CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

segunda-feira, outubro 29, 2018

OLIGARQUIA DOS NERY (1)


A revista O Malho, editada no antigo Distrito Federal, ao festejar o seu cinquentenário, em setembro de 1952, publicou um artigo de Raul de Azevedo sobre a família amazonense dos Nery.

Capa da Revista
Aproveito esta postagem para declarar minha pretensão de escrever uma biografia dessa família. A motivação se funda na sua marcante presença na história regional. E nacional. Minha ligação com essa história começou em 1956, quando ingressei no seminário católico da Rua Emilio Moreira, onde me informaram que aquele imenso terreno constituía a chácara de Silvério Nery.
Azevedo, o autor, assume sua intimidade com os Nery. Desse modo, para enobrecer a liderança familiar, traça uma página excessivamente laudatória. Utiliza o aforismo de que os amigos não têm defeitos. E mais, dá-lhes autoria de obras realizadas em outros governos. No entanto, vale pela raridade.
Tomei a iniciativa de repartir este artigo em três capítulos. 

Recorte do título do artigo


Neste cinquentenário d’O Malho, que Crispim do Amaral, com a graça irreverente do seu lápis ilustrou desde o seu primeiro número até morrer – pode-se reconstituir a vida do Brasil, viajando através do turbilhão das suas páginas frementes.
Lembra-nos que O Malho, na prosa e na caricatura, mais nesta do que naquela, não deu nunca habeas-corpus às oligarquias, tidas como uma desgraça para os Estados e assim para o País. Rara a edição antiga em que mestre J. Carlos, e os seus companheiros de traço humorista, não esfuziavam contra famílias dominadoras, que, com o seu chefe, diziam monopolizar algumas províncias, entupindo cargos e nadando em alborques.Não pesquisamos a verdade sobre o assunto delicado e complexo, mas cinquenta anos depois — nunca é tarde para um belo gesto! – viemos contestar a injustiça graciosa e risonha contra uma delas, a famosa oligarquia Nery do Amazonas, que esta revista e outras, e jornais muitos, viviam a combater, e por mal informados, ou na explosão de paixões regionais, alteravam muita vez os fatos. E não nos sentimos suspeitas, pois nos consideramos um pouco desta casa, pelos anos aqui vividos.Os quatro vultos principais dessa chamada oligarquia eram – o barão Frederico de Sant’Ana Nery, o Dr. Marcio Nery, o Dr. Silvério José Nery e o general Constantino Nery. Vamos esclarecer desde logo o primeiro, grande intelectual, nome internacional, residia em Paris. O segundo, morava no Rio de Janeiro, famoso nome de psiquiatra, sábio, diretor do Hospício de Alienados. Silvério e Constantino foram senadores e governadores do Amazonas.Filhos dum velho oficial do Exército, que fizera com honra a guerra do Paraguai, rara é a família no Brasil que possa apresentar um quadro de valores tão alto como os Nery do Amazonas. E é facílimo comprovar. O barão de Sant’Ana Nery sempre residiu em Paris, e fazia raras viagens ao Amazonas, e superiormente dedicou-se a ele. Escritor, jornalista, cientista, humorista, homem de sociedade, muito relacionado, ele era também um palestrador excepcional. De Paris, enviava semanalmente — e durante quinze anos, — os seus saborosos folhetins para o Jornal do Comércio [RJ]— “Ver, Ouvir e Contar”, que fizeram época.Uma outra sua seção, aliás bem interessante, era o recorte e comentário parisiense Jornal dos Jornais. Escreveu em outras folhas cariocas. Publicou uma obra invulgar. Les Pays des Amazones, em francês, inglês e italiano, vastamente ilustrada, e ninguém bem poderá conhecer a Amazônia, sem consultar essa obra. Bem escrita, é um dos principais estudos que se há feito sobre a região rica e virgem.Um fato singular, esse homem que vivia em Paris, que lá educou-se, falava e escrevia maravilhosamente o nosso idioma. Era homem de estudo, de gabinete, embora vivendo na agitação de Paris, Le Folk Lore Brésilien prefaciado pelo príncipe Roland Bonapart; Aux Etás Unis du BrèsilLe Brèsil en 1899; o Dicionário Enciclopédico. E como obra política, de charge, das melhores apreciadas no Brasil, De Paris a Fernando de Noronha.É a história do seu degredo na ilha célebre. O barão de Sant’Ana Nery viera ao Rio de Janeiro matar saudades e visitar os amigos. Estes convidaram-no para escrever no seu jornal, o grupo que combatia o presidente Floriano Peixoto. Fizeram uma tentativa de revolução abortada, e o marechal prendeu a todos os que não fugiram. A polícia foi à redação e lá encontrou somente o barão, que chegara há uma semana. Nada tinha com os barulhos, e foi… deportado para Fernando de Noronha!Cumpriu a pena, até que foi anistiado, e escreveu este livro alegre sobre a sua prisão. Representou o Governo do Brasil, antes e depois de Floriano, em diversas Assembleias e Congressos, assim como o Amazonas. Fundou em Manaus, conosco e outros, a primeira Associação de Imprensa no Brasil. Prestou ótimos serviços ao País. Vêm que a oligarquia dos Nery está diminuindo. Esse nunca interferiu nos assuntos privados do Amazonas. E ele bem podia dizer como Horácio — non omnis morias (eu não morrerei todo), porque a minha obra sobreviverá. (segue)

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