Luiz Bacellar |
As
Duas Flautas (Apólogo)
Sobre a mesa poenta do antiquário
veio a réstia de sol brincar leviana.
E qual garota num sótão sozinha,
ficou-se deslumbra e pensativa
entre dois objetos muito antigos:
uma flauta de barro e uma flauta de cana.
Eram dois instrumentos pertencentes
a coleção privada do argentário,
entre cornes, alaúdes e violas,
velhas trompas de caça e alguns violinos
desencordoados, celos sem cravelhas,
desolados fagotes, bombardinos,
contrabaixos, pistões, liras, ceslestas
e alguns azinhavrados velhos sinos.
Então, como tocados de magia,
pela réstia de sol que ali se estava
estremeceram... Por alguma fresta
das janelas fechadas da mansarda
entrou um buliçoso golpe de ar
que, com a réstia de sol, vinha brincar.
Como um longo gemido suspirado
de quem acorda de um profundo sono
veio a interrogação: — “Aonde estou?”
Pára o golpe de ar. Queda-se a réstia
de sol surpreendida. E, na poeira
levantada naquela brincadeira,
se deixaram ficar muito quietinhos.
Mas antes, um soprou à companheira:
— “Foi a flauta de cana quem falhou...”
E assim os dois ouviram o diálogo
que me contaram e que aqui vos dou:
Disse a flauta de cana de bambu:
- “Onde é que vim parar?... Oh! quanto pó!
Não conheço
ninguém, como estou só.
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