CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

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domingo, maio 11, 2025

POESIA PARA O DIA DAS MÃES

 Este domingo (11) de maio é assinalado para comemorar o Dia das Mães. Aproveito a oportunidade para retornar à atividade da qual me afastei, por moléstia própria e do computador. Para tanto, tomei emprestado ao saudoso poeta Álvaro Maia um seu poema para completar a festa. Segue com um descuido grave do pesquisador: a falta de identificação do ano da publicação, sabido que foi realizada no Jornal do Commercio, em 24 de outubro.



 

 





Recorte do matutino

Deixando o Olimpo em esto e arremessos,

presos os cachos por sedosos nastros,

os deuses pelo céu gravaram, rastros,

encheram o alto de estendais espessos...

 

Em noites puras, o colar dos astros

brilha, quais joias de elevados preços,

-- brincos, rosetas, pedras, adereços,

cordões de luz, pulseiras e de alabastros...

 

Traçaram na passagem pelo mundo,

labirintos suspensos aos olhares,

o seu itinerário vagabundo...

 

Fugiram, dispersaram-se... E, chorosas,

morreram diluídas nos luares,

na voz das fontes e no odor das rosas... 

II 

Os olhos aos céus límpidos levanto,

na adoração das místicas estrelas.

O sonho, embevecido para vê-las,

agita a ideia em desvairado canto.

 

O pensamento circunvaga pelas

taças douradas do país do Encanto,

e quando volta, mergulhado em pranto,

vem com desejo de querer bebê-las...

 

Louras estrelas pelo azul perdidas,

mostrai à terra as faces diamantinas!

Fulgi, rastros de deusas foragidas,

 

Em lírios de ouro, em lúcidos junquilhos,

e recebei as lágrimas divinas,

as lágrimas de mães que lembram filhos...


domingo, fevereiro 23, 2025

POESIA DOMINICAL: ÁLVARO MAIA

 O poema foi produzido por Álvaro Botelho Maia (1893-1969), fartamente conhecido na história do Amazonas, tendo sido dirigente do Poder Executivo por largos anos, a última etapa foi entre 1951-55. Para sublinhar sua condição de artista da poesia, basta relembrar que, no início de 1925,a revista Redempção em concurso público, consagrou como o "príncipe dos poetas amazonenses".
A relíquia foi compartilhada do matutino A Crítica (08 fev. 1958), portanto há 67 anos.

Recorte de A Crítica, 8 fev. 1958



O lutador subiu a escada tortuosa...

Subiu, andou, pioneiro de horizontes,

cortados de planícies e de montes,

de longes de ouro e rosa,

colorindo a paisagem...

Chegara extenuado da viagem

e repousava à sombra da vertente,

que amenizava a soalheira ardente...

 

- II -

Sentou-se. Ergueu as mãos, no recanto risonho

para agradecer ao Senhor

e o consolo da vida interior...

 

Aos ombros carregava o alforje do passado,

que lhe tombou ao lado.

Abriu-o, devagar,

e pedras rolaram pelo chão.

Brilharam ao sol quebrado,

algumas verdes como o mar,

outras letais como o pecado,

com brilhos de atração e repulsão.

 

Acariciou-lhes as pontas entre agudas.

Pensou em gólgotas e judas,

(Jesus, porque foi homem, teve Judas!),

e nos que escondem, num sorriso,

punhais de aço com os gumes entreabertos.

 

— III —

Fechou os olhos e sorriu,

imerso no dulçor de um grande rio...

 

Sonhos, ilusões, gosto e desgosto,

fluíram das pedras, como flama.

(Passam sempre nos dias de quem ama).

Esta acertou-lhe o rosto,

rasgando carne e derramando sangue,

outra o peito, outra a cabeça,

mas todas pingando sangue.

Surgiram, pela estrada espessa,

carrancas de inimigos

e feições de amigos,

transbordando crueldade

e piedade...

 

Vivos e inquietos na tremenda luta,

lembravam vinganças e alvoroços.

 

-- “Só o lutador errou, pela escalada...

Mostrámos o caminho: errou na caminhada, embaraçado em dédalo infernal,

em queda estranha e bruta... 

Andámos com razão em apedrejá-lo,

como se faz ao cão danado e ao mau cavalo!”

 

-- IV –

 

Ele ouviu, em silêncio, a ameaça fatal

e pediu que o Céu lhes desse um resplendente halo,

que todos, fossem velhos, fossem moços,

fugissem, de uma vez, às vibrações do mal.

