Semana passada, o mundo relembrou o cinquentenário do voo espacial do russo Yuri Gagarin. Uma volta de pouco mais de 100, exatos 108 minutos, em pouco mais de três horas. Tudo era ainda diminuto, menos o deslumbramento do russo que nos revelou a cor azul da Terra. Passamos a conhecer nomes bem esquisitos: Sputinik, que partiu da Base de Baikonur, no Cazaquistão.
Ramayana de Chevalier, 1958 |
Em Manaus, Ramayana de Chevalier tomou de sua pena brilhante e produziu o texto que reproduzo. Também ele, o texto, cinquentenário, publicado em A Gazeta, (14 de abril). Ano dessas aventuras - 1961.
O Salto no Abismo
Estamos vivendo a hora cósmica. Nossa casa é pequena para a vertigem do nosso sonho. A ciência soviética acaba de penetrar no universo oleoso e silente do firmamento estelar. As cadelas que precederam ao salto humano pelo silêncio sideral merecem nossa mais carinhosa gratidão. Agora sentimos, em toda a sua extensão, de como foram ridículos e imbecis os santinhos da Sociedade Protetora dos Animais, com os seus protestos líricos. Depois dessas cadelas magníficas, o homem foi lançado, pela primeira vez na história da humanidade, a uma velocidade de 600 mil quilômetros/hora, numa altitude de 340 mil metros acima do solo, completando, em uma hora e meia de relógio, a volta em torno do planeta.
Note-se, para efeito de raciocínio, que o nosso planeta Terra é lançado no espaço a uma razão de 104 mil quilômetros por hora, dando-nos a perfeita ilusão de estabilidade e fixidez, de tanta estabilidade que iludiu aos astrônomos antecessores do Copérnico. Numa velocidade, pois, algumas vezes maior do que a massa do planeta, esse bólido russo conseguiu levar um ser humano a uma altura jamais suspeitada, num deslocamento alucinante, que trouxe, como prova, uma série de hipóteses cosmológicas que a Relatividade Restrita de Einstein havia, teoricamente, comprovado.
Uma delas é a absoluta ausência de luz no espaço cósmico. A outra, que representa uma afirmação categórica da teoria corpuscular, é a que declara que, na visão do firmamento, a luz, lançada como um oceano corpuscular através do infinito, só é sentida quando encontra a massa dos planetas ou dos cometas transeuntes. A visão que o astronauta Gagarin teve do espaço cósmico, mergulhado nele a uma profundidade de 340 quilômetros distante da Terra, confere com as anotações de Einstein e com a moderna teoria mecânica celeste e da física corpuscular. O espaço é negro. Ao longe, Gagarin conseguiu entrever o seu planeta, mergulhado num azul claríssimo, resultado do impacto do feixe luminoso nas camadas atmosféricas e na própria massa da Terra. A sua visão deve ter sido angelical. Assim devem os anjos contemplar à Terra e Deus, como Lei, na sua escuridão permanente, assiste à vitória dos seus filhos, sem comoções.
Revista Veja, 20 abril 2011
A vinda do astronauta, em perfeito estado físico, como de resto já havia chegado os animais enviados ao espaço, assegura também uma razão admirável à teoria einsteiniana do espaço pessoal, arrastando cada um de nós o seu universo de bolso em torno de si. O que acontece com o microclima para os vegetais, existe também para o ser humano, quanto às inerências de sua condição biológica e sensorial.
O homem conduz o seu próprio universo. Os planetas, com a sua atmosfera, as suas nuvens, as suas diferenças climáticas, volitam em torno do Sol, num arranco de 104 mil quilômetros por hora, no que tange ao nosso “habitat”. Os de maior volume, certamente se deslocarão em velocidades superiores, de acordo com o seu empuxo necessário. Dentro dessa concepção, o homem, como indivíduo, também arrasta consigo o seu continente cósmico, capaz de isolá-lo e de mantê-lo, num equilíbrio de compensação, dentro de um esquema de resistência pessoal à velocidade.
Não podem ser selvagens, nem atrasados, nem primitivos, aqueles que possuem cientistas capazes de tais cometimentos. Parece não ter razão o presidente do Banco de Boston, quando nega à Rússia qualquer virtude. A exploração do homem pelo homem está perdendo na competição com a ciência socialista.
Gagarin, hoje, não é astronauta russo. É um cidadão do mundo, que veio concorrer para provar que todos somos irmãos e que a ciência, quanto mas prestigiada pelo Estado, mais frutos dará e mais novidades oferecerá aos sedentos de sabedoria e de liberdade...
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