Jorge de Moares |
RECORDANDO
O PASSADO
Ildefonso
Pinheiro
O Dr. Jorge de Moraes foi no meu tempo de rapaz, um dos homens
mais impressionantes e sedutores que conheci. O seu ser era um conjunto de
beleza que se harmonizava dentro do ritmo, e da harmonia espiritual. Vestia-se elegantemente
com indumentárias colhidas nos mais perfeitos figurinos parisienses e londrinos
onde a casimira e as sedutoras gravatas se salientavam a impor-lhe respeito e
encanto pelo gosto.
Este homem era médico; um médico muito viajado e, como tal,
granjeou grande nomeada, na medicina. Foi o maior cirurgião operador da sua
época. Ainda hoje existe na Beneficente Portuguesa uma sala de operação em
homenagem a sua afeiçoada dedicação à medicina.
A sua cultura assombrosa fez com que os políticos da época o afastasse
da medicina, levando-o para a Câmara Federal onde ele, com a sua rutilante e
privilegiada oratória, fizesse-o dentro daquele recinto um representante
excepcional, a exaltá-la, pelos grandes conhecimentos que era possuidor. Já na
Câmara, em pouco tempo tornou-se líder entre os seus pares, pelos dotes de que
era senhor e por todos os requisitos com os quais Deus o constituiu. Era um homem
de luz, saber e de um poder de atração que se manifesta nas criaturas, pela
criação divina.
A sua estada na Câmara não durou muito tempo porque a complexão
da sua cultura e a sua expressiva facilidade de oratória, fizeram com que fosse
conduzido ao Senado. A sua entrada no Senado foi triunfal, revestida de todos
os galhardões com os quais um gênio privilegiado podia ser premiado. Como
senador também chegou a ser um líder. Foi o mais querido e admirado por todos
os colegas e pelos homens de imprensa.
Neste caminhar de ascensões e de glórias, foi indicado pelos
seus pares para saudar Georges Clemenceau, presidente do conselho da França, na
beleza e na sedução do idioma de Vítor Hugo, que possuía uma castidade sábia de
confeccionar e harmonizar as imagens, com um brilho fascinante!
Esta saudação ainda hoje se encontra vibrante, nas antologias, a
convocar a mocidade para estudá-la e senti-la na beleza do seu conteúdo.
Entre todas essas ascensões, o maior desejo de Jorge de Moraes,
era ser prefeito de Manaus, para dar a sua terra o encanto e a realeza que ele
havia visto e sentido nos grandes centros europeus. Assim, como homem de gosto
e apaixonado pelas coisas belas, deixou o Senado e veio administrar a Prefeitura
de Manaus. Como Prefeito, teve ação e ordem, no cumprimento da lei.
As saudosas recordações vivem ainda hoje na lembrança daqueles
que, como Jorge de Moraes, sonham realizar obras que tenham continuadores
conscientes dos deveres e do amor ao Brasil. Embelezou as ruas e cuidou da
limpeza com grande carinho. Mandou vir para Manaus um carro-pipa para jogar
água nas ruas, nas tardes de verão. O jardim da Catedral (antiga igreja da
Matriz), mantida pela Prefeitura, tinha um belo plantio de fícus-benjamins,
donde retiravam as mudas para o plantio na cidade. Ali se plantavam também uma
grande variedade de rosas e de cravos.
As nossas ruas e praças tinham os seus fícus-benjamins podados
por exímios podadores, dando um aspecto impressionante à cidade. O chafariz que
ainda hoje se encontra na Praça Osvaldo Cruz, foi uma das suas grandes
realizações. O nosso Mercado Municipal primava na limpeza e na arrumação. Tudo
ali era feito com gosto e arte.
Ele encontrou a Prefeitura, na sua parte financeira,
completamente desiquilibrada. Procurou manter a ordem com a lei que impõe o
cumprimento do dever. Essa imposição causou celeuma entre os políticos que se
escusavam de o ajudar na sua ação construtiva; pagando os impostos daquilo que
era devido à Prefeitura.
Com isto, incompatibilizou-se com os seus coestaduanos. Voltou a
clinicar; mas, por novas imposições políticas, voltou ao Senado em 1928. Em
1930, quando veio a revolução, perdeu o seu mandato por força da lei. Nesta
data começou a sua odisseia, como se pode sentir nesta narração de Viriato
Corrêa:
"No penúltimo domingo,
num fim de tarde chuvoso e melancólico, numa rua de Santa Tereza, morreu o Dr.
Jorge de Moraes. E morreu em completa obscuridade e em extrema pobreza.
De tudo que Deus botou
neste mundo, senhores, a coisa mais feia é a vida. A gente não sabe nunca o que
ela é. O homem que, na tarde daquele domingo, morreu angustiado, foi uma das
criaturas mais brilhantes e mais impressionantes e mais curiosas que já
passaram pelos meus olhos.
Nestes mistérios se
desenvolve a existência das criaturas em sua passagem pela terra; sem uma definição
sequer da vida, porque somente Deus pode defini-la.”
Até a rua onde ainda hoje
existe o antigo e belo palacete que foi do Dr. Jorge de Moraes, deixou de ser
Jorge de Moraes para ser Rui Barbosa.
PS.
Em homenagem a este prefeito da Capital, seu nome identifica o mercado
municipal no bairro de Educandos.
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