 

Queria dormir... Pegou as pedras, uma a uma,

e bebeu um verdor de sumaúma...

 

Eram duras à fronte fatigada?

Deitou-se. Não! Ganhara um encosto macio,

tecido de paina e espuma,

próprio para o calor e para o frio... 

 

Sentiu que as pedras se mexiam,

ouviu que as pedras cantavam,

como preces de luz em manhã clara...

 

Todas as bordoadas e castigos,

o sangue e o suor que derramara,

transformaram-se em pêndulos dum hino,

em bússola e em coragem nos perigos...

 

Renasceu, redimido e pequenino...

Quase lhe saltava o coração,

aureolado em sol aos que o feriram...

 

E teve o prêmio da consolação,

agradecido aos que o insultaram,

vilipendiaram

e vergastaram,

saqueando o patrimônio de uma vida,

mas lhe deram também, em horas sem concórdia,

a alta conquista da misericórdia.

a sobrevivência

e a resistência,

a humilhação

e a exaltação,

a força espiritual de nova Vida!


sexta-feira, novembro 08, 2024

DOIS INTELECTUAIS AMAZONENSES: NONATO E ÁLVARO (1)

 
Meses após a morte do acadêmico Álvaro Botelho Maia, padre Nonato Pinheiro (foto), também acadêmico e membro do IGHA (Instituto Geográfico do Amazonas) publicou em O Jornal, (domingo, 19 de outubro de 1969), uma sinopse das obras do falecido. O alongado artigo vai aqui compartilhado em duas assentadas. Efetuei a atualização da ortografia e introduzi ligeiros detalhes, que espero não comprometam a obra do saudoso articulista.

Recorte do jornal indicado

Quando cursava humanidades no Ginásio Amazonense, Álvaro Maia, colaborando na revista AURA, costumava dedicar seus poemas à Ermila. Teria tido alguma colega ou amiga com esse nome? Tratar-se-ia de um nome fictício para ocultar um verdadeiro romance? Creio que meu amigo e confrade Cosme Ferreira esteja, em condições de dissipar a dúvida. O fato é que esse nome era uma constante nos versos do talentoso ginasiano.

No ano de 1915, a 22 de janeiro, conduzido pelas mãos amigos de Cosme Alves Ferreira Filho, Álvaro Maia ingressa no JORNAL DO COMMERCIO, como redator. Um ano depois, precisamente a 22 de janeiro de 1916, a bordo do vapor Bahia, viajava para o Rio de Janeiro. Regressou a 2 de abril do mesmo ano, a bordo do navio Ceará. Em 1917, verificou-se seu bacharelamento em Direito, na ex-capital da República. Estava formado. A flor de sua cultura e de sua sensibilidade de orador e poeta alcançava logo a plenitude do seu colorido e a pujança de sua inebriante fragrância.

O marco luminoso de seus triunfos intelectuais foi indisputavelmente sua famosa Canção da Fé e Esperança, pulquérrima oração proferida no Teatro Amazonas, em nome da mocidade amazonense, na solenidade do centenário da adesão do Amazonas à Independência Nacional. Foi um triunfo oratório de excepcional claridade, que a imprensa recebeu com estrepitoso alvoroço. A comissão promotora dos festejas era composta do coronel Bernardo da Silva Ramos, presidente do IGHA, professores Agnello Bittencourt, Manuel de Miranda Leão, coronel Antônio Bitencourt, padre José Tomás de Aquino Menezes, Drs. Aprígio de Menezes, Vicente Reis, João Batista de Faria e Souza, Arthur César Ferreira Réis, major Licínio Silva e jovens Aguinaldo Ribeiro, Antóvila Vieira, Cássio Dantas, Jorge Andrade, Galdino Mendes Filho e José de Alencar.

Em 1924, em sessão promovida pela Academia Amazonense de Letras, no Ideal Clube, saudou Álvaro Maia o eminente general João de Deus Menna Barreto. Discurso primoroso que o homenageado agradeceu com comovente oração. Como professor do Ginásio Amazonense, apresentou, no ano de 1925, duas teses de real valor, que lhe garantiram as cátedras de português (O Português-Lusitano e o Português-Brasileiro, léxica e sintaticamente considerados) e de instrução moral e cívica (A Bandeira Nacional como símbolo e emblema da Pátria). Não omitirei que, quando o Ginásio Amazonense passou a denominar-se Ginásio Amazonense Pedro II, foi Álvaro Maia o orador designado pela Congregação para falar na solenidade de 2 de dezembro de 1925, ocasião em que foi inaugurado o retrato do magnânimo Imperador. Presidiram a sessão o Interventor Federal Alfredo Sá e o diretor Prof. Plácido Serrano.

