Inscrição no túmulo dos Mendoza |
Meu pai – seu Manoel – viveu 97 anos. E
o cuidado que ele dispensava as sepulturas da família era exemplar. Disse
sepulturas porque a família dispõe de uma em São João e outra, em São
Francisco. Aqui o sepultei em maio passado, ao lado de sua segunda esposa, nossa
querida Dona (Dora). Depois de alguns anos, eles se reencontraram para a eternidade.
No São João, o elenco dos sepultados na quadra 17 é bem maior. Começou em
1940 com o sepultamento de Adelaide Pereira, avó de muitos netos; depois foi
minha mãe, em 1953; seguida de uma tia e da avó paterna Victoria Malafaya.
Enfim, mas não o fim, há oito anos, foi a vez do meu filho Roberto.
Lousa do túmulo, em construção |
O dia nos fornece motivos para essas considerações, que vem acompanhadas de
inevitáveis recordações, que nos permitem recolocar os entes queridos um pouco
ao nosso recato. Alivia de certa maneira a distância que nos mortifica.
OS QUE NÃO MORREM NA GRATIDÃO DOS AMAZÔNIDAS (*)
São três nomes grandes
da história do Amazonas que se recordam nesta página de Saudade. Eduardo Gonçalves
Ribeiro, Sant'ana Nery e Comendador Clementino.
Aquele é o Pensador.
Manaus é criação dele. Antes da ação dinâmica, ciclópica por que se assinalou
no mando, o que havia aqui era tosco. Manaus dava ares de burgo. Os homens do
Império nada tinham realizado. Nada ou pouco. Se duvidam consultem os aspectos
velhos, leiam as palavras dos viajantes, alarmados todos com o quadro que
enxergavam.
Pensador fez tudo.
Imaginou e executou.
E' verdade que errou.
Talvez grandes, enormes, imperdoáveis erros. Um deles, o maior, o mais grave,
foi o pouco caso pelo futuro econômico. As rendas cresciam, avolumando-se
espantosamente, sem que se visse a medida governativa que as impulsionavam, que
lhes davam vida. Era tudo naturalmente. O ouro negro operava o milagre. Não é
mentira o que se afirma aqui. Há provas.
A palavra do Pensador
não será bastante? Ele escreveu uma confissão franca, que as arcas se enchiam,
sem as atenções diretas do oficialismo.
Pensador, como Lobo
d'Almada, foi uma vítima do seu grandioso querer pelo Amazonas. Ambos, em prodígios,
construindo, zelando, civilizando. Ambos cobertos da maledicência dos
incapazes, dos inimigos de todo homem que tem ideias, defende-as e as realiza
alheio à ação peçonhenta desses malvados. Ontem como hoje, como agora, frisemos.
Sant'ana Nery, não é o
Barão que o império, formando ao lado do servilíssimo corpo de fidalgos
improvisados, sem tradições. O Amazonas não o conhece nessas vestes canhestras
e insignificantes.
A homenagem é ao
revelador de uma grandeza. E' ao escritor, ao estilista, sabedor imenso do País das Amazonas, de Folklore Bresilien, de Le Bresil em 1889, aquede primeiro livro
fundamental, em que reuniu todo o conhecimento das nossas coisas, água e terra,
flora, fauna, o homem de cá ou de fora amansando a jungia amansando a jângal
formidável. Livro em que se conta o passado, mostra ao globo, em quatro
idiomas, e maravilhoso do vale, sem a fantasia dos poetas, dos romancistas, sem
a ciência improvisada de certos amazonôlogos de livros europeus.
Três séculos antes,
fora um jesuíta, frei Gaspar de Carvajal, numa crônica fantástica, farta em
trechos sensacionais que dissera, além-mar, do gigantesco deste mando em formação. E por tal modo, que desassossegara espíritos, manietara
governos, provocando a cobiça do gaulês.
O frade dizia do quadro verde,
da selva virgem. Com os excessos que a sua imaginação ardente lhe ditou,
encantado. Vendo mulheres em guerra, novas Amazonas, valentes, heroicas,
dominadoras, formando o império que, no lendário ameríndio, seria o El Dorado
faiscante.
Sant'ana Nery, embora dominado
pelos encantamentos da gleba, mas um forte sobre as emoções perturbadoras, com
o senso da realidade, segredo que poucos sabem guardar, não mentiu. O País das Amazonas, surpreendendo muita
vez pela exatidão dos conceitos, da notícia que se lê, lançou-nos. Apontou-nos.
Entregou-nos ao estudo detalhado de povos servidos pela experiência de punhados
de séculos.
Antes de Barão, que nada
significa para nós, Sant'ana Nery foi, insistamos, o revelador do Amazonas, que
o outro, Pensador, levantara cheio de amor. Sábio e artista. Das maiores cabeças
nacionais, ao seu tempo, e ainda hoje.
O outro, o terceiro amazônida,
teve posições políticas. Barão de Manaus, titulou-o a Princesa Izabel, a 27 de julho
de 1888. E' o único amazonense do grupo. Por isso mesmo, o mais ignorado na sua
terra. Triste destino de um povo!
Filiado à corrente
conservadora, governou a Província, em 1885 e em 1887. Governou com decência,
com patriotismo. Administrou,
é bem o termo. Não foi nunca um trânsfuga. Não foi nunca, porém, um escravizado
ao partido para aceitar exigências imprudentes, comprometedoras. Quantos lhe
rascunharam a biografia acentuaram o prestígio popular que o animava para
caminhadas pelo berço.
Morreu em 1906, a 26
de outubro, em Manaus. Sempre sob a admiração dos coestaduanos. Seu nome – Clementino
José Pereira Guimarães. Nascido no velho Lugar da Barra, em 1828. Comendador da
Ordem da Rosa, deram-lhe o nome à uma rua. Frágil homenagem, numa terra onde se
louvam, nessas demonstrações, até quantos lhe sugaram as energias, lhe deram as
horas amargas de agora!
Pensador, Sant'Ana
Nery, Comendador Clementino, não proclama o leitor, três homens do Amazonas?
Homens, no sentido honesto!!!
Dormem, os três, em S.
João.
Porque os moços, que
desejam lições no passado, não lhes estudam as vidas. E no dia de hoje, não
lhes vão à necrópole, numa visitação comovedora e a denotar que já se forma um
espírito nosso, voltado para o que é do patrimônio amazonense?
Suplemento da revista Redempção, 2 de novembro de 1932
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