David Ranciaro |
Desfrutei muito pouco da
amizade do Ranciaro, essa afeto aconteceu apenas quando ele se achegou ao Chá
do Armando. Nas sextas em que ali nos assentávamos, pude dialogar e entender
sua movimentação. Antes, quem me falou sobre ele foi o falecido poeta Sergio
Pereira, amigos de variados ambientes.
Até então eu pensei que se
tratava de um cantor popular, de tantos que floreiam a noite e os recantos da
cidade. Todavia, não era nada disso. Ranciaro deixou-me a impressão do paladino
que luta e luta por mais livros em mãos de jovens, daí seu esforço em dotar escolas
públicas com mais bibliotecas. Foram vários empreendimentos bem sucedidos.
Lamento não ter colaborado e contribuído, bem que fui convidado. Perdão,
Ranciaro, a próxima biblioteca deverá ter seu nome.
O amigo de longa data,
Zemaria Pinto fez este registro em seu blog Palavra
do fingidor:
A leitura de Plantador de flores me
fez viajar em minha própria história, pelos recitais da Caravana Literária,
grupo de poetas e músicos que andava pelas escolas semeando poesia, há 10 anos,
quando tudo começou. David Ranciaro, além de ser uma espécie de empresário do
grupo, contatando as secretarias e as escolas, era o poeta que se comunicava
com mais facilidade com a massa de alunos, apesar de sua notória timidez: seus
poemas, lidos com falsa displicência, não pediam, para serem compreendidos,
análises complexas: os alunos ouviam, riam e aplaudiam, entusiasmados, pois a
conclusão era sempre inusitada e engraçada, como em “Cabocliana n° 1”, “Só
quero um beijo”, “Tardinha” e a clássica “Fila para entrar na fila” – todos
presentes neste volume: florilégio.
(...)
E o poeta e contista João
Pinto concebeu o texto abaixo ao se despedir de Ranciaro, ao meu lado, na noite
do velório.
ESCUTE O AMIGO DAVID
Há
uma coisa diferente quando um defunto, num caixão exposto aos vivos, numa sala,
se apresenta.
É que seu silêncio é tão danado que nos dói. E o silêncio não está somente em sua voz, está no rosto impecável, nas mãos cruzadas e em tudo que lhe diz estranho.
É que seu silêncio é tão danado que nos dói. E o silêncio não está somente em sua voz, está no rosto impecável, nas mãos cruzadas e em tudo que lhe diz estranho.
David
Ranciaro estava com tal aflição e não sabia o que dizer no último instante. Com
tantas silhuetas ao seu lado.
Seu barco de madeira parecia que o sufocava de tão apressado.
Eu acho que o amigo do Chá me pedia algo além das minhas forças, que eu lhe passasse uma garrafa, um pedaço de pão de queijo, e que o Aguinaldo fechasse a matraca para ele declamar uma lavra sua.
Seu barco de madeira parecia que o sufocava de tão apressado.
Eu acho que o amigo do Chá me pedia algo além das minhas forças, que eu lhe passasse uma garrafa, um pedaço de pão de queijo, e que o Aguinaldo fechasse a matraca para ele declamar uma lavra sua.
David Ranciaro |
Pois
logo hoje, David, não me faça chorar. Sei que houve uma metamorfose em seu
dileto cavalo que subia um batente e abria a porta do Ideal [Clube] para sentar
perto da gente.
Sei que seus cabelos brancos nunca mais branquejarão. É que sob um monte de
barro ali fica nossa roupa velha, que nunca se quer jogar fora.
E agora, José? Você não foi a Minas.
À última hora, sem aviso prévio, você jogou seu celular num muro e espatifou por completo. Foi assim, meu amigo, o teu gesto de pedir férias definitivas. Agora você vibra em outra. Sem essa de dor no peito. Sem essa de carteira vazia.
É assim que a gente sente a brisa, que um dia foi cálida, que nos oxigenou e não enche mais nossos pulmões.
À última hora, sem aviso prévio, você jogou seu celular num muro e espatifou por completo. Foi assim, meu amigo, o teu gesto de pedir férias definitivas. Agora você vibra em outra. Sem essa de dor no peito. Sem essa de carteira vazia.
É assim que a gente sente a brisa, que um dia foi cálida, que nos oxigenou e não enche mais nossos pulmões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário