou a imprensa amazonense durante décadas. Fundado por Henrique Archer Pinto, funcionava em prédio próprio na avenida Eduardo Ribeiro. Rivalizando com o Jornal do Comércio, do velho Vicente Reis, cuja redação ficava praticamente ao lado do OJ na mesma avenida. Segundo o saudoso professor Mário Ypiranga, Henrique e Vicente não se davam bem. O Jornal, no entanto, detinha a maior tiragem, disponho dos melhores jornalistas e a melhor impressão - à rotativa.

Reprodução de foto realizada pelo
autor do post - Ed Lincon

Essa liderança era conhecida por um jingle que rodava nas rádios de Manaus nos anos 1940 e 50: “Só acredito, só posso acreditar, se O Jornal de Manaus confirmar. Olha O Jornal!... O Jornal de Manaus…” Esse matutino detinha uma força junto ao público, permitindo eleger políticos e influenciar os governantes. Promovia concursos públicos, tal como uma espécie de loteria intitulada “Concurso de Palpites”, e também as sensacionais corridas ciclistas e pedestres, além do Festival Folclórico e os concursos de Rainha do Carnaval.

Em 1932, Henrique criou o vespertino intitulado Diário da Tarde, com seis páginas diárias e oito aos domingos, enquanto o OJ circulava com oito páginas diárias e doze ou dezesseis aos domingos. Por sua redação passaram jornalistas como Philippe Daou, Milton Cordeiro, Almir Diniz, Ajuricaba de Menezes, Irisaldo Godot, Ulisses Paes de Azevedo, Ana Maria, Heliandro Maia e tantos outros.

Recorte da primeira página do vespertino

Com o falecimento de Henrique Archer Pinto, assumiu a direção do OJ seu filho Aguinaldo, com a morte deste em 1956, e¸ posteriormente do seu irmão Aloisio, assume a viúva de Aguinaldo, dona Maria de Lourdes Archer Pinto, em 1961, que ascendeu ao cargo após ganhar a questão na Justiça.

Todavia, a derrocada se acentuava, em particular com o episódio que ocorreu no início da década de 1970, em função da saída dos jornalistas de Daou e Milton (para cuidar da instalação da TV Amazonas em 1972), e Ulisses Paes e outros, autênticos esteios do matutino. Maria de Lourdes (Betina) restou praticamente isolada no comando e direção do OJ. Era muita atividade para ela realizar, devido sua inexperiência. As dificuldades acumularam-se e não havia solução nenhuma. A redação e a oficina foram esvaziando aos poucos. O material usado prejudicava a impressão devido ao uso intenso e o desgaste, devido a inexistência de manutenção ou renovação. Mais grave, começou a atrasar o pagamento dos funcionários. De outro modo, os concorrentes melhoravam as suas redações e oficinas com impressão no sistema “Off Set”. assim, o OJ foi aos poucos perdendo a liderança da imprensa amazonense.

Breve melhoria ainda aconteceu em 1972, quando o Grupo TAA assumiu a direção de OJ, realizando enorme investimento que permitiu contratar novos profissionais e adquirir novos materiais. Desse modo, a tiragem aumentou, os anunciantes, que haviam abandonado as páginas, voltaram, e o pagamento dos funcionários foi normalizado. Todavia, menos de um ano depois, o grupo se desfez e a direção voltou a Lourdes Archer Pinto, que se viu novamente em “maus lençóis”, fazendo extremo esforço para manter O Jornal em circulação. O então INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) cobrava uma dívida vultosa, acumulada durante muitos anos. Na tentativa de quitar o débito, alguns bens foram penhorados. E mais uma ruína: em outubro de 1975, o Diário da Tarde do grupo deixa de circular definitivamente.

A redação ficou reduzida a três funcionários: o secretário, o subsecretário e um repórter esportivo, que se desdobravam para gerenciar O Jornal. Dos dez linotipistas restaram seis, e de cinco máquinas de impressão funcionavam apenas duas, depois, uma, a outra parou por falta de manutenção. Os anunciantes simplesmente sumiram e os poucos exemplares eram destinados aos órgãos oficiais. E o desastre foi se acumulando: o material para impressão começou a faltar, o papel era conseguido utilizando tocos de bobina; o pagamento era realizado através de vales; e os poucos funcionários decidiram faltar ao trabalho. Por fim, os anúncios pertenciam aos amigos que apenas desejavam ajudar.

