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PRELUCIDAÇÃO
Enquanto isso, porém, o tempo corria
e conspirava contra a produção cultural local e, logicamente, contra o
surgimento de novas luzes e novos talentos. E a coisa começava a repetir-se e a
emperrar, enfim. De sorte que tudo parecia mais ou menos estagnado, como um
grande rio que de repente deixasse de correr.
De fato, só com o término da guerra,
o fim da ditadura e a esperada democratização do país, voltar-se-ia a respirar
em Manaus um ma propício ao reflorescimento das artes e das letras e ao exercício
da liberdade criativa.
Era chegada a hora dos grêmios e da
consequente disseminação de suas tribunas políticas e literárias, a darem algum
colorido à cidade e algum sentido à juventude. Impõe-se, assim, por sua própria
expressividade, o devido registro dos nomes dessas entidades, porquanto de seu
seio foi que saíram os quadros que iriam depois pontificar nas tribunas
parlamentares, nas cátedras universitárias e nas lideranças empresariais,
inclusive em outros Estados, por força do conhecido êxodo anual da mocidade amazonense,
rumo ao sul do país, determinado quase sempre pela falta de oportunidades e,
sobretudo, pela inexistência de universidade, eis que então se dispunha, tão
somente, em Manaus, da tradicional Faculdade de Direito.
Só para referir, a voo de pássaro,
as denominações daquelas entidades e alguns de seus integrantes, listamos os
seguintes, observando uma certa ordem de precedência: Grêmio Heliodoro Balbi (Olavo Sobreira Sampaio, Evandro Carreira,
Manoel Octávio etc.); Centro de Estudos
da Mocidade (Áureo Mello, Plínio Coelho, Lúcio de Siqueira Cavalcanti,
Ligier Herculano Barroso etc.); Sociedade
Cultural Castro Alves (Almino Affonso, Aloysio Nobre de Freitas, Paulo
Monteiro de Lima etc.); Grêmio Cultural
Gonçalves Dias (Francisco Guedes Queiroz, Roberto Jansen, Arimathéa
Cavalcanti, Othon e Fernando Mendes, Almir Diniz etc.); Grêmio Cultural Álvares de Azevedo (Hygino Caetano da Silva Filho, Platão Araújo, Alencar
e Silva, Aluísio Sampaio, Leopoldo Péres Sobrinho, Jefferson Péres, Andrade
Neto, Roberto Jansen etc.); Sociedade
Amazonense de Estudos Literários (Anibal Duarte Beltrão, Alencar e Silva,
Maria Leonor Coutinho dos Santos, Ambrósio Assayag, Guimarães de Paula, Astrid
Cabral, Jorge Tufic, Anísio Mello, Milton Cordeiro, José Cidade d'Oliveira etc.).
Havia ainda o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, de caráter nacionalista, e
a Associação Amazonense de Imprensa
Estudantil, representativa dos diversos periódicos, de vida efêmera ou
duradoura, que então circulavam.
Sendo certo que muitos de nós
participamos sucessivamente de mais de um desses grêmios, fácil é compreender-se
que muitos companheiros não tenham sido arrolados, enquanto que um ou outro
possa achar-se deslocado. O que importa, em essência, é que muitos desses
jovens, na década seguinte, ou, mais precisamente, a partir de 1954, fariam
confluir suas águas para o grande estuário do Clube da Madrugada, onde um novo tempo começaria a correr.
Cabe lembrar ainda que os colégios
tradicionais de Manaus, à época, viram os seus centros estudantis encherem-se
de inusitadas atividades extracurriculares, de cunho literário, destacando-se
entre eles o Centro Plácido Serrano e
o Marciano Armond, do Colégio
Estadual e do Instituto de Educação, respectivamente, nos quais a juventude
mais idealista adestrava-se nos torneios do espírito e nos jogos florais da
inteligência.
Deve lembrar-se, em particular, e
não por acaso, o "Plácido Serrano", sob a presidência de Anísio
Mello, poeta e pintor, que lhe embelezara a sede, dotando-a de palco e belos
painéis laterais e também os jovens que ali se exercitavam nas tribunas, como
Francisco Queiroz, Arimathéa Cavalcanti, Bernardo Cabral e Cláudio Ferreira
Nobre.
Entre todos, porém, sobressaía-se a
figura de Almino Affonso, cujos triunfos oratórios a todos deslumbravam. Já por
volta de 1948, era ele — poeta — um líder prestigioso, a quem a política e a
vida pública reservariam uma trajetória gloriosa nos parlamentos e na alta
administração do país.
Por várias vezes esse virtuose da
oratória parlamentar empolgou as sessões do "Plácido Serrano". Certa
feita, o deputado Pereira da Silva, ali presente, depois de ouvir o jovem
tribuno, e como que contagiado por sua eloquência, inflama-se também e profere
emocionada oração, que assim começava: "Eu também já fui poeta e cantei
esta terra com igual emoção...".
Referia-se o deputado ao seu livro Poemas Amazônicos, de inspiração
nativista e vazado em versos livres, que ficaria como uma das primeiras manifestações
do Modernismo no Amazonas. Essa obra fora publicada em 1927 e só seria
reeditada quarenta anos depois. Por aqueles idos de 1948, Almino Affonso
estudava em Manaus e passava as férias escolares de fim de ano em Porto Velho,
com os pais, subindo o Madeira nos antigos "Gaiolas" ou
"Chatinhas", que escalavam nas cidades de Borba, Manicoré, Humaitá e,
finalmente, Porto Velho, daí retornando a Manaus.
Essas viagens, embora com vários
dias de duração, nunca se tornavam monótonas ou cansativas, dada a alegria dos
estudantes que partiam em férias. Coincidiu de viajarmos no mesmo navio, em
1948. Eu ficava em Borba, onde meu pai era Juiz de Direito, e Almino Affonso
prosseguia viagem, por mais alguns dias, pelo belo e amarelo Madeira.
E a Academia? É preciso saber-se distinguir bem entre o que é permanente e o que é episódico. De modo geral, as academias de letras estaduais, como instituições permanentes que são, merecem ser contempladas com respeito e admiração, pelos serviços de alta benemerência que prestam à sociedade e à cultura, notadamente com relação à permanência em alta dos padrões da nossa língua. (SEGUE)
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