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segunda-feira, janeiro 29, 2024

SILOGEU AMAZONENSE - CADEIRA 14

 Acabo de ler o trabalho de Robério Braga sobre os Fundadores da Academia Amazonense de Letras (2019), que confessa a dificuldade com dados de certo biografado. Genésio Cavalcante é o acadêmico, que sequer deixou uma foto para ilustrar o compêndio.

Dando organização aos meus papeis, deparei com uma página do acadêmico padre Nonato Pinheiro a respeito de Genésio Cavalcante, que aqui vai compartilhada do matutino O Jornal (20 out. 1960).

Nonato Pinheiro, 1952

 

O CANTOR DA LARANJEIRA

Padre Nonato Pinheiro 

... Genésio Cavalcante representa, a meu sentir, um desses casos de esquecimento imerecido. Foi uma das mais altas figuras da Academia e um dos vultos mais significativos de nossas letras, sobretudo como poeta de altíssima inspiração, cujas concepções constituem autêntica ourivesaria literária. Em parte, talvez haja contribuído, ele próprio, para tal situação, uma vez que sua quase torturante ânsia de perfeição, ao jeito de Flaubert, lhe não permitiu a edição de Oiro e Cinzas, obra que lhe daria um monumento imperecível na literatura nacional, construído com o melhor mármore das canteiras de Carrara.

A verdade verdadeira é que sua obra continua fragmentada e dispersa em jornais e revistas de letras. Eu próprio tive de empreender esforço hercúleo para coligir subsídios indispensáveis para uma obra que pretendo concluir para breve, sob a epígrafe Figuras da Academia Amazonense, em que me ocupo exclusivamente de acadêmicos falecidos.

O acadêmico Moacyr G. Rosas, que lhe detém a sucessão na Casa de Adriano Jorge, lutou com sérias dificuldades para a elaboração do elogio de seu insigne antecessor, só conseguindo dois sonetos de Genésio Cavalcante: "Pelo cair das folhas...” e “Semeador".

Teceu-lhe, entretanto, fúlgido estema, ressaltando-lhe a ânsia da perfeição neste lanço consagrador:

"Fino degustador dos manjares superexcitantes de Heredia e de Rabelais, e como um príncipe da Renascença, o seu espírito helênico contornava curiosamente todas as manifestações artísticas e literárias. Poeta parnasiano, os seus sonetos eram joias peregrinas que se não ofuscavam em confronto com os primores do mestre das Odes Funambulescas. Cinzelava admiravelmente os seus versos, da mesma forma porque esculturavam os seus translúcidos jades os velhos e pacientes artistas chineses". (Cf. Dois Discursos Acadêmicos, pp. 8-9).

Pena é que Moacyr G. Rosas não conhecesse o lindo poema Laranjeira, onde Genésio Cavalcante derramou todo o ouro de seu formoso talento e todas as pedrarias faiscantes de sua pompa verbal, que emprestava realce invulgar à sua poesia.

Não conheço, nos meus caminhos literários e nas minhas peregrinações estéticas, elogio mais alto da laranjeira. Sei que em muitas literaturas os príncipes da prosa, e da poesia lhe dedicaram páginas de antologia. Sei que São Francisco de Sales, fundando em sua diocese a Academia Florimontana, que reunia a flor da montanhosa Saboia, teve a feliz inspiração de dar-lhe por brasão duas laranjeiras, carregadas de flores e de pomos de ouro, com a sugestiva legenda: “Flores Fructusque Perennes" (Flores e frutos perenes). Assim, no pensamento do doutíssimo prelado, as Academias deviam imitar as laranjeiras, com a perene floração e frutificação das letras.

O fato, porém, é que não havia lido página tão emocionante. O poema é uma obra-prima de sublime poesia, e tão resplandecente que mais uma vez recorro à já surrada imagem das lentes esfumadas, para suportar tanta fulgurância.

Citarei os trechos mais formosos. Assim principia o artista o solene precônio:

"No ouro novo do sol os refloridos galhos,

Entre zumbir das rúmuras abelhas

E alada cavatina,

Triunfavas e fulgias

Numa cintilação fantástica de orvalhos,

Prenhe de aroma e luz, leves e fecundantes

Pólens de prata fina

A espaços peneirando...”

Passam-se os anos, e o cantor revê a velha laranjeira, batida dos ventos e das tempestades, cuja vida assim descreve com alta beleza e rara inspiração:

"Bem sei que a invernos maus, lufadas e procelas

Tu te acurvaste e, súplice, no outono,

Em profundo e tristíssimo abandono,

Ao murchar dos teus pomos dourados,

-- Esplendor maternal de ventura!

Gota a gota, no fluir da resina,

Choraste em choro quieto aos ventos em surdina...

E as pobres folhas, amarelas,

Falhas de seiva, as horas de amargura

Marcaram-te, rolando ermas e lentas

Como soluços abafados...

Por crepúsculos dormentes,

Taciturna, evocaste a imagem do infortúnio

Entre os vapores da neblina escassa...

Ou à sugestão do plenilúnio,

Toda de espinhos eriçada

E aureolada

De místicos palores,

Foste a Madona das Dores

Agonizando

E relumbrando

Cheia de amor, cheia de unção, cheia de graça...”

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