CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sábado, janeiro 18, 2014

CORONEL WILDE BENTES (3)


Governador Amazonino Mendes (à  esq.) em
solenidade no comando do coronel Wilde
Bentes
Para recordar o coronel Wilde Azevedo Bentes, ex-comandante da Policia Militar do Amazonas, reproduzo a página do jornal TRIBUNA DE ÓBIDOS, que circulou no 2º trimestre de 2000, editado pelo jornalista Paulo Onofre Lopes de Castro, para saudar aquele “filho da terra”.
Como é fácil observar, desde a circulação mais de uma década já se escoou e muita água passou sob a ponte Rio Negro, de sorte que esta transcrição sofreu pequenos acertos de rumo.
Esta é a terceira e última parte.

 OS ESTUDOS
 

Em Óbidos, Wilde Bentes fez o primário na escola José Veríssimo e, como seus pais eram muito religiosos e frequentavam normalmente a igreja, decidiu, aos doze anos de idade, ir para o Seminário, em Campina Grande, na Paraíba, onde só passou um ano e meio, pois descobriu que aquela não era sua verdadeira vocação. Voltou para Óbidos e, em seguida, foi estudar em Belém, no Colégio Nazaré, onde concluiu o Ginásio. No Colégio Paes de Carvalho fez o científico e, em 1966, foi convocado pelo Exército. "Fiz tudo para não servir, entretanto fui o terceiro a ser escolhido. Confesso que eu não gostava da vida militar, de jeito nenhum", enfatiza.

Como já tinha concluído o colegial, Bentes foi para a Escola de Formação de Oficiais, em Belém, que fica ao lado da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré. No decorrer do curso ele começou a gostar da carreira militar, mas, mesmo assim, ainda tinha um pouco de rejeição.

Ao concluir o curso para oficial do Exército, no final de 1967, passou em 3° lugar e teve o privilégio de escolher onde queria fazer o estágio de três meses, que era obrigatório. Os amigos queriam que ele ficasse em Belém, mas havia uma vaga em Manaus. "Aí eu disse: eu quero essa vaga. Meus companheiros me chamaram de doido, pois nessa época eu tinha passado no vestibular para bacharel em Administração, na Universidade Federal de Belém, mas eu já estava tão empolgado com a vida militar que não me matriculei na faculdade e vim embora para Manaus, onde fiz o estágio e conclui o curso em janeiro de 1968", recorda Bentes.

Nessa época o comandante do 27° Batalhão de Caçadores lhe pediu para fazer o Estágio de Serviço, que tinha a duração de quatro anos, com a finalidade de seguir a carreira militar. Ele retornou à Belém, já com o ofício em mãos e se apresentou no comando da Região como aspirante a oficial. Uma semana depois retomou à Manaus, para fazer o Estágio de Serviço, trabalhando na parte operacional, como tenente, no 1º BIS, do 27º BC (confusão do jornalista, pois as duas unidades são a mesma).

Em 1969, o então tenente Wilde Bentes fez o Curso de Guerra na Selva, com duração de uma semana, no complexo de treinamento do Exército, situado no Puraquequara. "Nós éramos um grupo de cinco oficiais”. No curso de sobrevivência na selva todo mundo é aluno, com deveres e obrigações. Tínhamos que andar impecavelmente uniformizados em plena floresta. Fizemos o nosso próprio tapiri para servir como Quartel. Nós não comíamos absolutamente nada, porque não tinha o que comer. Não aparecia nem uma paca, nada, nada.

Certa vez, lá pelas tantas, quando voltávamos para o acampamento, escutamos o som característico de um papagaio. Coitado dele, conseguimos derrubá-lo para
saciar a nossa fome. A nossa panela era o cantil onde esse papagaio foi fervido durante quatro dias e cada um dava uma mordida, pois o bicho era duro de comer. Nunca pensei em ter um papagaio como refeição, mas, em nome da sobrevivência, fui quase forçado a degustá-lo, tirando gosto com tapuru de coco e cobra. Eu não estranhei muito porque sou da região. Na realidade, nós só viemos a comer no quinto dia, mas quem matou a nossa fome foi o leite de amapá, foi a nossa sobrevivência.

Na nossa equipe havia um oficial americano que reclamava balbuciando barbaridades, tudo em inglês, e ninguém entendia nada, mas a gente sentia que ele não estava satisfeito. Todo dia ele decorava uma palavra em português e as que ele mais repetia era "obrigado" e "comida" (risos)... Mas era um cara muito extrovertido, pois reclamava muito com o que não estava acostumado, principalmente com os mosquitos. Era meio medroso, quando escurecia não ficava só no tapiri, de jeito nenhum", recorda.

