Atuação dos Bombeiros no Sambodrómo, carnaval de 2011 |
No Estado, esta passagem demandou penosa tarefa,
que deixou sequelas em ambas as corporações. O tempo, inquestionável bálsamo,
haverá de cicatrizar. Para explicar seu período de comando, o emergir desta
nova corporação, o coronel da reserva Nilson Pereira (1951-) concedeu-me a seguinte
entrevista.
Incêndio no centro de Manaus, 2012
Roberto Mendonça - Como o senhor chegou ao comando
do CBM?
Nilson Pereira da Silva - Em final de 1998,
concluía o Curso Superior de Polícia (CSP) na PMESP, quando fui convidado pelo
governador Amazonino Mendes para assumir o comando ou da PMAM ou do Corpo de Bombeiros
Militar, se contribuísse para a exoneração de oficiais superiores da PMAM. Nesta,
a ideia enfim concretizada pelo governador, tornou-se conhecida na cidade como a
“expulsão de coronéis”. Como não via com simpatia a medida, aceitei o comando
dos Bombeiros, uma unidade reconhecidamente simpática. E mais, em processo de
desvinculação da PMAM.
Como se deu a desvinculação? Foi bastante difícil. A questão vinha se arrastando desde 1988, quando a
Constituição Federal deu este privilégio à corporação dos Bombeiros. A partir
do ano seguinte, a separação entre as corporações aconteceu em ritmo cada vez
mais acelerado. No Amazonas, como disse, o episódio vinha esquentando. Nessa
ocasião, a Emenda Constitucional da desvinculação já fora aprovada e, portanto,
era hora de escolher o comandante.
E por que se tornou difícil esta escolha? Pelo número de candidatos. Havia ao menos
três candidatos, cada um com sua corrente disputando com vontade. Então, era
dossiê circulando contra e a favor; os padrinhos apadrinhando e nenhuma coesão
dentro do quartel.
Quem era então o comandante dos Bombeiros e qual
sua condição neste quadro? Era o
tenente-coronel PM Colares Filho, que enfrentava o assunto como podia, afinal
também aspirava à nomeação. Daí se tornar difícil sua posição.
Na disputa entre alguns, o senhor apareceu
como terceiro? Como disse, fui escolhido sem estar no
campo. Resultado: a minha presença nos Bombeiros, ainda mais como oficial da
PM, não foi bem aceita. Assim, as divergências ainda mais se aprofundaram.
Uns candidatos se retiraram, outros permaneceram.
Conversei com todos mostrando que fora escolhido para implantar uma nova
corporação. Disse que precisava da ajuda de todos. Convidei, na ocasião, o
tenente-coronel Colares Filho para ser o subcomandante, o qual, para minha
satisfação, aceitou. Já foi um bom começo. Mas, havia dificuldades de todos os
lados.
Quais dificuldades? As verbas eram geridas pela PM, isto não
fora pensado quando da desvinculação. Este tópico era fundamental. As viaturas
estavam quase todas paradas, e os Bombeiros precisam sempre de viaturas
rodando. Fui à luta, pedindo aqui e ali, botei os veículos para rodar. Tanto
que no Sete de Setembro todas (!) desfilaram, inclusive a sucata de um jipe encontrado
no Departamento de Estradas de Rodagem do Amazonas (Deram).
Me dirigi ao comandante da PMAM (coronel
Gutemberg Soares), de quem consegui colaboração básica. Instalamos comissões
para a separação do patrimônio e do pessoal, mas, devido nossa pequena força,
perdemos bastante. Consegui ajuda no próprio Exército, que presenteou o CBM com
pneus e outros materiais. Tive ajuda das outras Forças federais. E de órgãos do
governo estadual.
Quais recursos o senhor usou para suprir de
pessoal o CBM? Em seu marco zero, o CBM não possuía legislação.
Por isso, nomeei algumas comissões para a elaboração de projetos de regulamentos.
Alguns poucos foram encerrados. Mas, o de pessoal, que mais nos afligia, foi elaborado
e enviado para o Governo. Antes, consultei o Comando Militar da Amazônia e a Inspetoria-Geral
das Polícias Militares (IGPM), em Brasília, pois desejava reforço para minha
solicitação.
O projeto de Pessoal ficou bem conhecido no meio
policial-militar, pois dotava o CBM de seis coronéis para um efetivo de
seiscentos homens. Era uma aberração, reconheço, mas havia coerência. O
secretário de Fazenda, também vice-governador, sem compreender a questão, não
aprovou o aumento de efetivo.
Certo dia, em autêntico desespero, eu alcancei o
governador Amazonino Mendes e pude explicar-lhe nossa situação, a situação de
pessoal. Nesse dia consegui êxito, o aumento de efetivo.
Como preparou o pessoal para conhecer a
gestão do Estado? Indiquei oficiais para conhecer a estrutura
de pessoal e orçamentária, a parte mais difícil, pois passamos o ano de 1999,
vinculados à PMAM. O trabalho foi proveitoso, tanto que no ano seguinte, já em
março, foi possível dispor de verba própria.
O senhor possuía algum conhecimento da
atividade de combate ao fogo? Além do conhecimento proveniente da
formação de oficial PM, com relação aos Bombeiros, eu possuía o CBO (Curso de
Bombeiro para Oficial), realizado em São Paulo. Também havia concluído um
estágio no Centro de Atividades Técnicas (CAT), na mesma corporação. Assim, eu
não era um leigo no assunto, quando assumi o CBM.