Contudo, o dia fatídico chegou: em 14 de fevereiro de 1977, às vésperas do Carnaval, a então CEM (Companhia de Eletricidade de Manaus), cortou o fornecimento de energia. Findava assim, triste e melancólico O Jornal, definitivamente fora de circulação. O prédio e os equipamentos foram penhorados para pagamentos de dívidas. Enfim, o prédio foi demolido em outubro de 1980, e, em nossos dias, no local funciona uma agência do banco Santander.

(*) A postagem e a ilustração pertencem ao Ed Lincon, estudioso da história de Manaus, tendo no prelo uma viagem pelos cinemas da Capital. Segue copiando com sua aptidão artística as fotos mais representativas de Manaus. 

terça-feira, dezembro 31, 2024

2024 - FELIZ FESTAS - 2025

 Ao final de 2024, acabo de completar o primeiro ano de moradia na capital dos paranaenses, não obstante conhecê-la há cinquenta anos. Fui contemplado com a sorte ao escolher para residir o bairro Água Verde, sem conhecer o privilégio que este desfruta na cidade. Junto com a família, experimentei deleitosos encantos, encantos de toda ordem, apesar de que não tive capacidade para usufruir das inúmeras atrações estaduais. É melhor assim, porque cada um possui suas aptidões, torna-se conveniente consumir cada canto com acuidade. É óbvio que, para quem chega do outro lado do Brasil, sofra de alguma forma a adaptação. Acometeu-me a desdita, claro. Mas ela chega trazendo as alegrias que assegurei ter aproveitado. A saúde pessoal obrigou-me a recorrer ao atendimento hospitalar, onde fui bem cuidado.

Roberto e Beatris (isso, com "s")

Que o Novo Ano de 2025 seja de progresso para o Estado, que alcance cada um de seus habitantes, possibilitando a saúde do corpo e do crédito, visto que essas necessidades se completam. 

sexta-feira, dezembro 27, 2024

MANAUS: OS BONDES ELÉTRICOS

No momento em que a autoridade municipal expressou o anseio de implantar uma linha de trólebus no centro, para turismo, vou relembrar um pouco da longa história dos desaparecidos Bondes. O texto foi escrito em A Crítica (ed. 19 ago. 1952) por Carlos Alberto de Almeida Barroso (integrante da Academia Amazonense de Letras), que desfrutou dos últimos tempos deste meio de transporte, pois, criado no final do século 19, foi extinto em 1957, pelo governador Plínio Coelho que ainda intentou recondicionar a frota sucateada.
Bonde em Manaus

O texto revela algumas peculiaridades já esquecidas sobre o uso deste veículo, pois há quase 70 anos foi desativado. A ilustração cabe ao Ed Lincon que disponibilizou algumas fotos dos Bondes. 
Cabeçalho do artigo

Até onde posso recuar no tempo com o auxílio da memória, distingo em Manaus uma série de linhas de bondes, com diversos nomes: “Cachoeirinha”, “Circular Sete de Setembro”, “Flores”, “Bilhares”, “Vila Municipal”, depois “Adrianópolis”, “Fábrica de Cerveja”, “Remédios”, “Saudade Avenida”, “Saudade Instalação”. Em dias de festa ou nos domingos, havia bondes com outros nomes. Era então o bonde o veículo por excelência da cidade, a condução que todos preferiam, não só por ser mais barata, como por oferecer as melhores condições de segurança e mesmo de conforto para o nosso clima.

Lembro-me que o primeiro bonde que me impressionou na meninice, foi o “Fábrica de Cerveja”. E por que? Simplesmente porque foi nele que fiz a minha estreia, “morcegando”, como se dizia. Foi no Plano Inclinado, hoje rua Comendador Alexandre Amorim, próximo à Vila Rezende. Tinha chegado de Manacapuru e aqui me encontrava a menos de uma semana com cara e jeito de bisonho habitante dos barrancos ribeirinhos do Solimões, meio estonteado com o movimento da cidade. Fora à taberna do canto [esquina] fazer compras e, de volta, um companheiro da minha idade, mas muito mais experiente, convidou-me a pegar o bonde que se encontrava parado, enquanto tomava passageiros.

-- É só pegar e saltar, parado mesmo, -- disse-me ele num convite incisivo. Mal, porém, eu me ajeitara à plataforma do veículo, ele dera de marcha. Enquanto o bonde tomava velocidade, o meu companheiro, junto a mim advertia-me:  -- Vamos logo saltar, que não há outro jeito!

