O texto do falecido padre Nonato Pinheiro foi compartilhado do Jornal Cultura (edição de outubro 1982), publicação da Fundação Cultural do Amazonas.
Recorte da citada publicação |
Acolhi com muita simpatia a iniciativa.
Embora escritor português, o romance de Ferreira de Castro é amazônico, por
essência e por excelência, já que a trama ficcionista se teceu por inteiro no
seringal PARAÍSO, aquele "rasgão da floresta, aberto, como um átrio, à
beira do rio", como lembraria o romancista na pequena história sentimental
de A Selva.
O romance foi escrito em sete meses, de 9
de abril a 29 de novembro de 1929, tendo sido publicado em maio de 1930.
Segundo depoimento do próprio ator, a obra foi acolhida em Portugal, o que não
ocorreu no Brasil, onde se notou a famigerada "conjuração do silêncio",
conhecida e maquiavélica trama dos que se inquietam com o brilho alheio, que
incomoda os espíritos mesquinhos... Como o que é bom de difunde, a cortina foi
rompida e A SELVA teve seu merecido realce nos círculos literários brasileiros.
Foi reconhecido o valor do romance e proclamaram-se as excelências do prosador
lusitano, sobretudo como admirável paisagista.
Examinem-se estes dois cromos fascinantes:
"E era aí que a luz dava um ar da sua
graça, branqueando e tornando luzidio o pescoço de algumas árvores mais altas e
restituindo, pela transparência, às asas de milhares de borboletas as suas
verdadeiras cores de arco-íris fantástico". (p. 110 da 23a edição
(a definitiva).
"A selva era, agora, um jogo fantástico
e espetaculoso de sombras e claridades. O sol, onde encontrava furo,
derramava-se em cataratas e vinha por ali abaixo, em linhas irregulares,
vestindo de prata os troncos, galhos e folhas e dando transparência aos rincões
obscuros. Na própria terra, ao longe, vislumbravam-se, por esta e aquela
fresta, grandes toalhas de luz, sobre as quais se banqueteavam essas policromas”.
(p. 129).Busto de Ferreira de
Castro, em Manaus
Meu primeiro contato com o romance de Ferreira de Castro foi de emoção e deslumbramento. Manifestei meus sentimentos no artigo A Epifania da Selva, inserto no extinto vespertino A GAZETA. Na minha total insciência, meu saudoso amigo Figueiredo da Cruz, vice-cônsul de Portugal, enviou-lhe o recorte. Éramos quase vizinhos. Certo dia, a grande surpresa: "Honro-me em entregar-lhe esta carta de Ferreira de Castro". E ao notar meu espanto, logo acrescentou: "Enviei-lhe seu artigo e cá está a resposta". Foi o início de um intercâmbio epistolar que perdurou até ao tramonto (deixe-me usar o italianismo!) de sua fecunda existência.
Se Ferreira de Castro não possuiu a
torrente verbal de Aquilino Ribeiro, o festejado autor de "Lápides
Partidas" e "O Arcanjo Negro", guapo prosador e profundo
conhecedor do idioma, nem as excelências estilísticas de Miguel Torga, brilha
como paisagista e produtor de páginas comovedoras e empolgantes, assomando como
verdadeiro precursor de neorrealismo português, entre cujos princípios
alcançaram notável realce Alves Redol e Fernando Namora.
Além de A SELVA, outras obras apreciáveis
nos deixou o laureado escritor, entre as quais: Os Emigrantes, A Tempestade,
Eternidade e A Lã e a Neve. Foi um dos escritores portugueses mais
traduzidos, ingressando com altivez no Panteão da Literatura Universal!Divulgação (internet)
No banquete que a intelectualidade brasileira lhe ofereceu no Rio de Janeiro, comemorativo do Jubileu de A SELVA o Amazonas esteve presente. Frutas regionais ornaram a mesa festiva, enviadas de Manaus por Ildefonso Pinheiro.
Desejou, antes que se lhe apagassem as
pupilas, rever o PARAISO, em cujo cenário viveu os dramas dilacerantes da selva
misteriosa e implacável, como a classificou no pórtico de seu grande livro.
Proibiram-no os médicos: o fatigado coração não resistiria ao maremoto das
emoções em tumulto...
Sugiro que o pedestal do monumento assuma a
forma de um livro, reproduzindo o frontispício da primeira edição de A Selva,
lembrando aos contemporâneos e aos pósteros a importância da floresta amazônica
como castália de escritores e artistas!
Nenhum comentário:
Postar um comentário