Em 2000, já dispondo de verba orçamentária,
de relativo pessoal, de viaturas rodando, o CBM seguia proveitoso? Os problemas dentro do quartel estavam apenas serenos, porque nunca
desapareceram. Sempre enfrentei alguns, inclusive no judiciário.
Mas, na ordem estadual, a coisa aumentou. O maior
quebra-cabeça, creio, foi na aquisição de equipamentos no valor de U$ 16 milhões.
Isto mesmo, dólares! Uma noite, em minha casa, estudei o processo de inúmeras
páginas que licitava material para os Bombeiros. Os interessados na venda
importunavam-me, a toda hora. Preocupado com o valor e com minha
responsabilidade, enviei o processo ao Tribunal de Contas do Estado e à Procuradoria-Geral
do Estado, órgãos que me solicitaram diversos documentos. Como não os consegui,
nem tinha interesse, a compra foi sustada, o que me trouxe enorme alívio.
O senhor nasceu em Goiana-PE, quando chegou
a Manaus? Vim em busca de progresso. Cheguei aqui em
1971, indo morar com um tio, no bairro do Japiim. A impressão não foi boa, o
tio era chegado demais a uma pinga.
Todavia, como precisava trabalhar, saí em busca,
e me empreguei na lanchonete Go-Go, ali ao lado do cine Odeon. Tive outro emprego,
mas não lembro onde. Bom, apareceu a PMAM inscrevendo para ser soldado.
Ingressei na corporação. Nesse tempo a formação de
praças era realizada no Centro de Instrução Militar (CIM), na rua Dr. Machado.
Lá, fiz amizade com o então tenente Medeiros, que muito depois foi comandante-geral.
Um dia, recebi um convite melhor e deixei a Polícia. Me arrependi. Mas,
envergonhado do que fizera, não procurei voltar. Até que o tenente Medeiros
encontrou-me trabalhando em um restaurante, e me levou de volta. Conclui o
curso de sargento, depois o de oficial. Promovido, segui fazendo carreira e
amigos por onde passava, assim cheguei ao comando do Corpo de Bombeiros.
Que contribuição, apesar dos entraves, o
senhor deixou no CBM? Isso
mesmo, apesar dos entraves. Deixei melhor a instituição, melhor do que havia
encontrado, em disputas e sem horizonte. Fui um desbravador, até por ser o
primeiro comandante do CBMAM.
Lá, encontrei viaturas com até 30 anos de
existência. Como era do meu ramo, consertei todas, e as deixei funcionando.
Adquiri os novos uniformes, que ainda hoje são usados. As leis básicas da
corporação foram aprovadas em meu comando. Fiz inaugurar a revista Labaredas
(circulou até 2008).
Contudo, conservo uma considerável mágoa: entrei
e sai dos Bombeiros como não desejava.
Assim como ? Explique. Quando fui escolhido e empossado, não houve
passagem de comando. Cheguei ao quartel e assumi. Pronto. Da mesma forma
aconteceu quando de minha substituição, não houve cerimônia. Como gostaria de
ter passado o comando, ter lido a ordem do dia, para registrar o que fiz em
prol dos Bombeiros. Nada disso aconteceu.
Por que, coronel Nilson? No segundo ano do meu comando, no final de
2000, as acusações contra meu comando aumentaram. Um dossiê passou a circular
na cidade, todos conheciam. Algumas autoridades falaram comigo, me deram conselhos,
mas eu não via o tal dossiê. Como me defender?
Zelando pela minha honra, precisava que o
governador decidisse, pois, do contrário, como continuar no comando? Certo dia,
como é do meu temperamento, dirigi-me ao Palácio e solicitei ao chefe da Casa
Civil, José Pacífico, que marcasse uma audiência com o governador Amazonino.
Aguardei durante quatro horas. Quando o governador ia se retirando, abordei-o.
Exigi uma conversa, ele me concedeu.
Expus-lhe a situação, falei do dossiê que não conhecia
e pedi que ele me afastasse do comando, pois não podia ser apurada minha conduta,
estando no comando. O governador aceitou, e determinou que o comandante da
Polícia Militar, coronel Mael Sá, assumisse na condição de interventor.
E o dossiê? Certamente será tarde para minha defesa, mas um dia o encontrarei.
Decreto de 27 de novembro de 2000
O Governador do Estado do Amazonas, no exercício das atribuições que
lhe confere o artigo 54, XVII, da Constituição Estadual, resolve
I – Exonerar, a
pedido, o Cel PM Nilson Pereira da Silva do cargo de confiança de comandante-geral
do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Amazonas.
II – Designar o Cel
PM Mael Rodrigues de Sá, comandante-geral da Polícia Militar do Amazonas, para
responder, sem prejuízo de suas funções, pelo Comando-Geral do Corpo de Bombeiros
Militar do Estado do Amazonas, até ulterior deliberação.
Amazonino Armando Mendes - Governador do Estado
Em conformidade com o decreto, o coronel Nilson Pereira solicitou a
exoneração do comando. Como a corporação necessitasse de estruturação e, ainda,
apurar as denúncias contra o ex-comandante, o governador do Estado inovou, efetuando
uma intervenção (figura inexistente na legislação policial militar, mas recebida
sem protestos) no Corpo de Bombeiros. Para cumprimento desta disposição, nomeou
o então comandante da PMAM, coronel Mael Rodrigues de Sá, que permaneceu na função
até 23 de março seguinte.
Seu sucessor, com nomeação efetiva, foi o tenente-coronel Franz
Marinho de Alcantara, que permaneceu no comando até 2008. Outro oficial que igualmente
se retirou debaixo de disputas, repetindo-se a escrita, sem efetuar a passagem
de comando.
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