E depois de falar, de fato, saltou, com perfeito controle do choque recebido ao pisar no chão. Comigo, porém, a coisa foi muito diferente, pois que, neófito ainda nesse negócio de pegar bonde e saltar dele em movimento, ao descer sofri várias escoriações pelo corpo, culminando a brincadeira, depois que em casa ao tomarem conhecimento do ocorrido, com uma surra em condições. (...)

Um outro fato que ainda me está vivo na lembrança, dessa época pitoresca de “morcegação” de bondes, foi a voz de prisão que recebi de um guarda civil, o qual me surpreendera naquele ameno passatempo e, sem me dar oportunidade para a fuga, pegara-me pelo braço e conduzira-me, não obstante a minha choradeira, por mais de um quarteirão; só me soltando para atender ao pedido do um desses protetores dos moleques injustiçados que sempre surgem em tais ocasiões. E tudo isso somente por causa dos bondes, tão irresistivelmente sedutores, tão gostosos, para se dar uma “pegada”!  (...)

O bonde retratava bem a alma de cidade, na sua fisionomia serena ou despreocupada, e nas suas alegrias ou angustias. Quando a cidade estava triste, os bondes apareciam vazios, quase sem passageiros. Bondes cheios, entretanto, era sinal de alegria, de satisfação. Todos se afeiçoavam a um ou dois bondes, que eram os seus prediletos. Encontravam-se neles até certos atributos comuns às pessoas.

Havia os bondes sérios, que se impunham aos passageiros pelo seu porte, pelo seu aprumo e que inspiravam mais segurança que os outros. Os da linha do Circular estavam neste caso. “Fábrica”, “Vila Municipal” e “Cachoeirinha”, foram sempre bondes pouco simpáticos. Nos bons tempos, quando se falava no “Flores” provocava-se um calafrio nas senhoras pudicas e nas virgens românticas. Era o bonde proibido, interditado às pessoas decentes. Sim, “Flores” era um bonde suspeito e por isso evitado. “Nazaré” foi sempre a linha simpática, cujo percurso dava uma agradável sensação de volta bem aproveitada. As famílias gostavam de passear nessa linha, cujo bonde inspirava ao mesmo tempo simpatia e respeito.

Os mais pitorescos eram, no entanto, o “Remédios”, e os dois “Saudade”. Eram os bondes dos namorados. Neles sempre tinham início os “flirts” [flertes], as inofensivas conquistas amorosas. Nas tardes de domingos e feriados disputavam-se essas conduções com muito interesse e entusiasmo. Mesmo nos dias comuns esses bondes sugeriam sempre uma nota risonha da cidade. Pareciam os bondes adolescentes, e assim recordavam sempre a mocidade, a alegria, a vida. Quantos amores não tiveram o seu início nesses bondes ou deles se serviram para alimento da sua chama!

Houve uma época em que apareceu um “Remédios” por baixo. A verve da cidade encontrou-lhe logo um designativo: “chá de bico”. Mas o “chá de bico” surgiu já numa fase em que o bonde começava a sentir a ameaça que transformaria o seu destino. A ameaça das dificuldades que mais tarde chegariam ao ponto de justificar o crime inominável de se pensar em extingui-los. Mesmo assim, “chá de bico” viveu ainda bons momentos e embalou muitas ilusões...

Quando vinha a noite e o fim do dia se aproximava, ainda encontrávamos o bonde em plena forma, movimentando a vida noturna da cidade. A partir das sete, rara era a casa em cuja janela ou porta não palpitava um coração a espera de um bonde. Quando se transformava num mensageiro de paz e de esperança. De fato, quando o bonde se aproximava, o vibrar da campainha e após o aparecimento da querida e desejada presença justificavam bem as palpitações daquele coração. (...)

Hoje, desapareceu o bonde para a cidade noturna. Em compensação e talvez como vingança, foi-se a vida noturna da cidade. Mas a fúria homicida -- diria bondicida -- é irrefreável. Daí a intenção de alguns homens públicos, talvez insensatos, de acabar de uma vez por todas com os bondes. Não temem esses insensatos, que se isso acontecer os bondes se vinguem mais uma vez contra Manaus, que sempre foi tão deles quanto nossa? Seria bom pensarem nisso.