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quarta-feira, março 31, 2021

ÁUREO MELLO (1924-2015)

 Narra uma lenda suburbana que o falecido Áureo Bringel de Mello (1924-2015) – advogado, jornalista, poeta, contista, pintor, político e senador pelo Amazonas – não encarava uma viagem aérea sob hipótese alguma, ou como canta o musical, tinha “medo de avião”. Não sei como desembarcou em Manaus em fevereiro de 1970, ocasião em que os amigos lhe fizeram os melhores encômios. Primeiro foi Luiz Bacellar, que o saudou com um poema aqui compartilhado.

Semana seguinte foi a vez de Genesino Braga, cronista de dilatado texto, enaltecendo ao porto-velhense que se realizou no Amazonas. A publicação aqui compartilhada ocorreu no Jornal do Commercio (15 fev. 1970).


Aureo Mello caricaturado por
Moacir Andrade, na Revista da
UBE de 1983

De breve tornado aos seus pagos há muito deixados, Áureo Mello vagueia, nestes dias, os caminhos em que outrora andaram em sonhos a sua poesia e o seu amor. Os dias da infância e os da mocidade, culminados num triunfo de ideal político que o levaria a transplantar-se da querência amada, ressurgem-lhe a toda hora, por todos os lugares, com aquelas mesmas imagens insistentes que se guarda na lembrança dos tempos mais felizes. A velha porta amiga que se reabre; os braços afetuosos de outrora que se estendem; o rosto esquecido que súbito, reaparece, sorrindo; a árvore frondosa do quintal antigo, — símbolo de hospitalidade e proteção; o gosto sápido dos frutos regionais saboreados no tabuleiro do Messias (ah!, os pajurás de racha...); a exclamação alarmada dos bem-te-vis nos ninhos das mangueiras; a velha casa de beiral que sumiu dando lugar ao edifício de vinte ou mais andares, — tudo devolve à sensibilidade poética do conterrâneo visitante as suas velhas fontes de inspiração, com as imagens que se não diluíram e jamais se diluirão no andar dos tempos, porque fixadoras de todo um mundo interior e reflexo de sentimentos, do qual ele é poeta amoroso e gentil.

Recorte do citado jornal

Vinte e cinco anos distam do lançamento, aqui entre nós, do primeiro livro de poemas de Áureo Mello. “Luzes Tristes”, que assim se intitulava o belo volume, e assim porque — ele próprio o revela no último terceto do soneto de igual título, — “Pois, ó sonho!, ó sorrir!, ó deus amor!, ó glória!, / Sois, nesta vida umbrosa, humana e transitória / Os meus tristes clarões, as minhas luzes tristes...”, representam bem a sua individualidade poética, que extravasava o seu prodígio criador, seivoso e novo, nas mais puras expressões da beleza com afirmação e intensidade. Seus poemas de então tinham funda expressão pessoal e suas ideias eram mensagens sensíveis de uma grande alma otimista e generosa, encerrando toda a comoção humana através dos símbolos mais nobres.

Saindo, como poeta, do grupo de intelectuais novos que, abelhas inquietas, apuravam o mel nos favos do Centro de Estudos da Mocidade, "igrejinha" de escola renovadora que fez sozinha a significação literária de uma época, Áureo Mello se integrou no movimento modernista mais por uma necessidade íntima de renovar, nas tendências e nas ousadias das novas correntes. E o que nos mostrou, através de seu livro de estreia, foi um índice forte de definição dos novos rumos do espírito brasileiro, já a esse tempo se desembaraçando das imposições passadistas. Por isso, quando apareceu, marchava seguro de si mesmo, com uma clara compreensão da poesia de seu tempo, apoiado num pleno domínio da personalidade. (...)

Agora mesmo, depois de um agradável reencontro com o poeta, em dias desta semana, durante o qual mais uma vez pudemos sentir a irradiação do seu poder de simpatia, através da palestra clara e fluente, através do gesto largo e espontâneo, através das palavras de louvor e de admiração para tudo e para todos (não falou mal de ninguém, não reagiu, não restringiu, não opôs, não contrariou, não demoliu. Admirou, aplaudiu, concordou, — como admirou sempre as paisagens, como aplaudiu sempre os amigos: a bondade de uns, a fortaleza de outras, o talento de todos), — agora mesmo, dizíamos, tomamos da estante, para as delícias de alguns breves momentos, seu livro de poemas, aquele mesmo da estreia: "Luzes Tristes". (...)

Agora o poeta, que teceu há vinte e cinco anos essa teia lírica de encanto e de beleza, revê suas velhas fontes límpidas de inspiração, nas terras de seu nascimento. O sonho de futuro que ele sonhara — para a sua terra para o seu povo e para si próprio como sentimento de uma e de outro, -- aí está em afirmativas reais no processo de desenvolvimento econômico em que o Amazonas hoje se expande. Não lhe são revelação nem surpresa, bem o sabemos, por que estavam justos nos termos de sua clarividência de amazonense idealista. Mas, lhe falam de um triunfo que tomou sentido com os "peleadores" de seu clã lítero-político. Por isso, enlaçamos-lhe no abraço amigo que lhe estendemos ao reencontrá-lo a vaguear solitário, saudoso de si mesmo, naquela tarde de violência crepuscular, semana última pelos mesmos caminhos que outrora andaram em sonhos sua poesia e seu amor.

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