Mais uma página desta extinta revista vai compartilhada. Nada a acrescentar, se não que efetuei alguns reparos devido a precária revisão e a deficiente impressão.
Euclides da Cunha em Manaus
Geraldo de Macedo Pinheiro,
jurista, ensaísta, pesquisador e historiador, pertence à União Brasileira de
Escritores do Amazonas, ao Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Suas
publicações, apesar de esparsas, já ultrapassaram as fronteiras do Brasil. Tem
várias obras para encaminhar à editora. Em seu trabalho reflete a sobriedade, a
verdade e o rigor histórico.
Manaus para Euclides não passava de "uma
cidade de dez anos sobre uma tapera de dois séculos". Realmente quando ele
chegou à capital do Amazonas, viu-a transformada "na metrópole da maior
navegação fluvial da América do Sul". Vinha presidindo uma comissão de
limites, por indicação do Barão do Rio Branco, nomeado a 9 de agosto de 1904.
O Peru discutia as suas fronteiras com a Bolívia, e
o Brasil, embora alheio à contenda, mostrava-se vigilante. Em menos de um mês,
fora assinado um acordo estabelecendo um "modus vivendi” nos rios do alto Juruá
e alto Purus. Euclides chefiaria a missão de reconhecimento deste último rio.
(...) E de lá anuncia a Luís Cruls a sua próxima partida para Manaus.
Foram seus companheiros de viagem: os engenheiros
Arnaldo Pimenta da Cunha, seu primo, e Silva Lima; o tenente Ângelo Mendes; o
dr. Tomaz Catunda; os alferes Fernando Lemos e Antônio Cavalcante e mais Egas
Florence e R. Nunes. O navio aporta em Manaus no penúltimo dia do ano de 1904.
Antes de pisar a capital amazonense, ainda a bordo,
escreve a seu pai, Manoel Rodrigues Pimenta da Cunha, temeroso de perder a mala
postal. Fala nas atenções recebidas em Belém do senador Lemos – o Eduardo
Ribeiro paraense – e dos rapazes de talento e sobre o êxito alcançado pelo seu
livro – "Os Sertões". E acrescenta: "Nada lhe diria sobre o
Amazonas".
Não há notícia de ter recebido em Manaus qualquer
recepção festiva. Compreende-se... Utilizamos a expressão de Alberto Rangel:
"As roupas de Euclides desconheciam os recortes da tesoura de
Pool..."
Pensa demorar-se apenas pouco mais de um mês,
devido a desarranjos nas lanchas da missão peruana. Sua estada, porém, foi
dilatada por três (sic) longos anos.
Isola-se no bairro hoje conhecido por Adrianópolis,
numa casinhola, que "sobranceava o mar de frendes e o algodoal de
névoas" (Rangel). Na cidade somente procura um ponto – os Correios – onde
deposita carta e mais cartas a parentes, intelectuais e amigos. Entre as
primeiras missivas do ano novo de 1905, duas são endereçadas a Afonso Arinos e
a José Veríssimo. A este reclama o calor de 30° à sombra – dizendo o seguinte:
"quem resiste a tal clima tem nos músculos da elástica firmeza das fibras
dos buritis e nas artérias o sangue frio das sucuruiubas". E adianta:
"Levo – nesta Meca tumultuária dos seringueiros – vida perturbada e
fatigante".
E escreve sonetos. Em março envia longa carta a
Machado de Assis, avisando-lhe que havia remetido os votos vagos ocorridos na
Academia de Letras: Souza para as vagas ocorridas na Academia de Letras: Souza
Bandeira para a de Martins Júnior e para a vaga de José do Patrocínio dois nomes,
e do poeta Vicente de Carvalho e o do escritor Heráclito Graça. E confessa o
seu mal-estar: "não posso contar as preocupações que me lavram o espírito".
Coelho Neto, outro grande amigo e confrade da
Academia, distinguido com várias epistolas. Quando Euclides veio a falecer foi
o primeiro a se lembrar da sua passagem em Manaus, exibindo a um dos jornais do
Rio de Janeiro a preciosa correspondência declarando, em sua entrevista:
"São trechos de uma grande existência de poucos anos".
Dirige-se também a Alberto Rangel, desta vez para
participar a sua ida para o Acre, com a frota de duas lanchas, um batelão e
seis canoas, ancorada no igarapé de São Raimundo. Não se esquece do Rio Negro:
"Nunca imaginei que este rio morto, escondesse, traiçoeiramente, ondas tão
desabridas".
Vale dizer que a expressão "rio morto",
dada ao Negro, é bem antiga em nossa bibliografia, figurando no livro de viagem
do casal Agassiz e repontando na carta de Euclides por lhe ser familiar a
literatura estrangeira sobre o Amazonas. A 5 de abril parte para as nascentes
do Purus. Chega a 15 de maio em Boca do Acre e a 25 na foz do Chandless. A 3 de
junho no Curanja, rio fronteiriço, verifica-se o episódio do seu simbólico
protesto contra a ausência da bandeira brasileira. Tremendamente nervoso,
deveria ter sentido, nessa viagem, os mais fortes choques. E alucinações visuais
e auditivas, tal era a solidão.
Depois de trinta anos, recorda um dos seus
companheiros – Euclides, após as observações astronômicas, "ouvia e via, à
noite"... um vulto de mulher, nada amorosa, porém muito sublime, a
chamá-lo. Apresentava-se vestida elegantemente tendo na cabeça uma espécie de
barrete, a semelhança da figura com que simbolizamos a República, a dizer-lhe
sempre: Olhe!
As impressões e apontamentos da sua viagem podem
ser lidos nos livros "A margem da história" e “Contrastes e
confrontos", sendo que os resultados técnicos dos seus estudos estão
enfeixados no Relatório apresentado ao Itamarati e na sua obra "Perú
versus Bolívia”.
Em 23 de Outubro regressa a Manaus, onde, dias
depois, publica um relato da expedição para o público amazonense nas páginas do
Jornal do Commércio, documento que vem a ser mais tarde estampado em
vários órgãos cariocas. Em dezembro, finalmente, encerra a sua missão oficial
no Amazonas. Lavrada a ata de encerramento dos trabalhos, deixa a nossa cidade.
A Amazônia continuou, porém, a preocupar-lhe o espírito.
Querem a sua volta. Oferecem-lhe os cargos de prefeito
do Acre e de inspetor da Madeira-Mamoré. Rejeita a ambos, pois estava empenhado
em escrever outro livro-vingança, do porte de "Os Sertões", sua obra
imortal. Quando se aproxima tragicamente a morte, Euclides se ocupava em dar aulas
de Lógica e em rever as provas tipográficas de seu livro póstumo – "A
margem da História”, editado em Portugal, onde se encontram as mais belas e expressivas
páginas escritas sobre o Amazonas.
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