O
Catalina era um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que operou nos primórdios
da instalação dessa Força nessa região, quando o interior assistia ao pouso desta
aeronave nos rios e seus afluentes. Deve ter operado até a década de 1970.
Tive
a ventura de viajar uma única vez em um Catalina, na rota Belém-Altamira, já se
vão mais de 40 anos. Diante de tantos recursos de transporte existentes,
confesso, havia esquecido dessa aventura e do Catalina.
Remexendo
no Almanaque Municipal Brasileiro
(post anterior), nele encontrei, e o transcrevo como homenagem a esse meio de transporte
que prestou enorme contribuição a região, como se pode ver pela leitura. Não há
indicação do autor, mas creio que foi publicado no extinto jornal Província do Pará.
CATALINA, o “burro de
carga da Amazônia”
Em outubro de 1969, o
jornalista de A Província do Pará,
Pedro Tupinambá, escreveu uma reportagem sob o título acima. Expressiva, real,
oportuna, porque ninguém há de ignorar que, efetivamente, o Catalina foi o
grande desbravador da Amazônia.
– Se o Douglas é o
"cavalo dos céus", como afirmamos em crônica publicada em 1966 – diz
Pedro Tupinambá – o Catalina é o "burro de carga da Amazônia", onde
as estradas se contam nos dedos da mão, e nos rios – vias líquidas de comunicação
– escasseiam as embarcações.
O Catalina, também
chamado de "pata choca", relevantes serviços tem prestado ao
setentrião e podemos dizer com convicção: é um dos fatores de progresso e
desbravamento desta imensa região. Cruzando os céus da planície, ora pousando n’água,
ora em terra, ele enfrenta as tempestades ou os rabos de CB com heroísmo e
galhardia, pois sabe que de si dependem muitos fatores ligados à sobrevivência
na selva amazônica, onde os núcleos populacionais são ilhas perdidas no mar
verde.
Há vinte e tantos anos
ele tomou a si esse encargo e jamais dele se esquivou ou procurou correr da
raia.
Na sua marcha lenta,
bem simbolizando o lema do [então] 1°/2°
GAV sediado em Belém – "Devagar, mas chego lá" –, lembra uma
gigantesca tartaruga voadora, deslocando-se pesadamente pra lá e pra cá, a
conduzir padres e freiras, pastores protestantes e irmãs de caridade, militares
e arigós, índios e caboclos, pequenos comerciantes e funcionários públicos,
magistrados e prefeitos, igualando em seu bojo todas as profissões e cores,
credos religiosos e castas sociais, num autêntico desafio aos preconceitos
humanos.
Em seus bancos
sentam-se, lado a lado, o general e o soldado, o pé-rapado e o secretário de Estado, a madre-superiora e a mulher do
povo, o prelado e o ateu.
– E a sua carga, qual
é?
Desde a maleta grã-fina,
último modelo, ao fardo de charque ou pirarucu, do caixote mal pregado, com gêneros,
à gaiola de passarinho; sacos, sacolas, saquinhos, amarrados, caixas de papelão
com medicamentos, malas de madeira de todos os tamanhos e feitios; da pele de
borracha ou sernambi ao paneiro de farinha ou castanha; do engradado com peças
e apetrechos, do saco de farinha de trigo ou açúcar com bugigangas; do tambor
de óleo ou gasolina à caixa de ferramentas; dos sacos de lona de EBCT aos
papagaios, periquitos, tucanos, araras, tartarugas, tracajás etc.
Em seu interior
mistura-se o odor gostoso das madeiras regionais ao cheiro sui generis do pirarucu seco, dos perfumes das ervas aos vapores enjoativos
da gasolina.
Quando chega em certos
lugares, parece uma arca de Noé, tal a variedade de bichos que transporta.
Muitos têm se
arrebentado por aí, menos por culpa sua, do que por outras causas.
Às vezes, na decolagem,
quando está muito carregado, ele padece para sair da pista, roncando que nem um
animal ferido.
Nas úmidas madrugadas
ou nas auroras magníficas, o Catalina parte para suas missões, muita vez com
sacrifícios inauditos, para cumprir as rotas dos rios Negro, Solimões, Tirós [sic], Cururu, Purus e Madeira, levando
em suas asas (que ostentam a estrela brasileira e as letras da FAB) uma
mensagem de civilização e carinho, aos nossos queridos irmãos espalhados pelos
quadrantes longínquos da hinterlândia.
A tropa do Exército
destacada em Tabatinga, em tempos idos, cantava à chegada do Catalina o "Hino
da Pata Choca", acompanhada por uma charanga, a refletir seu
reconhecimento e alegria pela volta, sempre ansiosamente aguardada, do avião da
FAB àquelas plagas remotas. Era um dia de festas!
As irmãs de caridade
do Rio Negro criaram um slogan: "A FAB é nossa". A FAB, na realidade,
é das freiras e dos padres, é dos índios e dos caboclos, é de toda a gente deste
Brasil imenso, rico e generoso.
Utilizado também no
transporte de tropas armadas, de delegações estudantis ou esportivas, o
Catalina é pau pra toda obra,
incansável no seu mister patriótico ajudando a levar pra frente este gigante
que é o Brasil.
Merecedor de nossa estima e gratidão, bem merece um monumento em praça pública, a atestar às gerações futuras o seu trabalho hercúleo e nobre, valioso e heroico.
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