As três histórias aqui narradas por Ulisses Bittencourt aconteceram em
Manaus. Muita fantasia já cobrem essas narrativas. Retirei a recorte do
matutino A Crítica (14.setembro 1983).
Delas conheci o bisneto de Maurilio Torres, homônimo, coronel
aposentado da Polícia Militar, que me assegurou parte do trauma vivido pelo
antecessor. O governo provincial adquiriu de Pires Garcia o imóvel que foi por século quartel da PMAM, hoje abriga o Palacete Provincial.
Conheci a múmia da cabeça do jacaré no museu do IGHA. Sem comprovação, assombra essa história.
Pesquisei o
quanto pude sobre a morte do Pensador. Dele, catei um fato no mínimo curioso: no único cartório existente na época (1º
Cartório) não há a Certidão de Óbito do morto. Ou seja, foi enterrado como “indigente”.
Das brumas do passado
Quem lê os livros de Conan
Doyle e Agatha Christie fica logo a imaginar se os misteriosos casos narrados,
na verdade, poderiam ser concebidos em outros locais diferentes daquela
atmosfera peculiarmente inglesa, de pessoas taciturnas movimentando-se num
ambiente de nevoeiro, num cenário antigo, parecendo o mais propício aos crimes
hediondos e às estórias sinistras engendradas pelos dois citados autores e por
outros mestres do gênero.
Dentro dessa ordem de
raciocínio, Manaus, com sua claridade tropical, seria a antítese de mistérios
assim. Como, entretanto, toda regra tem exceções, podemos lembrar de algumas
destas em ocorrências verídicas e que, por sua característica de excepcionalidade,
foram alvo de investigações, de acurada análise por especialistas e de vivo
interesse por parte do público em geral, no passado.
Tentemos, nos limites de
uma crônica e para conhecimento das gerações mais novas, aqui relacionar três
desses casos, todos acontecidos na capital amazonense, além de outros extraordinários,
a serem relatados futuramente: como o bárbaro assassinato da menina Etelvina,
muito venerada em Manaus; a morte trágica de Ana Ramos, no carnaval fatídico de
1915 e o atentado contra o Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo.
1)
O
assassinato do Capitão Pires Garcia
Ignoram-se as origens
exatas de Custódio Pires Garcia, sabendo-se que era nordestino e que, em 1870,
já se achava em Manaus, ocupando cargos de relevo. Foi juiz de Paz, vereador,
possuía grande fortuna adquirida em especulações, mas sua atividade principal
foi sempre a usura.
Emprestava dinheiro a
juros altos e era conhecido por sua exagerada sovinice, a tal ponto que por
muitos anos o seu nome equivalia à designação de pessoa avarenta. Implacável
com seus escravos e com seus devedores, residia ele e tinha escritório na atual
av. Sete de Setembro (então rua Brasileira), numa vasta propriedade, depois
desmembrada e vendida em hasta pública, na esquina da hoje rua Marechal
Deodoro, em frente ao edifício do Banco do Estado.
Os clientes eram recebidos
na sala da frente, atravessada por um balcão, atrás do qual ficava Garcia e um
cofre imenso, onde guardava todos os seus valores.
Em determinada noite de
maio de 1885, cerca das vinte horas, alguém o procura (tudo indicando tratar-se
de pessoa sua conhecida) e o mata selvagemente com uma fulminante martelada no
crânio, quando o banqueiro ia abrindo o cofre para colocar ou retirar alguma
coisa.
Ato contínuo, o assassino
foge, levando tudo — joias, dinheiro, ações, documentos e o registro dos
devedores. Sem provas concretas, foi por três vezes levado a júri um amigo de
Garcia — Maurílio Torres — único suspeito (por provas circunstanciais),
comerciante no Juruá, pessoa muito conhecida e estimada em Manaus, o qual
acabou sendo inocentado pelo Juiz de Direito, Dr. José Francisco de Araújo
Lima. Há um livro do juiz Hosanah de Oliveira, tratando do caso.
Com o passar dos anos,
soube-se que a acusação foi injusta, porém o mistério continuou. Falou-se
muito, então, no nome do engenheiro russo Alexandre Haag, poliglota que
percorreu todo o interior do Amazonas, tendo estado em Porto Velho e Rio
Branco, sobre o qual escreveu um livro. Retirou-se de Manaus logo após o crime,
viajando para a Europa.
2)
A morte do Pensador
Eduardo Gonçalves Ribeiro
(1862-1900), chamado por seus contemporâneos de "Pensador” — porque
dirigira o jornal maranhense do mesmo nome —, foi uma das pessoas de maior
expressão no nosso Estado, que chegou a governar em três ocasiões, duas em
caráter provisório e a terceira, como candidato eleito para o quatriênio 1892/1896.
Aproveitou as rendas
fabulosas do preço alto da borracha, com o orçamento sempre acusando superávit,
e executou, em Manaus, as melhores e mais belas obras existentes. A passagem do
século já o encontrou combalido das faculdades mentais, tanto que tinha estado
com especialistas na Itália, porém, mesmo assim, gozava de enorme prestígio
político e social.
A 14 de outubro de 1900,
para imensa tristeza da cidade, o "Pensador" é encontrado morto, em
sua aprazível chácara, situada diante do atual Hospício. O corpo de Eduardo
Ribeiro estava sentado no chão, com uma corda fina de mosquiteiro atada no
pescoço.
Houve, na época, laudos
técnicos como causa mortis, mas o
assunto, dado a importância da vítima, foi e vem continuando a ser objeto de
especulações, considerando-se a dificuldade que haveria para suicídio na
posição e nas demais condições em que o corpo se achava.
Prossegue a dúvida, sem
solução satisfatória.
3)
O monstro do igarapé
Na década de 1910, o igarapé
dos Educandos era muito frequentado pelas lavadeiras, que ali se reuniam em
conversas compridas, enquanto esfregavam, batiam e enxaguavam as roupas. Entre
elas, era conhecida uma ainda bem moça, apelidada de Neca.
Um dia, contara ela a uma
conhecida certo caso um tanto difícil de acreditar e, ante a expressão de
dúvida que a ouvinte lhe fizera, acrescentou: "Que uma fera me mate se
estou mentindo!". No mesmo instante um enorme jacaré surgiu veloz a seus
pés e puxou a infeliz moça para a água; arrastou-a, diante da amiga e de
numerosas outras pessoas, trucidando-a em minutos.
Atraídos pelos gritos dos que
assistiam à cena, correram vários homens com espingardas, terçados e paus,
conseguindo finalmente abater a fera. O caso chocou e comoveu toda a população
de Manaus. Foi um dos maiores jacarés encontrados na região e sua cabeça faz
parte do museu do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, onde permanece
em exposição.
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