AS ÁGUAS DO QUE VERÃOCaro poeta:
Jorge Tufic
Não sei com que voz, muito menos com que letra, tornar-me solidário ao grito coletivo daqueles que sucumbiram nas catástrofes da região serrana do Rio de Janeiro, para falar apenas nesta, tudo unicamente por culpa do próprio Governo, que nas circunstâncias atuais deixa de merecer este nome, para equiparar-se à ralé dos mais desprezíveis políticos deste País.
Repugna também ao mais insensato admitir, neste caso, que o Brasil já não tenha passado, desde a morte de Getúlio Vargas, às mãos hediondas de meros politiqueiros, ladrões e sacripantas.
A consciência anestesiada de milhares apenas ocupados com esporte, carnaval, tóxico e outras variadas diversões alienadoras, impediram de ver e gravar para sempre estas imagens que fizeram a nossa angústia e a nossa desesperança num futuro melhor. Estavam eles, nesse mesmo dia e nessa mesma hora, amontoados nas ruas para receber um jogador que vinha de fora, ao aceno contratual de um time de futebol.
Nova Friburgo, detalhe da destruição. Foto Ag Estado
Os demais brasis, de igual modo, cuidavam de si e de suas miudezas, enquanto as televisões anunciavam, naquele crescendo vocal que alterna com as imagens dramáticas de resgates nem sempre bem sucedidos, a maior tragédia “natural” já ocorrida em nossa ex-Capital da República. Pois esta não foi, nem é, uma tragédia natural.
A ocupação das encostas tem muito a ver com milhares de outras ocupações, quer nas serras, quer nas grandes cidades, periferias urbanas, florestas e rios, estes, podres, aquelas, agonizantes. A tragédia é global, embora, algumas vezes, silenciosa.
Uma lágrima é pouco, mas suaviza o caudal das chuvas, enquanto o sorriso é maior ou menor, se temos que assistir ao salvamento de uns, e, às vezes, ao inexplicável e tormentoso destino de tantos outros.
Seu texto é irrepreensível. Isso mesmo, enquanto a lama destruía o que alcançasse, a galera rubronegra delirava com seu craque. Seria interessante se as prefeituras fossem conduzidas pelos dirigentes de futebol, e possuíssem em seus quadros “craques” tão valorizados.
Passado a euforia produzida pela imprensa, a questão, qualquer que seja o volume, cai no vazio, no esquecimento. Em Manaus, mais nenhum jornal comenta o desabamento do Chibatão. Um porto particular construído sem o controle do poder público. Morreram dois trabalhadores, seus corpos desapareceram, todavia, o lamento maior veio da classe empresarial, em razão dos prejuízos financeiros. E pelo atraso na entrega de produtos e bens de produção. Detalhe: o porto já voltou a funcionar.
Porto Chibatão, em Manaus |
Não devia, mas falei demais.
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