A 12 de julho de 1927, no Ideal Clube, Álvaro Maia proferia seu discurso - Após A Campanha..., na sessão cívica em homenagem aos implicados no movimento de 23 de julho de 1924. Em 1926, a 23 de julho, dirige uma carta aberta ao presidente eleito do Brasil, Dr. Washington Luiz, a pedidos dos estudantes Deoclides de Carvalho Leal, Arthur César Ferreira Reis, Rui Gama e Silva, Diogo Belfort Santos, João de Paula Gonçalves, Fernando Ribeiro, Mário Libório Pereira e José Freitas Ramos. Em novembro de 1930 estava nomeado Interventor Federal. Em agosto de 1931, publicou no Rio o folheto Em torno do caso do Amazonas. Já a 28 de janeiro desse ano havia publicado no JORNAL DO COMMERCIO seu trabalho - Em minha defesa, republicado depois em folheto, defendendo-se da matilha esfaimada que lhe ladrava aos calcanhares pelo crime de haver assumido o Poder Executivo de seu estado natal.

Em 1934, publicou seu discurso na Assembleia Nacional Constituinte, com o título - Panorama Real do Amazonas: A Voz Amazonense Que Se Levanta em Prol dos Luminosos Destinos do Berço Verde. Em 1942, Dom João da Mata de Andrade e Amaral realizava memorável Congresso Eucarístico Diocesano. Na sessão noturna de 3 de junho, convidado pelo zeloso Bispo, o Interventor Federal proferiu um soberbo discurso, na inauguração do monumento de Nossa Senhora da Conceição. Em 1944, saiu a lume a maravilhosa plaqueta Noite de Redenção, uma página de impressionante meditação. Data de 1945 seu belo folheto O Cântaro da Samaritana, enternecedora meditação evangélica. Seus livros de poesia e ficção aí estão, prenhes de emoção e encantamento, escritos por um homem de letras que moldou suas preferências mentais na escola dos egrégios mestres do estilo: Beiradão, Gente dos Seringais, Banco de Canoa, Nas Barras do Pretório, Buzinas dos Paranás, Nas Tendas de Emaus. Tive a satisfação de preencher a orelha de Buzina dos Paranás, a convite dos editores Sérgio Cardoso & Cia. Ltda.

Com paciência beneditina, percorri toda a coleção das revistas REDEMPÇÃO, de Clóvis Barbosa, e AMAZÔNIA, de Carlos Mesquita, e dei com numerosas flores literárias esparzidas pelo magnífico prosador e inspirado bardo. Asseguro que tais trabalhos dariam um ou mais volumes. Guardo-lhe com emoção um poema que me ofereceu publicado na página literária de O JORNAL, de 10 de maio de 1965, intitulado Latim Redivivo, cujos originais entregou a seu sobrinho Heliandro Maia. Esta relação está longe de ser completa. Foi um primeiro levantamento que empreendi para meu livro em preparo. Sua inteligência foi fecunda e admirável e sua pena surpreendentemente privilegiada. Como o sol, como os astros, como os parques e jardins floridos, passou a vida a esbanjar clarões, lampejos e a semear com mãos pródigas flores pelos caminhos, em troca dos espinhos que lhe atiravam os eternos invejosos, que não suportam remígios de condores nem cintilações de astros que incomodam...

quinta-feira, novembro 07, 2024

DOIS INTELECTUAIS AMAZONENSES: NONATO E ÁLVARO

Álvaro Maia
Meses após a morte do acadêmico Álvaro Botelho Maia, padre Nonato Pinheiro, também acadêmico e membro do IGHA (Instituto Geográfico do Amazonas) publicou em O Jornal, (domingo, 19 de outubro de 1969), uma sinopse das obras do falecido. O alongado artigo vai aqui compartilhado em duas assentadas. Efetuei a atualização da ortografia e introduzi ligeiros detalhes, que espero não comprometa a obra do saudoso articulista.

