CATANDO PAPÉIS & CONTANDO HISTÓRIAS

sexta-feira, março 26, 2021

"O GALO" DE LUIZ BACELLAR

Envolvido com os Estudos sobre a literatura amazonense, de Tenório Telles, retornei ao meu “surrão”, como aprendi com Farias de Carvalho. Nele encontrei o poema aqui compartilhado, de Luiz Bacellar, sobre o qual consultei ao poeta Zemaria Pinto, que me assegurou se tratar de uma obra inédita do saudoso autor de Frauta de Barro.

Bacellar, em pé, 1983

Outro pormenor aqui já revelado, que faço questão de repisar: Bacellar encomendou-me uma pesquisa dos poemas que ele publicou em jornais de Manaus. Almejava com eles editar um livro, cujo título seria Calhaus. Fiz o que pude, entregando a ele certo número deles, porém, o poeta não teve tempo de realizar sua aspiração. Aqui vai mais um, mestre Luiz Bacellar.

Nota: no original, como se lê, está A GALO, no entanto, a incorreção presumo cabe à falha de revisão ou outra iniquidade existente nas oficinas. 


 O GALO

Luiz Bacellar

(na volta de Áureo Melo à terra manauara)

Eu hoje 

tomei emprestada a pluma

de Neruda,

voltei aos tempos do paganismo

e sacrifiquei

um galo ao deus Apolo.

Não a Apolo retornei

Mas a ti Sol,

próton do infinito,

fonte da vida

que me fizeste nascer

na Terra.

Por ordem de Meu Senhor

era um galo

guerreiro como eu, guerreiro e cantador.

 

Tinha um peito de oiro

macio e brilhante,

a cauda de esmeralda,

a crista do mais rubro

coral.

Joia de plumas

de macheza

e canto,

grande produtor de ovos

e de alguns frangos,

multidões de frangas.

Ao sacrificá-lo

sacrifiquei-lhe o canto

porque sou cantor

do meu Senhor.

Mas também sacrifiquei-lhe a vida

porque devo a vida

ao meu Senhor.

Senti-lhes os estertores

nas minhas mãos implacáveis

quando torci-lhe a cabeça

para separá-la do corpo,

depois rompi-lhe o peito

e arranquei-lhe o coração

ainda palpitante,

e ofertei-o na palma de minha mão direita

ao Sol,

fonte da vida,

da Alegria,

da Saúde.

 

(Sacrifiquei o galo

como o ritual

litúrgico

dos flâmines latinos

de Apolo).

 

Quando as últimos palpitações

do seu pequeno coração

cessaram

na palma imóvel da minha mão

cobri o rosto com ambas

para que o meu rosto

se tingisse de atinjo

como o do Sol, e o Sol me reconhecesse

como seu filho.

Sacrifiquei o galo

com lágrimas nos olhos.

Que me perdoe o meu Senhor

que me proibiu

sacrifícios cruentos.

Pagaste o teu galo a Asclépios. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário