Na metade do século passado,
dois médicos amazonenses empreenderam uma viagem por países andinos. Concluído
o périplo, Djalma Batista, saudoso cientista extremamente conhecido, fez
publicar o relato dos acontecimentos.
Foi transformado em impresso,
sob o título: Itinerário transadino (1951),
que o autor dedicou ao companheiro de viagem – doutor Moura Tapajós, cujo nome designa
a maternidade municipal instalada na avenida Brasil, bairro da Compensa.
UM VOO DO
AMAZONAS AOS ANDES
Nós brasileiros andamos
designando mal o nosso tuxaua hidrográfico, chamando-o de Amazonas, Solimões e
Marañon. Em frente a Iquitos, por exemplo, olhando o belo panorama do rio a
deslizar sereno, carregando detritos andinos, galhadas do baixo-plano e
aluviões quaternários das terras aquém dos Pongos;
olhando o rio banhado pelos últimos reflexos do crepúsculo planiciário, de que
me estava a despedir, e recordando as minhas tinturas de geografia, exclamei:
"Miremos al Marañon!" Esclareceu logo o amável acompanhante que estávamos
defronte do Amazonas e que o Marañon estava muito longe.
Debrucei-me então
sobre a monografia do sábio [Antonio] Raimondi, que consagrou sua vida ao Peru
e palmilhou Loreto: aprendi que o Amazonas se forma pela união do Marañon com o
Ucayali, da mesma forma que o [rio] Madeira nasce do abraço do Mamoré com o Beni,
e o rio Branco da fusão do Maú e do Tacutu.
Cancelemos a nossa
homenagem ao rei Salomão, concentrando-a na outra lenda, muito mais simpática e
sugestiva, das guerreiras do Nhamundá, que arrebataram ao próprio Orellana a
designação onomástica do rio-grande descoberto!
Matriz de Iquitos, foto de julho passado |
De Iquitos para Lima
há três vias de comunicação: uma pelo ar, coberta pelas possantes e confortáveis
unidades da Cia. Fawcett, que transportam tudo, gente e bichos, encomendas e cargas;
outra por terra, a partir do porto de Pucallpa, até onde chegam embarcações
fluviais, e início da grande estrada transandina, que substituiu a picada terrível
de 20 anos atrás, pela qual, em caravanas aventurosas, que enfrentavam os gentios,
as feras, o frio e a aspereza do terreno, se mantinha a unidade territorial do
Peru; uma terceira via é toda por água: descendo o Amazonas, navegando o
Atlântico, cruzando o canal do Panamá e costeando o Pacifico, até Callao...
Por uma das três vias
sai a produção loretana: borracha, petróleo, sorva, madeiras e couros. Como se
vê tudo coisa que a terra dá por si: nada criado pela mão do homem, tal qual
sucede com os irmãos amazônicos do lado de cá da linha divisória...
Em 1955 será o
centenário de Iquitos. Portanto, apenas sete anos mais nova do que Manaus,
embora afastadas as duas capitais por mais ou menos 2.000 quilômetros...
Depois de uma animada
e proveitosa conversa com os nossos anfitriões Planas e Vidurrizaga, na qual
tanto podemos admirar a vivacidade de espírito do último, conhecedor minucioso
do Norte e Nordeste do Brasil, onde amassou o pão do exílio, aqui lançando raízes
afetivas imperecíveis e fruir o encanto da companhia do primeiro e de sua
família, — começou a bater-nos forte o coração : fazia um calor supermanauense
assim pelo meio-dia, no aeroporto iquiteño
da CORPAC, e em pouco estaríamos sobrevoando os Andes e jogados no inverno da
orla do Grande Oceano! (continua)
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