CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sábado, novembro 10, 2018

CIDADE FLUTUANTE

Alvaro Maia


A saudosa Cidade Flutuante, desaparecida no primeiro ano do Governo Militar, obteve ainda que tardiamente uma palavra de consideração de um velho governante – Dr. Álvaro Maia. 
Pouco antes de falecer (4 maio 1969), escrevendo no Jornal do Commercio, edição de 16 de março do mesmo ano, Maia assim opinou:


Recorte da coluna do Jornal do Commercio




Mocambos e favelas podem ser destruídos, mas os seus habitantes não se adaptam facilmente a outros regimes de vida e aglomerações. Agamenon Magalhães [governador de Pernambuco] esforçou-se para solucionar o problema. Declarou, certa vez, que transferiria velhos moradores para casas novas na cidade, em planos traçados pela engenharia. Passados meses, lá apareciam em outros pontos dos mangues. Voltavam à beira-mar, aos caranguejos e siris. Haviam alugado, passado adiante as casas do governo. Esperteza, mas também nostalgia de espumas e salsugens.
Agora mesmo, na Guanabara, em plena Ilha do Governador, foi condenada a favela das Pelânias com os casebres sobre estacas, sofrendo a umidade e as ventanias. Construídas de madeira apodrecida, abrigam moradores, que se nutrem do mar.
Nesse particular, um dos bairros conhecidos por viajantes e turistas foi a “Cidade Flutuante”, em Manaus, que, diferente dos outros, apresentava condições econômicas. Um jurista, o professor David Melo, estudou-o juridicamente, atendendo, por certo, ao apelo dos moradores. Era uma das curiosidades folclóricas da capital, como o encontro das águas Rio Negro — Solimões — Amazonas.
Estudou-a também o economista Almir Diniz, assegurando que as embarcações de pequeno porte davam um movimento à cidade 200 vezes maior que o Roadway da Manáos Harbour aproximadamente, contribuindo para mercados e feiras todos os legumes, verduras, produtos agrícolas, procedentes do interior do Estado.

Desapareceu a “Cidade Flutuante” em poucos dias, sob a ação das autoridades, porque usurpava áreas do cais e prejudicava as casas comerciais do litoral. Tinha movimento próprio, — restaurantes, médico, dentista, escolas, pequenas lojas, boates. Atendia, de preferência, aos fregueses apressados dos beiradões, que ali encontravam o mais necessário, inclusive damas fáceis e folguedos noturnos. Vendiam os seus produtos, abasteciam-se, ingeriam as meladinhas e regressavam aos paranás e lagos pelo primeiro rebocador. Restam fotografias e postais.

Desaparecida, os seus habitantes procuraram os subúrbios da Capital, as ilhas próximas, ou se encovairaram pelos igarapés. Isolados e dispersos, perderam a unidade comercial, deixando também de contribuir para a arrecadação, pelos pequenos estabelecimentos que cerraram as portas e transações. Onde param esses moradores, onde mourejam? Motores, canoas, igarités pousam nas praias, à margem do rio Negro, em tapiris ou casebres equilibrados sobre cedros, açaens (sic) e sumaúmas. As ruas vizinhas passaram a fluir sossego, sem as serenatas e rapapés tamboriladas das boates.

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