Recorte de O Jornal, 19 out. 1969

Tentarei neste meu trabalho de hoje traçar um aproximado itinerário intelectual de Álvaro Maia, que reputo, com Péricles Moraes, as duas mais altas expressões de grandeza no panorama literário de meu estado natal. Nascido em Humaitá, a 19 de fevereiro de 1894, com 13 anos iniciava os estudos de humanidades no Ginásio Amazonense (1907). Nesse tradicional estabelecimento de ensino médio, logo despertou admiração e respeito, entre os condiscípulos, a corola magnifica de sua inteligência, que se abria em púrpuras e aromas fascinantes.

Foi gerente, redator e colaborador assíduo da revista AURA, órgão crítico e literário, cujo primeiro número apareceu em 24 de julho de 1907. Suas brilhantes colaborações traziam por vezes o pseudônimo ALBOMA, em que o leitor inteligente logo lhe descobre o verdadeiro nome: AL (Álvaro); BO (Botelho); MA (Maia). O condor ensaiava os primeiros voos, entre alunos igualmente brilhantes, como Abelardo Araújo e Cosme Alves Ferreira Filho. No terceiro aniversário da revista (24/07/1910) escrevia ufano:

“Sentimo-nos invadidos de orgulho, porque a AURA, a cada passo que vai dando, cada vez que sai aos ventos da publicidade, cai conquistando simpatias espontâneas, vai caminhando a largos passos. A sede da glória chegou até nós e, enraizando-se em nossos corações, lançou fulgurações cintilantes, e, vestindo a clâmide da Verdade, vamos seguindo pela estrada iluminada pelas suas projeções, guiados pelo saber, como aqueles Reis Magos da lenda antiga pela estreia do além.”

A imagem fascinante da glória desde então passou a ter em seu formoso espirito uma colorida moldura. Em 1911, 19 de agosto, volta a sonhar com a iara deslumbrante de suas linfas cristalinas: “Sonho com a luta, sonho com a Glória. A Glória é uma enganadora miragem: é uma luz vaporosa que brilha longe, muito longe, nos extremos do horizonte e nós, seduzidos pelo seu fulgor, vamos em procura dela. Muitas vezes semimortos e tristes, queremos voltar, mas não podemos. É que ouvimos salmos harmoniosos que nos atraem, como os Cânticos das sereias aos marinheiros”.

Nesse ano de 1911, Álvaro Maia estreou no jornal CORREIO DO NORTE, de propriedade e direção de Germano Bentes Guerreiro. Era um belo jornal, noticioso e literário, que diariamente publicava, sob a epígrafe URNAS, uma joia antológica da literatura luso-brasileira. Foi para mim uma grata surpresa essa estreia, porque o jornal lança simultaneamente Álvaro Maia e meu pai, que assinava Nonato Pinheiro. Foi a 14 de maio de 1911, que ambos foram apresentados na primeira página dominical do referido órgão de imprensa, sob o título “Panoramas”, e o subtítulo “Duas revelações auspiciosas”. Álvaro tinha 17 anos e meu pai, 21. A crônica traz o pseudônimo Diable Rouge, que apresenta os dois moços: “Hoje tenho o prazer de publicar nesta crônica duas magníficas estreias, duas verdadeiras revelações auspiciosas, dois trabalhos escritos por dois rapazes de visível merecimento”. Álvaro estreou com o lindo soneto Assuntos Velhos. Meu pai inaugurava com o poema Nos braços de Vênus. Transcrevo o soneto do aedo de Humaitá:

ASSUNTOS VELHOS

Quando tu passas com teu passo altiva/ os corações altivos seduzindo,/ enamorado e triste vou seguindo/ teu corpo divinal e fugitivo.// Porque dele evaporas um ativo/ cheio de flores nos florais abrindo/ que, em espirais ardentes se expandindo,/ me enche o peito dum doce lenitivo.// Quando passas serena e deslumbrante,/ ficam meus olhos abismados ante/ a forma do teu corpo de rainha;// E dos lábios em dúlcidos cortejos/ seguem-te, para que não vás sozinha,/ rindo e cantando turbilhões de beijos!

Em agosto desse mesmo ano de 1911, nosso poeta viajou para Fortaleza. Américo Guedes ofereceu-lhe um almoço de despedida, ao qual compareceram Abelardo Araújo, Minos Cardoso, Cosme Alves Ferreira Filho, Antônio Barbosa e Demóstenes de Carvalho. Ao brinde, falaram: Araújo, pelo corpo redacional da revista AURA; Barbosa, pelo CENÁCULO; Cosme Ferreira, pelos colegas; e Cardoso, em seu próprio nome. O homenageado agradeceu comovido, proferindo um discurso estrelado de imagens deslumbrantes. Demóstenes de Carvalho ergueu um brinde pela felicidade da família. De Fortaleza o poeta enviava para AURA o belo soneto Alma Vagabunda, que dedicou a Demostenes de Carvalho. (segue)

domingo, setembro 29, 2024

POESIA PARA O DOMINGO

 Quase completando um século, a poesia foi gravada por Álvaro Maia, morto em 1969.



