Nascido no Rio
Grande do Norte, em 1939, morreu nesta quarta-feira, aos 76 anos, o coronel PM
da reserva Pedro Câmara, vitimado por um colapso cardíaco. O velório foi realizado
no quartel central do Corpo de Bombeiros, entidade que este oficial comandou
quando o Estado absorveu este serviço em 1973. O sepultamento ou a “semeadura”,
como define a igreja que o falecido professava, ocorreu no final da manhã no
cemitério São João Batista, com a tropa da PMAM cumprindo o cerimonial militar.
Câmara,
antes de desembarcar em Manaus, cresceu no Acre, onde sua família se
instalou atraída pela fortuna da borracha regulada por ocasião da Segunda
Guerra. A família Câmara de marcante religiosidade possui, entre seus membros,
pastores e dirigentes da igreja Assembleia de Deus.
Em Manaus, ao
tempo do serviço militar, Câmara foi engajado no 27º BC (Batalhão de Caçadores),
aquartelado na praça General Osório, hoje sede do Colégio Militar de Manaus.
Naquela unidade militar prestou concurso para ingresso no CFC (Curso de
Formação de Cabo), sendo aprovado com brilho. Dessa maneira, antes da conclusão
do serviço militar obrigatório, era o cabo Câmara. Sempre bem alinhado, uniforme
impecável, conhecedor dos regulamentos e exigente extremado. Era um militar
“caxias”.
Ainda na
caserna do 27 BC enfrentou a seleção para o curso de sargento que, não obstante
ter sido aprovado, não conseguiu vaga.
Entre outros entreveros, esse acelerou
seu desligamento ao final do período compulsório. Aprovado em concurso, passou
a funcionário da Chefia de Polícia, órgão encarregado da Polícia Civil. Nesse
emprego foi alcançado por um edital da Polícia Militar.
Aos 21 anos,
foi selecionado junto com mais dois Pedro (Lustosa e Falabela, que desistiu da
empreitada) e o Helcio Motta, para integrar a turma de cadetes na EFO (Escola
de Formação de Oficiais) da então PM da Guanabara. Tratou-se de iniciativa pioneira
do doutor-coronel Assis Peixoto, no comando da PMAM: promover a formação de
oficiais de escola. Ao término do curso (1960-62), Câmara estava em primeiro
lugar entre os amazonenses e, diante desse valor militar, deve ser considerado
o primeiro Cadete da história da Força Estadual.
Ainda
tenente, em 1965, foi nomeado comandante do CIM (Centro de Instrução Militar),
a pioneira iniciativa da corporação para capacitar os praças. Funcionava no Piquete, a edificação centenária que
abrigou como a denominação indica uma tropa de Cavalaria. E ainda, servia de
referência para os moradores do bairro da Praça 14. Nesse local, no momento, funciona
o CPM (Comando de Policiamento Metropolitano), guardião do portão do Piquete.
Tenente Câmara permaneceu pouco tempo na direção, porém, o bastante para que os
colegas jocosamente identificassem o CIM por “Câmara Instrui Meganhas”.
Ainda que sem
qualquer cacoete para qualquer esporte, Câmara organizou delegações esportivas.
De oficiais, conduziu equipes de futsal (ao tempo, futebol de salão) ao
interior do Estado. Tefé, Manacapuru, Maués, Parintins e Itacoatiara foram
palcos desses encontros. Bons resultados esportivos e ótimos causos essas excursões ofereceram, talvez
o melhor tenha ocorrido em Coari. Na quadra, faltava um dos bons jogadores, o
então capitão Ruy fora nomeado “carcereiro” do delegado. Explico: Câmara havia determinado
a detenção deste – tenente da reserva, alcunhado de Rabo Fino.
Outro bom causo: Câmara adquiriu um Fusca, branco,
se não sou traído pela memória. Nada de excepcional, senão que esse objeto de
desejo era da fábrica alemã. E, como o condutor aqui e ali bateu com vontade o
alemão, tomou a alcunha de um lutador de “telequete”, modismo da TV da época.
Economista, Câmara
foi graduado pela Faculdade de Ciências Econômicas, antes que essa fosse
incorporada à Ufam. Matemático competente, essa competência o capacitava a elaborar
tabelas de vencimentos, sempre que a comunidade policial (ainda não operava o
clube-sindicato) buscava melhorar o soldo.
Quartel do CBMAM em preparativos para o cortejo fúnebre |
Em
1973, major Câmara assumiu o comando do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar, ocasião
em que este serviço passou à órbita do Estado. Nada entendia desse serviço
básico, mas era excelente administrador, preocupando-se até com o “pimentão”
consumido no rancho. No ensejo, aproveitou a chance e viajou a Paris (FRA) para
um aprendizado sobre bombeiros. Fez o estágio e o fez bem, aclimatando-se de
tal maneira ao espírito parisiense que, ao regressar, os colegas o tratavam de
forma espirituosa por Pierre Camarrá.
Em
seu comando desembarcou a primeira escada de socorro que, por hábito, foi alcunhada
de “magirus”. Comandante Câmara usou e abusou dela. Fazia-a arvorar (elevar seu
dispositivo) e, do alto, de binóculo em punho, apreciava a movimentação na
praia de Cacau Pirera.
Um
dia, em pleno expediente, inspecionando o terreno do quartel, encaminhou-se
para os fundos onde havia (ainda há) uma caixa d’água. De repente, ouviu-se um
tiro naquela direção. Acorrem vários bombeiros, imaginando um desastre com o
chefe. Mas eis que, guapo, Câmara os recebe com aquela pachorra: “pensaram que
eu havia me suicidado!?”.
Enfim,
“dirigia” a AVC (Associação dos velhos coronéis), que se reúne na última
sexta-feira de cada mês para discutir assuntos burgueses: saúde, soldo e bom
apetite. Dirigia sem contestação, afinal, apenas cabia-lhe indicar o
restaurante do mês. Outra determinação: apenas seu aniversário era comemorado,
porque acontecia a 31 de janeiro. Ou seja, estava sempre próximo do encontro ou
no mesmo dia. A vaga está aberta.
Chegou,
porém, o dia da indesejada. Ele já havia
suplantado alguns procedimentos cirúrgicos, e seguia mostrando a força e a determinação
do nordestino vitorioso. Sua fleuma, marcada pela entonação de voz, era própria.
Tudo planejava e calculava meticulosamente. Por isso, creio que até a forma de “atravessar
o rio Negro” foi encomendada.
Foi-se
na madrugada, quando nós, amigos e parentes, esperávamos pelo novo dia. Filho! Até outro dia, na eternidade.
Eterna gratidão por esta homenagem que, hora ou outra, retorno para ler !!!
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