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quarta-feira, maio 10, 2023

NONATO PINHEIRO & FERREIRA DE CASTRO

 O texto do falecido padre Nonato Pinheiro foi compartilhado do Jornal Cultura (edição de outubro 1982), publicação da Fundação Cultural do Amazonas.

Recorte da citada publicação

Tomei conhecimento de que os Amigos de Ferreira de Castro, à frente o escritor e artista Moacyr Andrade, presidente do Instituto Brasileiro de Antropologia da Amazônia, vão erigir, sob os altos auspícios do Consulado de Portugal, um monumento a Ferreira de Castro, o celebrado autor de A SELVA, romance que o inseriu definitivamente no elenco dos intérpretes da Amazônia.

Acolhi com muita simpatia a iniciativa. Embora escritor português, o romance de Ferreira de Castro é amazônico, por essência e por excelência, já que a trama ficcionista se teceu por inteiro no seringal PARAÍSO, aquele "rasgão da floresta, aberto, como um átrio, à beira do rio", como lembraria o romancista na pequena história sentimental de A Selva.

O romance foi escrito em sete meses, de 9 de abril a 29 de novembro de 1929, tendo sido publicado em maio de 1930. Segundo depoimento do próprio ator, a obra foi acolhida em Portugal, o que não ocorreu no Brasil, onde se notou a famigerada "conjuração do silêncio", conhecida e maquiavélica trama dos que se inquietam com o brilho alheio, que incomoda os espíritos mesquinhos... Como o que é bom de difunde, a cortina foi rompida e A SELVA teve seu merecido realce nos círculos literários brasileiros. Foi reconhecido o valor do romance e proclamaram-se as excelências do prosador lusitano, sobretudo como admirável paisagista.

Examinem-se estes dois cromos fascinantes:

"E era aí que a luz dava um ar da sua graça, branqueando e tornando luzidio o pescoço de algumas árvores mais altas e restituindo, pela transparência, às asas de milhares de borboletas as suas verdadeiras cores de arco-íris fantástico". (p. 110 da 23a edição (a definitiva).

"A selva era, agora, um jogo fantástico e espetaculoso de sombras e claridades. O sol, onde encontrava furo, derramava-se em cataratas e vinha por ali abaixo, em linhas irregulares, vestindo de prata os troncos, galhos e folhas e dando transparência aos rincões obscuros. Na própria terra, ao longe, vislumbravam-se, por esta e aquela fresta, grandes toalhas de luz, sobre as quais se banqueteavam essas policromas”. (p. 129).

Busto de Ferreira de
Castro, em Manaus

Meu primeiro contato com o romance de Ferreira de Castro foi de emoção e deslumbramento. Manifestei meus sentimentos no artigo A Epifania da Selva, inserto no extinto vespertino A GAZETA. Na minha total insciência, meu saudoso amigo Figueiredo da Cruz, vice-cônsul de Portugal, enviou-lhe o recorte. Éramos quase vizinhos. Certo dia, a grande surpresa: "Honro-me em entregar-lhe esta carta de Ferreira de Castro". E ao notar meu espanto, logo acrescentou: "Enviei-lhe seu artigo e cá está a resposta". Foi o início de um intercâmbio epistolar que perdurou até ao tramonto (deixe-me usar o italianismo!) de sua fecunda existência.

Se Ferreira de Castro não possuiu a torrente verbal de Aquilino Ribeiro, o festejado autor de "Lápides Partidas" e "O Arcanjo Negro", guapo prosador e profundo conhecedor do idioma, nem as excelências estilísticas de Miguel Torga, brilha como paisagista e produtor de páginas comovedoras e empolgantes, assomando como verdadeiro precursor de neorrealismo português, entre cujos princípios alcançaram notável realce Alves Redol e Fernando Namora.

Além de A SELVA, outras obras apreciáveis nos deixou o laureado escritor, entre as quais: Os Emigrantes, A Tempestade, Eternidade e A Lã e a Neve. Foi um dos escritores portugueses mais traduzidos, ingressando com altivez no Panteão da Literatura Universal!

Divulgação (internet)

No banquete que a intelectualidade brasileira lhe ofereceu no Rio de Janeiro, comemorativo do Jubileu de A SELVA o Amazonas esteve presente. Frutas regionais ornaram a mesa festiva, enviadas de Manaus por Ildefonso Pinheiro.

Desejou, antes que se lhe apagassem as pupilas, rever o PARAISO, em cujo cenário viveu os dramas dilacerantes da selva misteriosa e implacável, como a classificou no pórtico de seu grande livro. Proibiram-no os médicos: o fatigado coração não resistiria ao maremoto das emoções em tumulto...

Sugiro que o pedestal do monumento assuma a forma de um livro, reproduzindo o frontispício da primeira edição de A Selva, lembrando aos contemporâneos e aos pósteros a importância da floresta amazônica como castália de escritores e artistas!

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