Ao concluir seu estágio em 1972, o comandante do BIS – onde Bentes servia –, Paulo Figueiredo (pernambucano que chegou a general), foi convidado para comandar a Polícia Militar. "Incisivo, ele chegou comigo; botou as duas mãos nos meus ombros e disse, na minha cara: Você vai comigo! Ponderei que não queria ir para a Polícia Militar porque eu tinha passado novamente no vestibular para Administração, em Manaus, e queria me formar, mas ele foi intransigente ainda, dizendo que eu era o seu braço direito e ele não conhecia ninguém lá dentro.E, em 1972, eu fui para a Polícia Militar do Amazonas. Fiz o concurso, passei e entrei como tenente, de novo. A partir daí fui galgando os postos, graças a Deus.

Faz três anos que Bentes não vai a Óbidos, mas sempre está tendo notícias de lá. "Tenho contato com Óbidos através de meu cunhado, que é um marchante que compra gado em Óbidos e Oriximinã”. Ele tem uma verdadeira ojeriza à política. Conversamos sobre lazer, família. Segundo ele, a economia de Óbidos estagnou, comparando os dados de hoje, pois comprava muito gado no Paraná da Dona Rosa.

Mesmo “de pijama”, como gosta de frisar, Wilde Bentes guarda boas recordações da Polícia Militar, onde passou a maior parte da sua vida, mas avalia que a corporação tem dois grandes problemas: falta investimento e profissionalismo "Até acho que saí mais da PM, em função desses problemas, pois eu debatia muito o desvio de finalidades", avalia o coronel, analisando que o soldado, ao ingressar na Polícia Militar, vai com a intenção de pegar um bico fora ou ficar à disposição de uma secretaria, de algum órgão, para aumentar seu soldo e não se dedica com exclusividade para as atividades da Polícia, quando ele deveria estar na rua, prevenindo a ação.

Segundo o coronel, se for comparado o salário de um militar com o de um civil, que está exercendo função equivalente, chega-se à conclusão que ele não está ganhando tão mal, ressaltando, entretanto, que o militar coloca em risco a vida dele, da família e ainda está sujeito à hierarquia e disciplina rígidas.

Analisando as denúncias, feita em cadeia nacional de televisão, por um policial de São Paulo, acusando que desde o coronel até o soldado cheira cocaína, Wilde Bentes interpreta que, infelizmente, o ser humano está passivo desses erros. "Eu concordo que o militar, que tem o dever de guardar, de proteger e de garantir a segurança de outras pessoas, não pode ter problema nenhum como corrupção, contravenções e uso de drogas", analisando que o policial deve fazer todos os
anos, exames antidoping, de sanidade mental e psicológico, porque ele vai usar uma arma.

Hoje ele pode estar bem, daqui a um ano, pode ser outro, completamente diferente. O comando precisa encontrar uma saída para adaptação do policial que, em alguns casos, mora ao lado do marginal. Para isso, ele defende a construção um sistema de habitação para PMs.

Quando aconteceu (sic) as denúncias de corrupção dentro da Polícia Militar, Wilde Bentes já tinha pedido a sua aposentadoria. "Eu fiquei surpreso e me prontifiquei a
colaborar, mas nunca me chamaram a dar algum depoimento. Eu não sou a palmatória do mundo, mas sempre procurei desempenhar as minhas funções com respeito, com dignidade, com competência e, sobretudo, como exemplo a ser seguido”. Eu até hoje falo com o Governador, pois já trabalhei junto com ele, me dou bem com os Secretários.

Depois de 33 anos de trabalho, Wilde Bentes se diz feliz e realizado profissionalmente, embora sinta falta da caserna. "Nunca tirei licença, sempre me dediquei exclusivamente para o meu trabalho, procurando sempre fazer o melhor, bem feito”. Indagado se tem vontade de voltar para Óbidos, já que está aposentado, Bentes diz que sim, mas seus filhos não querem porque estão fazendo Faculdade. Se tivessem que sair de Manaus, escolheriam Fortaleza.

Em 1996, já como coronel, Wilde Bentes foi convidado para ser o chefe do Estado-Maior da Polícia Militar, onde exerceu a função durante oito meses, na administração do governador Amazonino Mendes. Em 14 de março de 1997, para sua surpresa, já que não tinha pedido cargo a ninguém, leu no Diário Oficial sua nomeação e quando chegou ao Palácio do Governo já era o novo Comandante-Geral da Polícia Militar do Amazonas. Ficou nessa nova missão até novembro e, em dezembro do mesmo ano, novamente foi surpreendido com a sua nomeação para secretário de Estado Chefe da Casa Militar. "Em março de 1999, a meu pedido, fui transferido para a reserva, por tempo de serviço”, finaliza o futuro médico, balançando em sua poltrona, saboreando uma “loura gelada”, socialmente, no bom sentido, claro.

 

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