CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, julho 26, 2018

CONSTANTINÓPOLIS


Nascido em Constantinópolis, estava eu às vésperas de completar sete anos quando o texto abaixo compartilhado circulou no vespertino Diário da Tarde (18 janeiro 1953). Lido por esses dias, mais de sessenta anos depois, fiquei imaginando o lugar desgraçado, infeliz onde nasci. Só havia misérias, infortúnios, se acreditar na descrição do jornalismo de antanho.

Recorte do referido vespertino
Não há uma indicação de bem-estar, da presença de qualquer organismo que proporcionasse um bom final de semana. Nem a igreja do padre Antonio Plácido, nem a igreja Batista de (que ainda conserva) Constantinópolis, tão pouco o cine Vitória ou a Usina Labor, menos ainda a beira do rio Negro e do igarapé de Educandos serviam de atenuantes. Nada. Somente aflições.
Ainda não havia o consumo de drogas, longe do nível de nossos dias, a cachaça seria essa desgraça para os homens e, para as mulheres, a prostituição. Acredito que o jornalista (não identificado, como era praxe da época) escreveu a matéria para cumprir a pauta, com interesse da empresa Archer Pinto, quem sabe, em atingir algum governante, ou todos.
Sorte grande, creio hoje, ter eu escapado desse inferno, se existiu nessa dimensão.


Bairro que congrega milhares de gente humilde; um pedaço esquecido de Manaus que ainda espera a proteção dos poderes públicos; trincheira onde permanece um exército de trabalhadores pelo engrandecimento desta terra infeliz — Constantinópolis possui, como os demais bairros de Manaus, a sua própria vida, os seus próprios problemas e amarga também o sofrimento e a miséria. (...)
Presa fácil dos caçadores de votos; gente humilde e ignorante que se deixa levar pelos demagogos, ambiciosos — aquela gente de Constantinópolis, sempre se apresentou como fator indiscutível na organização da sociedade amazonense, trabalhando nas mais difíceis tarefas; sendo ela aquela que, jamais se negou a lidar com o trabalho mais sacrificado das fábricas e das usinas, ou a exercer outras tarefas também medíocres, mas sempre honradas; mas mesmo assim nunca foi olhado com a consideração que merece; nunca recebeu o amparo de que necessita, e daí os mais desprimorosos conceitos que se lhe fazem.
Ali permanece uma infância infeliz, que não sentindo a assistência necessária, é obrigada a enveredar pela senda do crime e da prostituição. Bairro populoso, sustentáculo de nossa economia porque dali saem os homens que lidam nos mais duros trabalhos; bairro essencialmente operário, Constantinópolis carece de mais escolas e é merecedor de melhor sorte. Embora seja um dos mais populosos bairros de Manaus, ainda não compreenderam os poderes públicos que Constantinópolis já necessita de um hospital. Ao contrário, desassistido e pobre, doentio na sua maioria, aquele povo não dispõem nem ao menos de postos médicos onde possa se socorrer nos casos mais urgentes.

Sem um policiamento rigoroso; carecendo de luz e de água; sem ao menos uma feira onde comprar o alimento; com suas ruas e becos sempre em completa escuridão –Constantinópolis se transformou em campo aberto à ação dos criminosos, dos ladrões audaciosos, que assaltam em plena via pública ou chegam ao ponto de arrombarem residências, porque lhe falta a vigilância policial. A esta, porém, façamos justiça, não cabe exclusiva culpa porque aqueles becos em completa escuridão se apresentam como armadilhas traiçoeiras, onde o crime se verifica, e o criminoso se acoberta, sendo difícil por isto mesmo a proteção policial.
Ali sim, é que se verifica a deficiência assistencial em que vive a infância do Amazonas. Aquelas prostitutas em corpo de meninas, são o efeito da desorganização em que vivemos. Elas, sem a proteção necessária, sem o chamamento ao caminho do bem, sem os recursos indispensáveis para o convívio num meio mais elevado, se transformam então em vítimas pela hipocrisia da chamada “alta sociedade” e de repasto aos instintos bestiais dos “bonitões” e endinheirados. Isoladas no seu próprio ambiente, como a uma barreira imposta ao desenvolvimento social pelos preconceitos e pelo seu estado de pobreza, são forçadas então a seguir o destino de todas as jovens infelizes e desassistidas, ignorantes e necessitadas – a prostituição. (...)
Filhos que não conhecem pais; meninos ignorantes que não veem uma esperança de melhores dias; juventude forcada a seguir o caminho do crime; bairro infeliz sem um hospital, becos escuros que são verdadeiras armadilhas; povo desprezado e sempre ludibriado pelos políticos despudorados, são os complementos desse quadro entristecedor que se denomina Constantinópolis: expressão maior de miséria e sofrimento.



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