CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

quinta-feira, maio 18, 2023

MANUEL MENDONÇA & MENDOZA (1916-2014)

Escrito quando se completou cinco anos da morte de nosso genitor (2019), somente hoje – data de sua morte – o texto intitulado “Ocaso” vem a público, escrito pelo filho Renato Mendonça. Que segue cuidadoso com as efemérides da família. 

OCASO

(18/05/2019) 

Renato Mendonça

Há exatos cinco anos passados, aproximei-me para atender ao telefone fixo que tocava insistentemente, havia uma expectativa no ar, algo estranho que durante os dois dias anteriores criou em mim uma certa angústia, evoluiu como um pesadelo indesejável. Passava um tempinho depois da onze, minutos apenas, sentei-me no sofá, intuindo que receberia uma notícia nada favorável, mas não imaginei o ocaso. Meu pai estava internado havia dois dias no Hospital Artur Ribeiro de Saboya, em São Paulo, e no último diagnóstico, um fatídico tumor no intestino.

Fiquei inerte ouvindo a notícia, rejeitando o fato de não poder fazer nada, incomodado com a minha impotência naqueles dois dias de internação. Dialoguei calado com o Luisinho do outro lado da linha, naqueles poucos segundos de conversação, apenas meu choro contido aparecia em resposta.

A notícia veio como um punhal atravessando o peito, apesar do meu “eu” estar em estado de alerta; apesar de minha intuição ter se manifestado previamente, tentando me preparar para a desdita. Porém, por mais que conversemos com Deus, nunca estamos realmente preparados para essa dor dilacerante no coração; essa dor retida na nossa consciência, e transmitida aos poucos, com o passar dos anos, como uma amargura infindável. Que volta a flutuar em nossa mente quando se tenta resgatar essas datas infaustas.

No dia 16/05/2014, eu havia anotado numa folha do meu caderninho de lembretes, como se fosse um pleito ao Senhor: “Deus o proteja e o salve desse infortúnio.” No dia seguinte, meditando sobre a vida de meu pai, reli o texto e completei, antecipando um gesto de conformação com a mala suerte: “Mas, seja feita a Vossa vontade”, determinado a aceitar os desígnios divinos, e relembrando as palavras de Jesus Cristo no Horto das Oliveiras.

Ao assimilar toda a notícia, tentei, mas não consegui falar nada. Passei o telefone a alguém que estava ao meu lado. Ainda sentado no sofá, coloquei as duas mãos sobre a parte de trás da cabeça e puxei pra baixo, para aproximá-la das pernas, em decúbito dorsal. Queria talvez enterrá-la no chão, feito a avestruz.

O pensamento viajou no tempo, busquei lá no fundo da memória, a idade mais remota, achei-me na boleia do caminhão, ao seu lado, saboreando biscoitos que ele fazia representação. Achei-me mais tarde, vendo-o fazer alguns trabalhos de carpintaria, no Seminário São José, onde eu e um irmão estudávamos. Era um lenitivo para mitigar a saudade, a carência afetiva, que já invadia minha alma. Depois, outros inúmeros momentos, a sua luta para prover a numerosa família de meios de subsistência. O meu amor espiritual por ele trazia todas suas boas ações, e me antecipava a falta que ele iria fazer, como uma referência, como um ícone familiar. Depois que todas essas lembranças rodaram como slides, resumi, em choro convulsivo, a sua trajetória: “findou-se o pequeno grande homem, ele não existe mais...”.

Fiquei num deserto de ideias, para saber o que eu faria dali em diante, a situação exigia providencias. Tinha um monte de providências a tomar, no mundo real, porém eu não tinha como fazer naquele momento, o meu espírito queria juntar-se ao dele para sentir sua presença. Chorei, chorei muito. Lamentei tudo, e na reflexão do meu momento, completei o texto do meu caderninho – uma mania de registrar datas e dados, para a posteridade: “e eu poderia ter me empenhado mais... ter rezado mais... ter conversado com Deus.”

E, naquela angústia, Deus me falou:” realiza o último desejo de seu pai, honra a sua vontade. Já elevarás sua alma ao céu.”

 Assim, me recobrei, enxuguei as lágrimas e me entreguei à missão, a missão da vida, enfrentando a morte. No necrotério do hospital em São Paulo, a missão mais dolorosa, reconhecer seu corpo inerte, sem vida, frio como a madrugada daquela noite, esperando o embalsamamento, preparando-o para a última viagem para Manaus.

Deus o tenha em lugar dos justos e dos homens de fé.

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