Recorte da capa do impresso |
Na metade do século passado,
dois médicos amazonenses empreenderam uma viagem por países andinos. Concluído o
périplo, Djalma Batista, o saudoso cientista extremamente conhecido, fez
publicar o relato da experiência.
Primeiro, expos os
acontecimentos em conferência na Academia Amazonense de Letras, da qual era
membro, em 29 de setembro de 1951. Logo, o periódico A Gazeta a reproduziu nas edições de 15, 16 e 17 do mês seguinte.
Enfim, foi transformada em impresso,
sob o título: Itinerário transadino,
que o autor dedicou ao companheiro de viagem – Moura Tapajós, outro finado médico
competente de nossa cidade.
UM VÔO DO
AMAZONAS AOS ANDES
Na manhã venturosa de 7 de julho, dois médicos manauenses desenharam no céu um ângulo reto, olhando pela janela do Catalina, ao infletirem para o oeste, com o pensamento no roteiro seguido por Pedro Teixeira, durante doze meses, a partir de outubro de 1 637, para cobrir a distância até Quito, — réplica heroica dos portugueses à expedição pioneira de Pizarro-Orellana, um século antes, desvirginadora do mundo amazônico.
Apenas trezentos e tantos anos depois do notável capitão luso mudaram os meios e os caminhos, passando os meses a serem contados em horas... O que aqui vai relatado reflete o pensamento e a observação dos dois itinerantes, dos quais me estou arvorando a intérprete, avisando de antemão que o sal da história foi sempre posto pelo meu companheiro, com muita finura e extraordinário espírito clínico e crítico.
À medida que o avião remonta o [rio] Solimões, vai-se tendo uma impressão oposta à da viagem a jusante de Manaus: a água diminui de volume e não ocupa tanto espaço, e a floresta é mais densa, parecendo até mais verde...
Em frente a Benjamin Constant, quando se dá adeus à pátria, olhando a margem peruana fronteiriça (o povoado de Ramon Castilla não fica ao alcance da vista), o "real rei dos rios do Universo" como que perde a sua majestade, nesta época de vazante; e a cidade distante, comburida pelo sol e asfixiada pelo mormaço, erguida sobre giraus semelhantes aos de meu Togar natal, no Acre remoto, dá uma pena terrível ao brasileiro que a pisa pela primeira vez: não parece ter a seus pés um monstro líquido cuja correnteza atinge às vezes a milhas por hora.
Benjamin Constant como que reflete a psicologia de um lago...Decolado o anfíbio da Panair [do Brasil] divisam-se riscos amarelos fendendo a superfície verde: verde e amarelo como que a traduzirem o destino brasileiro de guardião daqueles pagos distantes, onde três povos irmãos disputam ou mantém uma cunha de seus próprios territórios: peruanos, colombianos e equatorianos. E sobrepairando a tudo — interesses, ambições, desejos de hegemonia — um senhor todo-poderoso, que é o deserto!
Quando se chega a Iquitos [Peru], duas horas depois de Benjamin Constant (500 ou 600 quilômetros de distância!), o espírito como que se abre, depois de se ter contraído a meditar sobre a pequeneza do homem em face ao mundo amazônico. Porque Iquitos já é uma cidade!
Basta dizer que possui luz e água... O Palace Hotel Malecon, instalado em bonito prédio azulejado, está longe porém de ser um palace hotel. Em compensação está pronto para ser mobilado e funcionar um bem apresentado estabelecimento, que integrará a cadeia da Corporação Nacional de Hotéis de Turismo, do governo peruano.
Na capital do Departamento de Loreto há cerca de 45.000 almas, 10.000 das quais devem ser contadas como corpos: são soldados... Não esquecer que as geografias equatorianas incluem Iquitos na Província Oriental da pátria de Garcia Moreno...
Em verdade muito mais afinidade existe, na região, com o Brasil, que com qualquer das repúblicas irmãs do lado de lá dos Andes: e é pena que esta afinidade, decorrente naturalmente da proximidade geográfica, da identidade de problemas e da semelhança das populações nativas, não seja aproveitada largamente pelo comércio, pela indústria e pela cultura, para formação de um necessário espírito panamazônico, que não deve ser interpretado como expansionismo do Brasil, país líder e senhor da chave da bacia, pelo próprio destino histórico.
Neste sentido, vale a pena não esquecer as sugestões e observações argutas de Napoleão Bezerra, que já escreveu, primeiro com gasolina e depois com óleo cru, crônicas de sensação sobre o Médio Amazonas. (continua)
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