Para saudar a festa do
Natal e relembrar o saudoso padre Raimundo Nonato Pinheiro, reproduzo o texto que ele
publicou em O Jornal, três dias antes do Natal de 1958.
O Esplendor do Natal (*)
Presépio na igreja São Pedro e São Paulo, em Brasília |
Daqui
a três dias raiará sobre a humanidade mais uma festa de Natal. Todos os anos o
esplendor do nascimento de Jesus rompe a caligem que envolve os povos e ilumina
os caminhos da Justiça que levam os homens a Deus. Recorda esse acontecimento litúrgico
a vinda do Salvador à terra para libertar a humanidade do jugo do pecado. O nascimento
do Divino Infante foi a abertura solene da redenção, que se consumou nas
alturas do Gólgota, quando o Sangue de Cristo lavou as iniquidades do mundo.
A
humanidade que nos precedeu, no Antigo Testamento, suspirava pela chegada do Messias,
o Cordeiro que devia dominar o orbe. Os profetas lançaram suas predições, cujos
ecos ainda se reproduzem nas páginas da Bíblia e nas vozes das comemorações litúrgicas.
Ficou celebra a exclamação messiânica de Isaías, em cujos lábios vibrou o
clamor de todos os povos: Rorate, coeli, desuper, et nubes pluant Justum;
aperiatur terra, et germinet Salvatorem! (Derramai, ó céus, lá dessas
alturas o vosso orvalho, e as nuvens façam chover o Justo; abra-se a terra e brote
o Salvador). Este canto sublime, lancinante grito de um mundo algemado,
constituiu-se uma espécie de estribilho para o tempo do Advento, que agora expira
interpretado com expressiva sonoridade pela melodia gregoriana.
Selo comemorativo do Natal de 1959
E
o Messias chegou. Veio no esplendor de uma noite fulgurante e silenciosa,
apenas embalada pelas vozes angélicas, que entornaram nos ares a beleza dulcíssima
daquele cântico que ficou para sempre associado ao Natal: Glória a Deus nas alturas
e paz na terra aos homens de boa vontade. Quis o Salvador nascer em plena
meia-noite, talvez para ressaltar mais sua qualidade culminante de Luz do
Mundo, como um dia deveria proclamar peremptoriamente: Ego sum lux mundi!
Nasceu
na quietude de uma noite silenciosa, talvez para acentuar a sua condição
excelsa de Verbo de Deus, que trouxe a palavra viva de seu Pai Celeste, o Evangelho,
palavra que deveria ser anunciada em todo o mundo. O livro da Sabedoria
predisse lindamente a misteriosa tranquilidade daquela noite memorável:
Enquanto todas as coisas estavam mergulhadas em profundo silêncio e a noite no
seu curso ia a meio do caminho, a tua palavra onipotente, Senhor, baixou dos céus,
do seu trono real. Constitui esse trecho cintilante o introito da missa do
domingo dentro da oitava do Natal.
Realmente,
o Messias foi essa palavra augusta, que se fez carne, na expressão curta e
luminosa do evangelista São João: Et verbum caro factum est! (E o verbo
se fez carne!). Que profundeza admirável, e que abismo de grandeza nessa locução
do prologo de São João. Toda a Teologia gravita inquestionavelmente em torno dessa
frase lapidar, que nos lembra a encarnação do Verbo Divino, que se fez homem
verdadeiro, sem deixar de ser verdadeiro Deus!.
Natal
de Jesus! Há quase dois mil anos celebra a humanidade o mistério esplendente dessa
realidade grandiosa, que nos encanta e comove. Jamais o mundo havia sentido tão
perto a presença de Deus, agora revelado na ternura de um infante, envolto em
humildes palhas. É ainda o sublime Isaías que empresta à Bíblia e à liturgia sagrada
a trombeta de ouro de sua palavra inconfundível: Puer natus est nobis, et
filius datus est nobis (Nasceu-nos um menino, e foi-nos dado um filho!).
Não
conheço tema mais fecundo e sugestivo do que o Natal de Jesus. Os papas e os
bispos todos os anos haurem luzes e claridade do berço do Salvador para as suas
mensagens natalinas. Pio XII, o insuperável Pio XII, que assombrou a Igreja e o
mundo com o milagre de sua genialidade, durante 19 anos de sumo pontificado dirigiu
à humanidade estupendas mensagens de Natal, inspirando-se sempre nos mesmos
temas clássicos e inestancáveis. Suas palavras (que já nos farão falta este ano)
traziam sempre o brilho e a novidade de uma aurora. Eram meditações sublimes. Eram
roteiros seguros. Eram cânticos de fé e de esperança. Já não entendíamos o Natal
de Jesus sem a mensagem de Pio XII. A última, do Natal de 1957, foi uma das
mais soberbas, cujos acordes ainda ressoam aos nossos ouvidos.
Além
do papa, os bispos costumam enviar a suas ovelhas palavras de saudação e de fé.
Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, insigne cardeal-patriarca de Lisboa, desde que
ascendeu àquele patriarcado, para lustre da Igreja em Portugal, todos os anos
mimoseia seu dileto rebanho com uma página de Natal referta de sublimidades.
Dir-se-ia
que a estrela dos magos continua a brilhar na voz e na pena dos nossos pastores,
indicando o caminho de Belém e focando para os cristãos os valores
sobrenaturais das verdades eternas. Afinal, é no berço de Jesus que todos vão
haurir luz e esperança. Na pobreza daquelas palhas há mais riqueza do que na opulência
das mais soberbas cortes, onde flamejam as purpuras dos reis.
Como
a aurora rutilante espanca as trevas da noite e as sombras da madrugada com o
esplendor cotidiano do sol nascente, o Natal rompe todos os anos as
obscuridades que se acumulam sobre o mundo, toldando-nos a vista e roubando-nos
a visão dessas verdades profundas que frutificam para a vida eterna.
Há
sempre uma sensação de luz que brilha pelo Natal, irradiando das aras santas
para os nossos lares, essa luz que fulgura há dois mil anos, e que já fora
anunciada pelo verbo poderoso e inconfundível do já citado Isaías (9:12): Populus
qui ambulabat in tenebris, vidit lucem magnum (O povo que andava nas
trevas, viu uma grande luz). No Natal vivemos com mais intensidade o esplendor
dessa luz. E a Igreja, inspirada nesse texto do profeta, reza ou canta no introito
da Missa da Aurora: Lux fulgebit hodie super nos (Hoje uma luz brilhará
sobre nós, porque nos nasceu o Senhor). (...)
Uma
grande inquietação, pelo menos, aflige a humanidade: o temor de uma nova
guerra. Queira Deus que a crise de Berlim não seja o estopim da terrível conflagração
atômica, que destroçará a maior parte da humanidade, deixando talvez o resto em
frangalhos, pelo flagelo das irradiações nucleares. Deus afaste do mundo a visão
macabra desse quadro horroroso, do qual Hiroshima e Nagasaki se tornaram o
horripilante vislumbre!
A
esperança continua a brotar do berço do Deus-Menino. A claridade continua a
provir do esplendor do Natal. A salvação continua a ser o caminho de Belém. Oxalá
o esplendor dessa Lux Magna, de que nos fala o profeta Isaías, rompa
mais uma vez a caligem que envolve o mundo e entenebrece as nações, de tal
feitio que os homens possam retomar os caminhos da Justiça, e surja o mundo
melhor que Pio XII desejou, mas não viu, um mundo de fraternidade e harmonia,
de paz e de justiça social, que seja, numa palavra, a paz de Cristo no reino de
Cristo!.
(*) O Jornal, 21 de dezembro de 1958
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