Sob o sol fugitivo, a tarde prisioneira

abre à invasão da noite as águas do Madeira...

Calor de Agosto. O vento encrespa o sorvedouro,

que embala ao vento langue as lentas ondas de ouro....

 

— Rema, barqueiro amigo! A noite se avizinha...

Não risca o espaço escuro uma asa de andorinha...

Deixa o barco fugir à flor da correnteza,

e apresta as férreas mãos com vigor e presteza...

Há quem te espere ansiosa, entre as portas da casa,

mostrando à boca em sangue um sorriso de brasa...

 

O sol filtra na queda o derradeiro feixe...

O nosso barco investe e corre como um peixe,

ora em quieto remanso, ora em maresia,

por entre a escuridão da mata fugidia...

 

Recurvo, o corpo de aço escandece e trabalha,

mas a ideia repousa à janela de palha,

onde um rosto amanhece e um corpo alvoroçado  

é um maduro pomar, onde cresce o pecado...

 

Tudo, em nosso redor, é um solene incentivo

a esse beijo de fogo, a esse abraço furtivo:

o vento, que te afaga, enchendo-te de frio,

este encanto, esta noite, esta cena, este rio,

tudo é um riso imaturo, uma carícia calma,

que se lançam do céu sobre as misérias da alma.

 

Ao rever a ampla selva em que folguei menino,

sinto o meu coração fender-se em brônzeo sino,

como se a terra fosse uma igreja, uma aurora,

e o meu corpo em delírio uma torre sonora...

Às ilusões da infância, a minha vida acorda:

cada sentido é a força e cada nervo é a corda,

que me levam no rio — áurea flor de bubuia,

na estranha languidez de uma branda aleluia...

 

A alegria luariza o sonho...

O sino canta

ante a consolação desta harmonia santa...

Ajoelho em pensamento, entrecruzando os braços,

para beber num sorvo as selvas e os espaços...

Insculpo em meu olhar, recolho nos ouvidos

tantos quadros da Vida em vidas repartidos...

 

Longas praias sem termo, onde alvejam gaivotas,

bosque em cores aberto e rio aberto em notas,

árvores de São João, sumaumeiras em prece,

doces recordações que nunca a fronte esquece,

haveis de embutir um dia, entre a lembrança rude,

na prata da velhice o ouro da juventude...

 

Sois o romance, a voz, que nos vem, de repente,

a uma valsa, a um perfume, a uma vista, em que a gente

ouve, abraça, recorda a trindade bendita

— a mãe, a noiva, a irmã, em doçura infinita.

 

Vivei, entrai em mim! Quero, tempos afora,

sentir-vos a vibrar, como vos sinto agora,

onde me surja a mágoa, onde me leve o sonho,

imagens maternais de meu berço risonho!

 

* * *

Mais distante, à distância onde a caudal não dorme,

desliza um batelão, vagaroso e disforme...

Hercules seminus lutam, batendo a voga,

e a espuma, em revulsão sob os remos que afoga,

confunde a queixa humana ao rumor de fadigas

da embarcação que lembra as galeras antigas...

 

 — Homens, ó meus irmãos, ó párias que aí dentro ides,

em dolentes canções para a dor de outras lides,

que buscais e quereis nesse destino obscuro,

despidos de ambição, cegos para o futuro?

 

Nada! Mas, na floresta onde as hordas selvagens

viam palcos de guerra ao verdor das ramagens,

traçais a nova estrada, ergueis o mundo novo,

por onde há de rolar em marcha um grande povo...

 

Os dias, que passais em conquistas e arrojos,

viverão dentro em nós, cantarão nos rebojos,

como o sangue brutal destas barrentas veias,

como o suave dulçor destas fulvas areias...

 

* * *

— Rema, barqueiro amigo! O vago céu escorre

uma toalha de breu sobre a tarde que morre...

Estas margens azuis são muralhas de fumo,

— muros de sombra e medo em que vamos sem rumo...

 

Tudo apavora, tudo assusta, tudo assombra,

nesta hora de refrega entre o sol-morto e a sombra...

Há bruxedos de anões sobre as luras do charco,

louras iaras trovando à passagem do barco...

 

Boia monstruoso, à proa, o balseiro de uma ilha...

 

Em cima, o bando irial das estrelas fervilha...

Erra o bosque em perfume. Há bocas nos barrancos

e o lindo luar nascente esparge lírios brancos ...

 

A noite aumenta o espasmo em que nos debatemos,

ouvindo no silêncio a música dos remos...

 

É a recompensa... E, enquanto idealizas o beijo

da que te espera muda, em pudor e desejo,

eu guardo a imensa voz destas imensidades

e encho o meu coração de vindouras saudades,

Terra, ó mãe, que me deste, em mesma hora dorida,

a luz do amor, o bem do sonho, o pão da vida!   

Revista Redempção

Ano I – maio 1925 – nº VII

 

sábado, setembro 28, 2024

Em 1965, ao comemorar o Jubileu de Ouro da evangelização do Rio Negro (AM), os Salesianos sob a orientação de dom Pedro Massa publicaram um livro registrando os caminhos percorridos e os personagens – eclesiásticos e políticos – que contribuíram com a obra. Por óbvio, vertendo reconhecimentos e bençãos sobre estes. Aproveito o livro editado, intitulado De Tupan a Cristo, para postar algumas páginas bem ilustrativas, começando com a do “tuxaua” Álvaro Maia (1893-1969), páginas que certamente fornecem detalhes da história amazonense.
Capa do livro

 

ÁLVARO MAIA

As missões salesianas desejam por em merecido destaque o nome de Álvaro Maia, que desde o início se revelou grande e devotado amigo, tendo sempre para com elas delicadas provas de amizade, que se revelaram em vários atos de sua administração como Interventor Federal e na qualidade de Governador do Estado.

Álvaro Maia

A Escola Industrial de Tapuruquara [atual Santa Isabel do Rio Negro] lhe deve uma das melhores provas de sua amizade, quando tendo que suspender a construção de seu imponente prédio, encontrou em Sua Excelência um amigo dedicado, que, vencendo dificuldades políticas então surgidas, conseguiu fazer chegar àquela obra um auxílio pecuniário substancial que lhe permitiu a sua definitiva conclusão.  

O nome de Álvaro Maia, que vem honrar a primeira turma de normalistas formada no ano passado naquele instituto, afirma a gratidão que os Salesianos e as Filhas de Maria Auxiliadora lhe devem como a um dedicado amigo e protetor.  Mas, o que melhor ainda atesta a amizade de Álvaro Maia, é o Patronato Santa Terezinha de Cachoeirinha [inaugurado em 1936], que é incontestavelmente a melhor obra de assistência feminina gratuita de todo o Norte do Brasil. (...)

Patronato Sta. Teresinha, em construção

Foi ele adquiriu vários dos vinte e tantos lotes em que estava, então, fracionada a atual área daquele estabelecimento resolvendo dúvidas para a indenização de pequenas faixas de terras e de pobres choupanas, amparando famílias que deviam dar lugar para a continuidade do terreno indispensável àquela obra, animando com sua presença os modestos inícios do Patronato desde quando se reduzia à residência e pequeno pátio do saudoso Professor Olímpio de Menezes, Álvaro Maia constituiu-se um dos maiores benfeitores daquela instituição, que agora é motivo de justificada honra para todo o Estado do Amazonas.

A ele a justa gratidão de milhares de jovens agora já devidamente diplomadas, que o consideram como amigo e benfeitor.

Poeta e orador, Senador pelo Estado, enaltecendo com seus primorosos discursos e sua capacidade intelectual, membro e depois presidente da Comissão de Relações Exteriores, representando nesta qualidade o Brasil nas grandes Assembleias da Europa, o modesto glebário, que ainda agora vive do seu pronunciado amor à gleba natal, prestou assinalados serviços à sua Pátria e num gesto feliz, na Comissão de Finanças no Senado, salvou a situação precária das missões, amparando-a de uma feita, no momento em que na votação final do Orçamento lhes haviam sido negados os recursos necessários para a sua manutenção.

Na pessoa de Álvaro Maia, a Missão Salesiana deseja manifestar sua gratidão também a todos os governadores, políticos e amigos do Estado, que amparam nas horas duras da necessidade os passos às vezes incertos, na longa caminhada pelos sertões adentro na sua conquista espiritual e civilizadora.